Como é que o corpo humano reage às alterações climáticas?

O ser humano é capaz de viver nos cantos mais inóspitos do planeta com temperatura extremas, muitas vezes incomportáveis para a maioria da população. Uma das consequências do aquecimento global são as ondas de calor e, com elas, muitos problemas de saúde associados devido à dificuldade corporal de realizar a regulação homeostática, ou seja, manter em equilíbrio todas as suas funções.

Normalmente as pessoas mais idosas ou pessoas desfavorecidas, são mais afetadas pelas ondas de calor. Nos casos mais extremos, centenas de pessoas morreram prematuramente vitimadas pelo calor. No entanto, episódios de hipertermia, cãibras, colapso, exaustão e insolação podem ser algumas das reações fisiológicas mais comuns.

A adaptabilidade do ser humano a diferentes ecossistemas no planeta faz antever que os humanos tenham um ponto até ao qual conseguem se adaptar, em termos de alterações de temperatura e de humidade. Existem vários ecossistemas e habitats no planeta aos quais o ser humano está adaptado, sendo que a adaptação foi feita de forma lenta, ao longo de muito tempo.

A previsão do aumento da temperatura de 1,5 a 2 graus Celsius até ao final do século, não afeta de forma marcada o corpo humano até porque, não sendo brusco, permite o desenvolvimento de alterações adaptativas. Ainda assim, os fenómenos climáticos extremos vão exigir mais informação e educação para a saúde, no sentido de proteger os indivíduos, principalmente os idosos, os doentes e as crianças.

Os problemas mais comuns derivados do calor extremo são a hipertermia, caracterizada por uma desproporção entre a perda de calor e a produção de calor interna ou fornecimento de calor externo sem mudança do valor da temperatura interna. As mais recentes investigações têm mostrado que a exposição ao calor de longa duração e a alta temperatura apresenta a maior taxa de mortalidade.

As ondas de calor levam ao aquecimento das cidades densamente construídas fazendo com que as temperaturas, à noite, não desçam dos 28-30 graus Celsius. A população que vive nestas áreas está, por isso, exposta a um stress térmico permanente de 24 horas. Os mais afetados são os bebés até um ano, idosos, diabéticos e pessoas que sofrem de doenças cardiovasculares ou acamadas.

As cãibras de calor são outra consequência do calor extremo. Podem ocorrer normalmente com trabalho físico pesado, especialmente com temperaturas ambientais acima de 27 °C e alta humidade relativa, observando-se a perda de água e eletrólitos por evaporação.

Colapso por calor é a doença de calor mais frequentemente observada. É um distúrbio circulatório, que pode ocorrer durante os primeiros dias de uma estadia num clima quente. O colapso por calor é causado por uma falha da reação cardiovascular à temperatura ambiente elevada criando, assim, uma perturbação da distribuição volumétrica da circulação.

Como expressão da desproporção entre produção de calor, absorção de calor e perda de calor, em primeiro lugar, a circulação sanguínea da pele é aumentada pela vasodilatação periférica. Mesmo em repouso, isso requer um aumento de débito cardíaco. Devido à vasodilatação periférica, o volume intratorácico de sangue fica diminuído, o que pode levar a um colapso de calor.

Como possíveis indícios de colapso circulatório, deve-se considerar diminuição da pressão arterial, bradicardia (expressa por fraqueza, tontura, cansaço), dor de cabeça, falta de apetite, náuseas, vómitos e vontade de defecar. Outros sintomas, como piloereção (arrepios), observada no peito e na parte superior dos braços, hiperventilação, cãibras musculares e, às vezes, também sinais neuronais, como ataxia e discurso incoerente, também podem ser observados.

Há ainda os casos de insolação, corresponde a um superaquecimento mais duradouro acima de 40 °C e caracteriza-se, nos casos mais graves, por desorientação, cãibras e delírio. A insolação é uma perturbação da temperatura com risco de vida e ocorre mais frequentemente durante os primeiros dias de uma onda de calor em idosos que sofrem de doenças crónicas como por exemplo arteriosclerose, insuficiência cardíaca ou diabetes. No entanto, os jovens também podem sofrer insolação após esforço físico extremo e com a cabeça descoberta sob forte radiação solar. A regulação da temperatura no hipotálamo é perturbada de modo que, apesar do alto stress térmico, ocorre uma vasoconstrição cutânea e a produção de suor é suspensa apresentando-se a pele seca e quente.

A cada 1 °C de aumento de temperatura, a taxa metabólica basal aumenta em 7%, ou seja, para uma temperatura de 41 °C isso significa um aumento metabólico de quase 40%, sendo um critério importante para a existência de uma insolação um valor de temperatura corporal central acima de 40,5 °C. Os sintomas de aviso a curto prazo incluem dores de cabeça intensas, tonturas, sensação de fraqueza, dor abdominal, confusão ou hiperpneia. A pressão arterial é extraordinariamente baixa. Os músculos são flácidos e os reflexos tendinosos podem estar diminuídos. A pulsação aumenta e a respiração é rápida e fraca. A pele fica vermelha, seca e quente. A insolação pode levar ao coma ou ser fatal, dependendo da gravidade, podendo estar associada a insuficiência renal, enfarte do miocárdio ou broncopneumonia.

Para baixar a temperatura do corpo em caso de excesso de calor, a prevenção passa por evitar bebidas açucaradas (ou ligeiramente salgadas) antes da exposição, roupas leves, banhos frios frequentes, ambiente fresco e atividade física reduzida. Para se evitar cãibras de calor e colapso por calor, o esforço físico em altas temperaturas ambientais (> 26 °C) e alta humidade deve ser restringido ou evitado.

A capacidade de adaptação a uma onda de calor de vários dias depende, entre outros factores, do ambiente climatizado onde nos encontramos, da nossa saúde e do apoio logístico existente. Por exemplo, o fato de podermos estar em casa, debaixo de uma temperatura ideal face à adversidade no exterior, termos acesso a líquidos frios, sermos saudáveis ou termos uma boa capacidade homeostática ajuda sobremaneira à adaptação.

O corpo humano não é resistente de forma prolongada ao calor extremo sem condicionamento do ambiente em que um indivíduo se possa encontrar. Nada melhor do que a educação em saúde para que as pessoas sejam alertadas para as alterações fisiológicas e fisiopatológicas que ocorrem. É importante que existam unidades e profissionais de saúde em proximidade (por exemplo, farmácias comunitárias; enfermagem de família) que façam uma avaliação rápida do indivíduo e o direcionem consoante a situação e caso para outros profissionais com grau de intervenção mais adequada.

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