Encenação de Carla Bolito, a partir de Cartas de Casanova Lisboa 1757, de António Mega Ferreira. Com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, no CCB, de 17 a 19 de março, no Pequeno Auditório (sexta: 21h00 . sábado: 19h00 . domingo: 16h00)
Meter o Rossio na Betesga e Lisboa no CCB
Quando li o romance epistolar Cartas de Casanova Lisboa 1757, de António Mega Ferreira, imaginei logo a sua adaptação para o palco. O retrato de uma Lisboa destruída cujas obras de reconstrução se encontram paradas sem um princípio, ou fim, à vista, é um cenário bastante recorrente nesta cidade.
O aumento em grande escala do turismo, a gentrificação e a especulação imobiliária, são fenómenos que também passaram a fazer parte do cenário desta cidade que já não tem casas, novas ou velhas, para os seus residentes. A associação do nome próprio da personagem principal do romance de Mega Ferreira ao problema da habitação em Lisboa, tornou-se inevitável. Além disso, sou uma fervorosa praticante do humor literal e das missões teatrais impossíveis.
Como adaptar a escrita caleidoscópica de Mega Ferreira para o palco?
Comecei por pensar na música. O dispositivo do romance assenta em seis cartas que Casanova escreve à família, amigos e amantes. Cada uma das cartas seria associada a uma música, a um compositor ou compositora.
Dediquei-me então a ouvir música do século XVIII do período do barroco tardio, de acordo com a época retratada no romance. A música tem um poder impressionante de me pôr no encalço de uma sensação parecida com a caça, não a de animais, mas de algo parecido com a luz que faz tremer uma folha da paisagem e que nesse momento me indica que o caminho é por ali. Ao decidir quais as músicas que iam habitar nesta «Casa Nova», a tarefa árdua da condensação do texto tornou-se mais fluída. A pouco e pouco, começou a construção de Casanova em Lisboa.
Nada disto teria acontecido sem o apoio e o entusiasmo que Mega Ferreira me transmitiu desde que lhe apresentei esta ideia. Tal como aconteceu em 2008, na altura presidente e programador do CCB e que me deu todo o seu apoio noutra missão impossível, a estreia de Sentido Portátil, uma adaptação para teatro de História abreviada da literatura portátil de Enrique Vila Matas.
«Rien ne pourra faire que je me sois amusé» é o lema de Casanova e também o de Mega Ferreira que se dedicava de corpo e alma e sempre com grande prazer e entusiasmo, a todos os projetos em que se envolvia, fosse escrever um livro, fosse receber os amigos. Esse espírito de entusiasmo continua vivo e contagiante. Este espectáculo-concerto é dedicado ao Mega.
Carla Bolito, 26 de Fevereiro de 2023