Na história da ciência há muitas ligações improváveis. Pessoas, conceitos e lugares que estão, à primeira vista, muito distantes até que chega o momento da descoberta e … eureka! Tudo faz sentido.
A crónica de hoje começa assim mesmo: afinal o que pode ter em comum Porto Rico e Estocolmo?
E que ligação existe entre uma bactéria e o nobel da Química?
Tudo começa com o interesse de Emmanuelle Charpentier (n. 1968), microbiologista francesa, numa das bactérias mais infecciosas. O estudo dessa bactéria, denominada de Streptococcus pyogenes, permitiu que a cientista descobrisse uma característica até então desconhecida. A bactéria protege-se de vírus que a ataca através do tracrRNA (acrónimo para trans-activating crisper RNA). E afinal o que acontece?
Quando um vírus tenta infetar uma bactéria ele injeta o seu próprio genoma. Mas este é reconhecido e destruído por proteínas que atuam como uma “tesoura” molecular. Esta descoberta foi publicada em Março de 2011 e nesse mesmo ano decorreu um congresso científico internacional em Porto Rico. No segundo dia do evento, de forma informal e casual, a cientista francesa conhece a investigadora Jennifer Doudna (n. 1964). Esta cientista norte-americana estudava um fenómeno chamado de RNA de interferência. Que, simplificando, permite interferir com a expressão de genes específicos.
Calcorreando as ruas da cidade as duas investigadoras conversaram sobre as suas investigações. Estava a começar uma das parcerias científicas mais importantes das últimas décadas.
Inicialmente as duas cientistas pensavam que poderiam descobrir um novo tipo de antibiótico. Mas a investigação iria revelar novos caminhos. O que elas conseguiram provar foi que esta “tesoura genética” podia ser usada para cortar qualquer molécula de ADN. Estava descoberta uma forma eficaz de edição genética que seria utilizada em variadas aplicações.
Destaque para o desenvolvimento de novas plantas que resistem melhor às secas e pragas. E, apesar de não ser uma panaceia há, de facto, potencial para o seu uso no tratamento de algumas patologias. É claro que, apesar de estar fortemente regulado, este campo da ciência pode albergar alguns investigadores que tentam ir além do que a ética e a lei definem.
Assim, em 2018 o biofísico chinês He Jiankui criou os primeiros bebés com edição genética. A resposta foi rápida e pedagógica. Foi condenado a pena de prisão e expulso da academia.
Não obstante estes riscos esta “tesoura genética” tem já imensos benefícios e o reconhecimento desta revolução chegou em 2020. Nesse ano Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna seriam galardoadas com o Prémio Nobel da Química.
O percurso destas mulheres merece ser reconhecido e enquadrado no amplo contributo das mulheres para a ciência. Infelizmente ainda persiste uma visão patriarcal. Cabe a todos nós conhecer e reconhecer estas e outras mentes brilhantes. Para o leitor que quiser saber mais recomendo o livro “Irmãs de Prometeu”, de João Paulo André, obra exaustiva e incontornável sobre os percursos brilhantes das mulheres que fizeram e fazem história na ciência, em particular na química.
Luís Monteiro