Entrevista a Luís Tomé: “Não sabemos até onde a Rússia está disposta a ir”

Luís Tomé

O conflito na Ucrânia continua a escalar. A Rússia não mostra tenções de recuar e a NATO mantém o envio de armas para que o povo ucraniano consiga defender-se do poderio militar russo. 

O e-Global conversou com o Coordenador Científico do OBSERVARE-Observatório de Relações Exteriores, Luís Tomé, sobre a guerra em território ucraniano. O também Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa, onde é Diretor do Departamento de Relações Internacionais, foi Assessor do Vice-Presidente do Parlamento Europeu durante a legislatura 1999-2004. 

Luís Tomé é ainda autor do relatório “Russia and NATO’s Enlargement”, de 2000, e de mais de uma dezena de livros, além de inúmeros ensaios e artigos, tendo sido investigador da NATO-EAPC durante dois anos. É igualmente investigador nas áreas das Relações Internacionais, Geopolítica e Estudos de Segurança especializado nas regiões Euro-Atlântica, Eurásia e Ásia-Pacífico. 

e-Global: Gostaria que começasse por fazer um resumo sobre as tensões entre a Rússia e a NATO ao longo dos anos… antes de acontecer este conflito na Ucrânia. 

Luís Tomé: Nós tivemos o desmantelamento da União Soviética em 1991 e havia uma perspetiva russa de que, tal como o Pacto de Varsóvia não tinha razão de ser, a NATO também poderia desaparecer. Aliás, houve até afirmações muitas vezes reproduzidas de um marechal, soviético ainda, que dizia “Vamos deixar-lhes [à NATO] um problema, porque vamos deixá-los sem inimigo”. O facto é que a NATO não desapareceu. 

Houve uma grande discussão entre os países aliados e vingou a perspetiva de que a NATO tinha sido a vencedora da Guerra Fria e que precisava era de se adaptar, de se transformar perante a nova realidade internacional. E, por isso, aprovou vários conceitos estratégicos logo em 1991, em 1999 e depois até em 2010, em que assume essa transformação como sendo contribuinte para a expansão e a consagração da democracia na Europa, abraçar antigos adversários… Portanto, acabar com a velha linha divisória da cortina de ferro no continente europeu, inclusivamente por via do ingresso de antigos adversários na Aliança Atlântica. 

“(…) gradualmente, a Federação Russa manifestou desconforto, desconfiança, e começou até a mostrar antagonismo à expansão da NATO para Leste (…)” 

E, se nós pensarmos de 1990 até aos tempos recentes, a NATO alargou-se de 16 países aliados até aos atuais 30 países aliados, incluindo vários países que foram membros do Pacto de Varsóvia, como por exemplo a Polónia, a República Checa, a Eslováquia e a Roménia, e também ex-repúblicas da União Soviética, como a Estónia, a Letónia e a Lituânia, que são dos Países Bálticos. E, gradualmente, a Federação Russa manifestou desconforto, desconfiança, e começou até a mostrar antagonismo à expansão da NATO para Leste, que se para nós significava a reunificação europeia, para a Rússia significava uma manobra imperialista do Ocidente, tirando partido da debilidade pós-soviética da nova Federação Russa. 

A Federação Russa estava contra o alargamento da Aliança Atlântica, e isso atingiu o auge quando em 2008 a Aliança Atlântica formalizou um convite, embora sem data marcada, para que também a Geórgia e a Ucrânia viessem a aderir à NATO. A Rússia de Putin entendeu que era o momento de usar a força: se, por via diplomática, os ocidentais não respeitavam os interesses da Rússia – e recordemos, para além do alargamento, por exemplo, a intervenção da NATO contra a Sérvia por causa do Kosovo, em 1999, que a Rússia sempre utilizou como “precedente” -, então a Rússia tinha de se se fazer ouvir e respeitar por via da força que logo nesse ano, em 2008, usou contra a Geórgia, e de onde resultou o reconhecimento russo de duas regiões separatistas como Estados independentes: a Ossétia do Sul e a Abecásia. E sinalizou logo que, na sua mira, poderia estar a questão da Crimeia. 

Que pertencia oficialmente à Ucrânia… 

E, efetivamente, quando nós, ocidentais, aprovámos a chamada Revolução de Maidan, em que no fundo, no final de 2013, início de 2014, apoiámos uma revolução popular ucraniana que conduziu à saída, quer do Governo desse país que tinha uma força bastante relevante pró-russa no Parlamento, quer do próprio Presidente Yanukovich, pró-russo, os russos interpretaram isso como uma espécie de golpe de Estado, de revolução colorida destinada mais uma vez a atentar mais uma vez contra os interesses da Rússia e a colocar a Ucrânia na órbita da influência imperialista ocidental, segundo a Rússia. 

O que a Rússia faz a seguir é utilizar os chamados pequenos homens verdes, que sem o símbolo russo na Crimeia operaram um verdadeiro golpe. Fecharam as fronteiras da Crimeia com o resto da Ucrânia, organizaram um referendo em que os russos da Crimeia pediram para se separar da Ucrânia e, formalmente, para integrar a Federação Russa. E a Rússia de Putin em março de 2014 assim o fez. Para além disso, instigou um conflito separatista também no Leste da Ucrânia, tirando partido de uma grande diáspora russa e de russófonos. 

Um conflito violento que perdurou até recentemente, e na sequência do qual os russos dizem que o Governo ucraniano, manietado pelo Ocidente e apoiando forças que eles chamam neonazis, atentando contra os direitos dos russos e até, na narrativa de Moscovo, provocou um genocídio russo no Leste da Ucrânia. Justificam assim aquilo que chamam de uma “operação militar especial”, o que na verdade é uma invasão russa do território ucraniano. 

E existem neonazis ou não? Falam muito do Batalhão de Azov… 

Existem. Nós temos na Ucrânia, pela primeira vez na representação parlamentar nas eleições legislativas em 2010, um grupo de extrema direita com muitos neonazis, que se fundiram no partido Svoboda, e que teve mais de 10%. Mas foi o auge, porque nas eleições seguintes foram sempre tendo menos, e até nas mais recentes, em 2019, tiveram apenas 2% dos votos, o que significa que nem representação parlamentar têm. 

A questão é que, para além desse partido político que congregou muitos dos grupos de indivíduos com tendências neonazis, nós temos outros grupos que foram surgindo. Um dos grupos que apareceram são milícias de voluntários que quando começou a guerra civil, em 2014 no Leste, se organizaram para enfrentar os separatistas russos, designadamente na área do Donbas e junto ao Mar de Azov, Mariupol em concreto. 

“O que faz a narrativa de Putin é confundir alguns indivíduos e pequenos grupos (…)” 

Essas milícias armadas resultam de grupos com indivíduos com claras tendências neonazis, designadamente o célebre Batalhão de Azov, que tinha sido criado por um indivíduo que tinha claras tendências nazis e que já tinha estado por detrás de outros grupos. Mas o que acontece é que a forma como este chamado Batalhão de Azov enfrentou os separatistas russos e conseguiu recuperar algum território para controlo ucraniano em 2014, incluindo Mariupol, fez com que fossem recompensados pelo então Presidente ucraniano, Poroshenko, e integrado este grupo na Guarda Nacional Ucraniana, em novembro de 2014. 

Portanto, nós passámos a ter na Guarda Nacional Ucraniana um grupo de, até aí, voluntários combatentes, em que há muitos indivíduos que manifestamente têm tendências neonazis. Até por símbolos, que agora enquanto grupo dizem não ser símbolos neonazis, mas fazem-nos lembrar a suástica e outros símbolos nazis. Eles assumem que há indivíduos que têm essas tendências, não enquanto ideologia de grupo. Trata-se de uma pequena parcela de um conjunto muito vasto, quer das forças armadas, quer das forças de segurança, quer obviamente do contingente político. O que faz a narrativa de Putin é confundir alguns indivíduos e pequenos grupos com a generalidade das Forças Armadas, das Forças de Segurança e dos governantes ucranianos, numa clara narrativa instrumentalizada.

Como é que analisa o atual Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que está a ser associado a este grupo? 

O Zelensky até é judeu e o avô foi morto num campo de concentração nazi. Agora, o que obviamente faz a Rússia é pegar naquilo que é o Batalhão de Azov, sabendo que nele e em outros grupos na Ucrânia há alguns indivíduos e grupos neonazis, para fazer a confusão total. Porque o que a Rússia procura é justificar aquilo que está a fazer na Ucrânia. Não assume que é uma invasão. 

“(…) a pretexto dessa violência de que os russos acusam os ucranianos neonazis de terem praticado contra os russos, a narrativa do Kremlin tenta justificar assim a sua intervenção na Ucrânia.” 

É evidente que houve actos muito violentos por parte do Batalhão de Azov e por outros grupos neonazis, como o Batalhão Donbass, que, de facto, sobretudo desde 2014, executaram a violência contra russos, contra a comunidade cigana e contra outras minorias na Ucrânia. A pretexto de verdadeiros crimes que foram sendo cometidos contra russos e outros, e da violência que aumentou desde 2014 – é preciso recordar que nessa guerra civil ucraniana, que a Rússia nunca assumiu, embora claramente tenha tido um envolvimento direto no apoio aos separatistas russos -, estamos a falar de 14 a 15 mil mortos. Portanto, houve bastante violência. 

E, a pretexto dessa violência de que os russos acusam os ucranianos neonazis de terem praticado contra os russos, a narrativa do Kremlin tenta justificar assim a sua intervenção na Ucrânia. 

Voltando a Zelensky… ele está a ser visto como o herói nacional, e até internacional. Considera isso um exagero, pensa que o Zelensky poderia ter feito algo de diferente para que Putin não tivesse invadido a Ucrânia? Começou a querer entrar para a NATO, ouviu promessas dos Estados Unidos… Ou pensa que, mais cedo ou mais tarde, esta invasão iria acontecer? 

Que é um herói é um certo exagero. Mas faz parte do contexto de guerra e de conflito em que estamos e, portanto, as narrativas de um lado e do outro procuram cultivar os seus heróis e vilões. Isso faz parte. Mas são duas questões diferentes… 

“O Zelensky já tinha, antes desta invasão russa, baixado consideravelmente no apoio popular que tinha dentro da Ucrânia.” 

O Zelensky já tinha, antes desta invasão russa, baixado consideravelmente no apoio popular que tinha dentro da Ucrânia. Ele tinha sido eleito com 79% dos votos e as últimas sondagens, ainda no início deste ano de 2022, davam-lhe 23% de apoio. Porquê? Porque ele foi inicialmente acusado de ter montado uma má equipa governativa, o partido Servo do Povo tinha tido muitos problemas internos, houve muita gente que saiu do próprio partido… tinha havido várias acusações de corrupção. E ele tinha traços de algum autoritarismo, até porque ilegalizou uma série de partidos. Fez, por exemplo, uma campanha de descomunização desde 2019. 

“Também é verdade que Zelensky nunca deixou de cultivar relações razoáveis com a Rússia.” 

Tudo isso, a par da degradação da situação económica do país, fez com que o Governo e o Presidente Zelensky deixassem de ter o apoio que tiveram outrora. Também é verdade que Zelensky nunca deixou de cultivar relações razoáveis com a Rússia. Nunca foi sempre totalmente antagonista da Rússia. Por exemplo, no período de 2017-2021, a Ucrânia foi o 14.º maior exportador de armas do mundo. O terceiro maior cliente do armamento ucraniano foi a Rússia, que agora utiliza esse armamento contra a Ucrânia.

A questão é que havia em grande parte dos Ucranianos uma mentalidade neutral e até relativamente amigável face à Rússia até esta invasão russa. Inclusivamente, havia partidos políticos claramente pró-russos no Parlamento que só recentemente foram suspensos.

Pelo Zelensky já depois da invasão… 

Sim. E no resto da Europa havia a crença de que Putin nunca iria usar a violência contra a Ucrânia e de que a interdependência económica, comercial e energética desmotivava o Kremlin para o conflito. Se nos recordarmos das próprias afirmações de Zelensky alguns dias antes da invasão [a 24 de fevereiro de 2022], ele próprio acalentava a esperança de que não iria haver invasão. 

“(…) é falsa a narrativa russa de que a Ucrânia representasse uma ameaça para a Rússia.” 

Muitos analistas na Europa, apesar de os Estado Unidos irem fazendo repetidamente o aviso de que a Rússia estava a preparar a invasão, não acreditavam que isso pudesse acontecer verdadeiramente. Estava a ser encarado como pressão da Rússia. 

Por outro lado, é falsa a narrativa russa de que a Ucrânia representasse uma ameaça para a Rússia. Porquê? Porque, apesar do convite feito em 2008, não havia nenhumas condições, nem para a Geórgia, nem para a Ucrânia, de entrarem na NATO. E muito menos a breve ou a médio prazo. 

Não haveria então essa possibilidade? 

Nada. E nem a Ucrânia tinha armamento suficiente, nem o Ocidente estava a dar armamento em grande quantidade à Ucrânia, para esta poder ser uma ameaça para a Rússia. Sabemos, obviamente, que para a Rússia nunca seria aceitável ter a Ucrânia tal e qual existia toda contra a Rússia e pró-ocidental. Mas, na realidade, se nós voltarmos a 2021 ou ao início de 2022, não havia nenhum dado que resultasse relevante que pudesse configurar uma ameaça suplementar para a Rússia, face ao que existia desde há uns anos atrás. 

Também é verdade que o Presidente Zelensky e os ucranianos nunca mostraram um grande empenho na implementação dos acordos de paz, de Minsk, de final de 2014, início de 2015. 

Portanto, de ambos os lados estavam a violar esse acordo? 

De ambos os lados estavam a violar esse acordo. Agora, não há justificação que acompanhe os argumentos que a Rússia invoca para a invasão, porque não houve nenhum dado especial novo que alterasse de 2020 ou de 2021 para o início de 2022. Aliás, a própria Rússia sempre negou que fosse invadir a Ucrânia. Sempre falou em exercícios militares que estava a fazer, chegou a dizer que era histeria ocidental anti-Rússia, todos nos lembramos dessas declarações. 

“A partir do momento em que há invasão, a Rússia provoca uma enorme coesão entre os ucranianos (…)” 

Depois dá aquele passo de reconhecer como Estados independentes as duas regiões separatistas da Ucrânia, à semelhança do que tinha feito em 2008 na Geórgia, e até se pensou que se calhar não iria mesmo haver invasão… a Rússia sempre negou e continua a negar, porque não diz que está a invadir e sim a fazer uma missão militar especial, quando obviamente o resultado é guerra. 

A partir do momento em que há invasão, a Rússia provoca uma enorme coesão entre os ucranianos, que têm uma orientação mais pró-ocidental, e os outros que eram mais neutrais, porque se sentem invadidos. 

E o Zelensky conseguiu maior apoio popular… 

O Zelensky torna-se o rosto externo, sobretudo, mas também interno, dessa resistência ucraniana. Ainda por cima com o facto de no início da invasão, quando nos lembramos do cerco de Kiev, os americanos e britânicos terem sugerido a Zelensky que saísse porque havia uma caça à sua cabeça e à da sua família para o matarem, ele agradeceu a boleia, mas disse que preferia ficar em Kiev, correndo risco de vida, para liderar a resistência contra o invasor russo. 

Tudo isto, a par da grande visibilidade que ele ganhou no plano internacional, dos discursos que ele vai fazendo, dos apelos sucessivos… frequentemente vemos que ele está muito desgastado, com o país a ser destruído e com centenas e centenas de mortos… e isso obviamente deu-lhe uma certa auréola de herói, com que a narrativa anti-Rússia tenta também usar contra a Rússia e a favor dos ucranianos. 

E o que pensa sobre o Presidente norte-americano, Biden? Ele está a perder a popularidade. Toda a gente achava que o seu antecessor, Trump, iria provocar alguma guerra, mas Biden tem instalado a confusão… 

Mas a popularidade que ele vai perdendo, e até recuperou alguma nas últimas semanas, não é por causa da guerra na Ucrânia… 

Foi principalmente a situação do Afeganistão, mas… 

É o Afeganistão, a forma como saiu do Afeganistão, e é a situação económica que teima em não dar melhoria significativa. A inflação nos Estados Unidos já era elevada antes da invasão da Ucrânia, está muito mais elevada do que na Europa. Mas nos Estados Unidos temos uma situação completamente polarizada. Os democratas e republicanos continuam muito divididos. E temos uma situação insólita… temos pela primeira vez um líder da oposição. 

“Acho que Biden tem liderado bem a comunidade internacional na resposta à invasão russa.” 

Porque normalmente, se nos recordarmos, depois das eleições presidenciais há um Presidente e um Vice-Presidente que vencem e depois os outros que perdem. E, do ponto de vista da Casa Branca, não há uma oposição. A luta política é no Congresso, nas duas câmaras no Congresso. Mas desde a derrota nas eleições presidenciais de novembro de 2020, Trump tem estado permanentemente na oposição a preparar, com a pré-candidatura que já anunciou, para se recandidatar de novo. O que também cria problemas aos republicanos. 

Acho que Biden tem liderado bem a comunidade internacional na resposta à invasão russa. 

Mas há pessoas que o veem como se tivesse feito uma faísca nesta guerra na Ucrânia, ao convidar a Ucrânia para a NATO. E está agora a beneficiar da exportação de armamento para lá… não vê dessa forma? 

Só assim não. Porque o convite até foi feito por um Presidente republicano. Quem fez o convite em 2008 foi o Presidente George W. Bush, que é republicano, não é democrata. Obama não fechou o convite, manteve, mas na verdade não meteu nem a Ucrânia nem a Geórgia na Aliança Atlântica. Em 2008 quando foi feito o convite só não foi marcada uma data e um processo mais acelerado porque vários países europeus entenderam que era demasiado arriscado fazê-lo, por ser uma afronta maior para a Rússia e poderia degenerar noutras consequências. 

Ou seja, não é só o Biden nem são só os democratas. Este processo na visão americana de incluir países como a Ucrânia e a Geórgia na Aliança Atlântica já vem de longe, desde 2008, e passa tanto pelas administrações republicanas como democratas. A diferença é que Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos com interferência comprovada da Rússia nas eleições presidenciais de 2016, sobretudo para castigar Hillary Clinton e os democratas, que tinham tido sempre uma postura bastante crítica de direitos humanos e de democracia, e feito uma série de atividades contra a Rússia. 

Houve assim uma vingança e uma vitória russa ao conseguirem que Trump tenha sido eleito, porque ele era, como já se sabia, altamente corrosivo e divisionista. 

E os russos chegaram a comentar recentemente na televisão o desejo de terem o Trump de volta… 

Porque obviamente com Trump a Rússia tentava alcançar os seus objetivos, perante a complacência do Presidente Trump na Casa Branca, que ainda por cima tinha uma grande admiração por Putin. Nós recordamos, por exemplo, que todas as agências de inteligência e de investigação nos Estados Unidos disseram que houve interferência russa, e que essa interferência não era só de hackers russos. Tinha sido orquestrada pelo Kremlin, por Putin. 

“(…) Vladimir Putin iria tentar alcançar os seus objetivos por outra via, contando com a complacência de Washington e da Presidência de Trump.” 

E Trump, no primeiro encontro que teve com Putin, quando lhe foi perguntado “Então mas encontra-se com Putin e as agências americanas dizem isto… em quem confia?”, no fundo acabou por dizer que não confiava nas agências norte-americanas porque confiava na palavra de Putin, que disse que não tinha nada a ver com aquilo. Ou seja, nunca saberemos o que teria acontecido, inclusivamente na Ucrânia, se Trump tivesse sido reeleito. O que podemos presumir, à luz do que foram os quatro anos anteriores, é que Vladimir Putin iria tentar alcançar os seus objetivos por outra via, contando com a complacência de Washington e da Presidência de Trump. 

“Se calhar se ele [Trump] tivesse sido reeleito teríamos começado a discutir o fim da NATO.” 

Até porque, não nos esqueçamos, a própria NATO estava pelas ruas da amargura com Donald Trump. Se calhar se ele tivesse sido reeleito teríamos começado a discutir o fim da NATO. E se a NATO desaparecesse, a questão do alargamento à Ucrânia ou à Geórgia pura e simplesmente desaparecia. Esse é o mérito de Biden. Não só tem conseguido congregar coesão na Aliança Atlântica, liderar o Ocidente na resposta, nas sanções e no apoio à Ucrânia, inclusivamente por via do armamento… traçando aquela linha vermelha que foi “Nós, NATO, não vamos intervir na Ucrânia, mas vamos responder se um centímetro dos países membros da NATO for violado”. 

O sinal é claro e Biden é, aparentemente, credível nisto. Agora, nós estamos ainda, neste momento em que conversamos, numa fase de escalada. Quer o Ocidente, quer a Rússia, estão ainda a escalar. 

A Ucrânia é vista como representante do Ocidente, dos Estados Unidos da América, neste confronto contra a Rússia? 

Essa é a nossa narrativa, em parte verdade, de que a Ucrânia está a lutar pela liberdade, pela democracia, a opor-se a um regime autocrático, que pela violência, agressão, invadiu para pôr fim à soberania plena de uma Ucrânia. Mas, na realidade, temos aqui objetivos vários do lado ocidental. Por um lado, é apoiar a Ucrânia perante o agressor, mas há mais do que isso. 

O secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, disse recentemente que o objetivo era desgastar militarmente a Rússia. Não é só salvar a Ucrânia e apoiar os ucranianos. É desgastar militarmente a Rússia, criar-lhe um pântano que provoque muitos mortos entre soldados russos e um desgaste muito grande no material e equipamento militar russo, de forma a que, eventualmente, como alguns sonham, por exemplo os polacos, se possa mais tarde beneficiar de uma força de manutenção de paz ocidental. 

“O sinal político que o Ocidente pretende dar à Rússia é de que não escapa impune (…)” 

Outros ainda sonham mais longe, que é provocar o arrastamento do conflito durante tanto tempo, com uma situação económica, social e política a degradar-se na Rússia, que provoque uma mudança de regime. A retirada de Putin ou até uma tentativa de golpe de Estado. Há objetivos ocidentais para lá da Ucrânia, porque, no fundo, quase todos acreditam que a Rússia não pode ter uma grande vitória na Ucrânia. Não pode ficar convencida de que pode fazer impunemente agressões e invasões de outros países, porque se já o fez na Geórgia, se já anexou a Crimeia, se já instigou o conflito no Leste da Ucrânia, se invade o país… isto tem que parar. O sinal político que o Ocidente pretende dar à Rússia é de que não escapa impune, tem imensos custos e que isso não lhe compensa esse tipo de postura. 

Mas isto é um jogo de ação, reação. Nós também sabemos que Putin não pode perder a face na Ucrânia. Ele vai ter que conseguir justificar internamente, e para muitos dos seus parceiros e aliados externamente, que obteve alguma coisa com esta campanha na Ucrânia. Mesmo que não seja tudo o que pretendia no início, vai ter de ter algo… 

Ele não vai querer sair perdedor… 

Não. E isso coloca-nos num momento muito perigoso. É evidente que a Rússia não olha para o número de baixas dos seus soldados e baixas entre a população civil e destruição na Ucrânia pelo mesmo prisma que nós. Mas se, no limite, estiver com muitas dificuldades no plano militar, nós obviamente temos que assumir a possibilidade de ele usar outro tipo de armamento. Porque a Rússia está longe de usar na Ucrânia todas as capacidades militares que tem. 

O que está a travar o Putin? À partida, quem olha para a Rússia e para a Ucrânia pensa que em poucos dias a Rússia tem a situação resolvida… 

Em poucos dias nunca seria possível. O que seria possível, e a Rússia tentou inicialmente, foi colocar uma pressão militar de tal forma que levasse ou o Governo e o Presidente ucraniano a saírem da Ucrânia, exilavam-se, e a Rússia colocava em Kiev um Governo fantoche, pró-russo naturalmente, ou então que o próprio Governo e o Presidente Zelensky se não saíssem, assinassem um acordo de paz com a Rússia, perante as exigências russas. 

“Quanto tempo demorará a conseguir os seus objetivos e quais é que são os reais objetivos do plano militar que acompanha os objetivos políticos de Putin, ao certo ninguém sabe.” 

Isso foi o que a Rússia tentou fazer de início, porque antes da invasão a Ucrânia tinha mais soldados do que a Rússia os tinha nas fronteiras com a Ucrânia, o que tornava muito difícil a sua ocupação territorial. Agora, esta guerra à distância, com bombardeamentos, mísseis, fustigando a cidade, promovendo cercos… isso já é outro tipo de estratégia que a Rússia tenta aplicar. 

“Não sabemos até onde a Rússia está disposta a ir para alcançar esses objetivos na Ucrânia.” 

Quanto tempo demorará a conseguir os seus objetivos e quais é que são os reais objetivos do plano militar que acompanha os objetivos políticos de Putin, ao certo ninguém sabe. E, portanto, também não sabemos qual é o ponto mínimo, digamos, de satisfação política para Putin que lhe permita dizer que alcançou o que pretendia na Ucrânia e lhe permita seriamente negociar o cessar-fogo geral ou até alguma paz. Não sabemos até onde a Rússia está disposta a ir para alcançar esses objetivos na Ucrânia. 

Não sabemos se é só Ucrânia ou se pretende chegar à Transnístria, e, portanto, Moldova. Ou para um país neutral, ou um país da NATO… Quanto tempo durará o conflito depende da dinâmica de escalada. E agora os ucranianos começam a atingir alguns alvos em território russo. 

Isto é especulativo, mas como pensa que a Ucrânia vai ficar no final deste conflito? Vai conseguir recuperar o território agora perdido, ou vai haver uma grande divisão territorial porque a Rússia não vai querer deixar as zonas conquistadas? 

Estamos sempre a falar de cenários e num contexto onde verdadeiramente tudo é possível. Estou convencido, no entanto, de que não é possível um “status quo ante” [ficar tudo como era antes], quer dentro da Ucrânia, quer nas relações da Ucrânia com a Rússia, quer da Rússia com o Ocidente. Esta invasão russa altera drasticamente. 

“Várias vezes o Presidente Putin falou numa espécie de ‘Nova Rússia’ 2.0, o que deixará a parte ocidental da Ucrânia numa situação completamente diferente daquela que nós conhecíamos antes.” 

O que, do meu ponto de vista, pode acabar por resultar com maior probabilidade, é uma Ucrânia dividida em duas partes. E isso vai de encontro àquilo que é a minha perceção de que poderá ser o objetivo russo no plano militar e político. Uma parte Leste e Sul sob controlo russo, que corresponde mais ou menos àquilo que foi a  “Nova Rússia” (Novorussyia) do Império russo no final do século XVIII, início do século XX. Várias vezes o Presidente Putin falou numa espécie de “Nova Rússia” 2.0, o que deixará a parte ocidental da Ucrânia numa situação completamente diferente daquela que nós conhecíamos antes. E com a possibilidade até de essa Ucrânia ocidental ficar sem acesso ao mar. 

“O que não temos a certeza é sobre o objetivo político de Putin.” 

Porque se os russos conseguirem a “Nova Rússia”, não é só o controlo da área ucraniana que dá para o Mar de Azov, é também da área que dá para o Mar Negro, designadamente Odessa e toda aquela parte. O que não temos a certeza é sobre o objetivo político de Putin. É só Donbas e tudo o resto serve como mecanismo de pressão, e aí deixa uma parte Sul de acesso ucraniano ao Mar Negro, ou é também isso? Eu acho que é também isso. Se o vai conseguir ou não já é outra coisa, porque uma coisa é querer, outra é poder. 

Eu acho que esse é o objetivo. Vamos passar a ter uma Ucrânia ocidental, porventura até vindo a integrar a União Europeia e com laços muito mais fortes com uma série de países ocidentais e com a NATO, e uma Ucrânia oriental pró-russa, que ou será formalmente integrada na Federação Russa, embora ninguém o reconheça, ou fica como Estado satélite da Federação Russa. 

E isso travaria a escalada para uma guerra mundial? 

Pode permitir uma espécie de cessar-fogo temporariamente, mas não é uma situação que alguém queira perpetuar para sempre. Os ucranianos vão sempre querer recuperar o território que agora perdem, uma parte dos russos vão sempre querer controlar o resto da Ucrânia, essa Ucrânia ocidental… é uma situação que temos sempre de assumir como temporária. O desfecho para o cessar-fogo agora pode criar condições para um novo conflito no futuro. 

Como vê as sanções da União Europeia, da NATO? Pensa que estão realmente a prejudicar bastante a Rússia ou vão acabar por prejudicar mais os países europeus? 

Isso já sabíamos. Numa economia globalizada e economias tão interdependentes, quando há sanções económicas há sempre efeitos negativos dos dois lados. Se nós, União Europeia, eramos de longe o maior parceiro comercial da Federação Russa e se a Federação Russa era em 2021 o nosso quinto maior parceiro comercial, se é o grande fornecedor de energia… não há forma de as sanções não terem efeito de um lado e do outro. 

“(…) uma das coisas com que provavelmente os russos contavam era com a habitual falta de coesão dos países europeus (…)” 

Mas, por um lado, é bastante positivo que a União Europeia tenha sido coesa até agora. Porque uma das coisas com que provavelmente os russos contavam era com a habitual falta de coesão dos países europeus, já que uns dependem muito da Rússia do ponto de vista energético e outros não dependem nada ou quase nada. Uns têm uma leitura mais positiva e bom relacionamento com a Rússia, outros mais equidistantes ou bastantes antagónicos. A Rússia contava com a falta de coesão entre os países europeus e a União Europeia, e a NATO, têm demostrado uma grande coesão para lá daquilo que nós e o Kremlin esperaríamos. 

“Nunca houve nenhum país com tantas sanções como a Rússia está a sofrer neste momento.” 

Por outro lado, é evidente que a Rússia está a sofrer sanções. É, neste momento, o país mais sancionado do mundo. Nunca houve nenhum país com tantas sanções como a Rússia está a sofrer neste momento. E economicamente está e vai ter ainda maiores consequências negativas destas sanções. É por isso que a Rússia já começou a dizer nas negociações de paz e de cessar-fogo que quer o levantamento das sanções. É porque os danos estão a ser sentidos. Por alguma razão começou a exigir que o gás seja pago em rublos. 

O tempo agora vai dizer quem é mais resiliente. Tradicionalmente, os regimes autocráticos resistem melhor à degradação da situação económica por via de sanções do que as democracias. Putin conta que esse desgaste económico resultante das sanções se vire contra os próprios ocidentais. Por outro lado, é preciso ver que existem ainda outras sanções que a União Europeia pode aplicar e que têm efeitos muito mais gravosos no plano económico contra a Rússia, mas que têm também efeitos muito mais gravosos contra nós. Estou a referir-me designadamente a sanções às importações de petróleo e de gás natural, que até agora não foram aplicadas. Já foi anunciada a do carvão, mas só será aplicada em agosto. 

“O objetivo das sanções não é só punir os dirigentes russos. É levar a uma mudança de comportamento de Moscovo.” 

O objetivo das sanções não é só punir os dirigentes russos. É levar a uma mudança de comportamento de Moscovo. E eu tenho, honestamente, bastantes dúvidas, por mais graves que sejam as sanções e as consequências económicas na Rússia, que Putin mude o seu comportamento. Até porque, como sabemos, vai procurando atenuar esses efeitos económicos em conluio com outros países… 

Com a China… 

A começar pela China, evidentemente. 

A China vai ser uma fortaleza para que Putin continue? Já assinou um contrato durante 30 anos para exportar o gás russo… 

As relações melhoraram substancialmente desde 2014. No final de 2019 começou a ser fornecido diretamente o gás do território russo à China. Isso já tinha sido anunciado antes, mas ainda recentemente a China anunciou que nos primeiros três meses de 2022 o comércio bilateral China-Rússia aumentou 30%. E há dois dias o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Lavrov, anunciou que espera que, até 2025, o comércio bilateral entre a Rússia e a China passe para os 200 mil milhões de dólares, o que significa que em apenas quatro anos passa de 120 mil milhões para 200 mil milhões. 

“A China é essa grande alternativa.” 

A Rússia espera, obviamente, que a China seja o grande amparo para as consequências económicas que o Ocidente lhe está a aplicar. E, não só minimize, como até torne a Rússia menos dependente do comércio e da energia que vendia sobretudo para a União Europeia. A China é essa grande alternativa. Mas, uma vez mais, a questão é saber se as nossas sanções vão levar à mudança de comportamento de Moscovo. Eu creio que não, mas há uma mudança que tem a ver com a China. 

Inevitavelmente, a relação também da China com a Rússia vai alterar-se. E a Rússia vai ficar mais dependente da China. Mesmo que consiga resistir razoavelmente às sanções ocidentais, a Rússia vai ficar mais dependente da China do que estava anteriormente. Vai ser uma espécie de país tributário da China. A capacidade de influência chinesa sobre os destinos da Rússia vai aumentando, embora neste contexto a Rússia prefira essa articulação estratégica com a China para minimizar os danos resultantes das sanções impostas pelo Ocidente. Mas a sua própria relação com a China vai alterar-se e, no longo prazo, não quer dizer que seja totalmente favorável aos interesses russos. 

Considera então que esta ligação entre a Rússia e a China vai conseguir aguentar o regime do Putin? 

Eu creio que sim. 

Ou seja, as sanções ocidentais dificilmente serão a solução? 

Não podemos deixar de sancionar. A dúvida é sempre se as sanções, para além do significado político de punir o comportamento, têm capacidade para alterar aquilo que nós gostávamos, que é alterar o comportamento do regime. Agora nós temos a Coreia do Norte que anda a ser sancionada há muito tempo… alguma vez mudou o seu comportamento? O Irão, quantas vezes e quantas sanções foi sofrendo? 

“(…) tenho dúvidas de que as sanções, por si, sejam suficientes parar alterar o comportamento de Moscovo.” 

A minha dúvida é saber, se por mais graves que sejam as sanções ocidentais, e inclusivamente até ao ponto de os países europeus deixarem de importar petróleo e gás, porque isso sim tem um efeito direto e muito maior no orçamento russo, se isso é suficiente para alterar o comportamento do Kremlin, de Putin. Eu creio que não. Pela própria característica de Putin e do regime. Numa democracia certamente que sim, mas nesse caso tenho dúvidas de que as sanções, por si, sejam suficientes parar alterar o comportamento de Moscovo. 

Podem é, e esse é o nosso objetivo, colocar uma pressão tal que faça com que Putin, em vez de continuar nesta escalada e a utilizar a força para alcançar os objetivos, pare em algum momento e se satisfaça com objetivos mínimos, que sejam até relativamente aceitáveis para nós, em vez de tentar alcançar os objetivos máximos quer na Ucrânia, quer para lá da Ucrânia. 

Como tem visto o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) neste conflito na Ucrânia? 

Devo dizer que, apesar dos muitos constrangimentos que vemos nas Nações Unidas, e nós já o vimos em muitas outras situações de conflito, até me surpreende pela positiva o papel da ONU. É evidente quando há um interesse prioritário vital e um conflito ou uma guerra que envolve um dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, as Nações Unidas ficam sempre manietadas. Foi sempre assim, se nos lembrarmos da guerra no Iraque ou na do Kosovo. Sempre que há um envolvimento direto, uma parte diretamente envolvida, que membro permanente do Conselho de Segurança da Nações Unidas e, portanto, dispões de direito de veto, nunca vai ser aprovada uma Resolução pelo Conselho de Segurança, nunca vai ser aprovada uma Resolução por um membro permanente contra si próprio. Isso faz parte do funcionamento das Nações Unidas desde a sua criação, em 1945.

Mas porque é que eu digo que, apesar de tudo, as Nações Unidas até me têm surpreendido pela positiva? Porque, embora exista esse bloqueio no Conselho de Segurança por causa do veto russo, e mesmo com uma China que se abstém, e até os membros não permanentes como a Índia que também se abstêm, foi possível passar para a Assembleia Geral das Nações Unidas algumas resoluções. Não têm grande impacto, não são vinculativas, mas quer dizer… quando em março temos uma resolução em que de 193 países, 140 condenam a invasão da Rússia e pedem para uma retirada imediata, isto no plano da mensagem política é muito importante. 

Depois tivemos também na Assembleia Geral das Nações Unidas aquela resolução a pedir a suspensão da Rússia no Conselho de Direitos Humanos. Obviamente já foram menos países que apoiaram essa resolução, até foram menos de 100. E houve mais países que se abstiveram e mais países que votaram pelos russos. Mas mesmo assim, quase 100 países a votarem em mais uma resolução que no fundo vai contra a Rússia é bastante positivo. 

Para além do papel que o Secretário-Geral das Nações Unidas [António Guterres] agora resolveu ter. Porque no início criticou, até de uma forma pouco habitual para um Secretário-Geral das Nações Unidas, a Rússia e a sua invasão à Ucrânia. Depois apagou-se e foi muito criticado pelo quase silêncio. E agora, finalmente, conseguiu ir a Moscovo e foi a Kiev. 

Qual foi o aviso do Putin quando mandou um míssil para Kiev na altura em que António Guterres se encontrava lá? 

Isso é uma prova de força, de desrespeito pelas Nações Unidas e pelo próprio Secretário-Geral. 

Parece que, tendo em conta esse acto, não valeu a pena as conversações em Moscovo entre Guterres e Putin…? 

Os russos não assumem que aquele bombardeamento que ocorreu em Kiev quando o Secretário-Geral das Nações Unidas lá estava tenha havido com ele, porque já bombardearam a zona noutros dias e outras localidades. Agora, fazerem esse bombardeamento no contexto em que o Secretário-Geral das Nações Unidas tem a visita oficial, na sequência de uma conferência de imprensa com o Presidente Zelensky, nós não podemos desligar uma coisa da outra. 

Há aqui uma prova de força, uma prova de desrespeito pela figura do Secretário-Geral e até pelas Nações Unidas, porque o Secretário-Geral é o símbolo maior da comunidade internacional, que são as Nações Unidas. 

Essa ação vai ter consequências nas negociações? 

Creio que não. Mas, apesar de tudo, o Secretário-Geral conseguiu alguma vitória. Nós estamos a ver finalmente a evacuação de civis em Mariupol. Quando António Guterres esteve na Rússia, perante a imprensa russa e internacional, não hesitou em utilizar a palavra “invasão”. Não hesitou em dizer que estão a ser cometidos crimes de guerra contra a humanidade, que devem ser investigados e os seus responsáveis responsabilizados. 

“(…) António Guterres conseguiu introduzir aqui um mecanismo de visibilidade pública do drama que os civis estavam a viver em Mariupol.” 

António Guterres emocionou-se a visitar aquelas localidades próximas de Kiev, perante as atrocidades que foram cometidas alegadamente pelos russos, mas, sobretudo, António Guterres conseguiu introduzir aqui um mecanismo de visibilidade pública do drama que os civis estavam a viver em Mariupol. E ele próprio, na quinta-feira [28 de abril] em Kiev disse que estavam a decorrer negociações para a evacuação da siderúrgica Azovstal, em Mariupol. 

“São as Nações Unidas a terem finalmente um papel claramente humanitário, não podem ter muito mais neste momento na Ucrânia (…)” 

Os russos negaram, até de uma forma um pouco irritada o ministro russo dos Negócios Estrangeiros disse que não precisavam das Nações Unidas nem de ninguém para corredores humanitários, mas a realidade é que nós começámos, entretanto, a ver civis a serem finalmente evacuados da siderúrgica. E quer queiramos, quer não, mesmo que os russos não o queiram conceder, isto é uma vitória do próprio Secretário-Geral. 

São as Nações Unidas a terem finalmente um papel claramente humanitário, não podem ter muito mais neste momento na Ucrânia, e feito um acordo do lado ucraniano e do lado russo. Estão a fazer alguma coisa de visível, a conseguir resultados e favorece a imagem da organização.

Cátia Tocha

2 Comments

  1. Eng. Sumbo NHANHA

    A verdade é uma:este é início.Tudo q o mundo está começar a viver é fruto da pré-potência e arrogância do ocidente. Se julga mais importante,menosprezando até os territórios africanos q lhes oferece matéria prima para o desenvolvimento dos seus países. Passam vida a ipnotizar os ditos presidentes africanos q não passam mais do q sobas no poder para lhes servir,ao envés de servir os povos deles. A Rússia já começou a namorar o Mali;se o Mali conseguir derrubar os terroristas um outro país poderá aceitar as propostas da Rússia. Portugal violou os tratados de protetor q tinha assinado com os reis d Cabinda, anexando assim Cabinda em Angola.Hoje Cabinda anda
    abandonado até pela própria Comunidade Internacional por causa do petróleo.Agora falam da vossa dependência do gás russo. Hoje se vocês ouvirem q Cabinda está sendo ajudado(Território) pela Rússia seria o único pretexto q vão considerar negativo. O próprio Portugal esqueceu-se de q defendendo libertadade dos Cabindas estaria a beneficiar melhor do q viver da corrupção dos angolanos…
    Conclusão:A Concorrência é a mãe do Desenvolvimento. É melhor ressucitar um bloco ideológico q se opõe a um outro Bloco para se evitar o menosprezo.
    Entretanto,eu condeno o método q a Rússia está aplicar para se fazer valer no Mundo muito embora q a Ucrânia tinha vindo também em Cabinda,nos anos 1976,77,78,79 e início dos anos 80 ajudar o MPLA dezimar o povo d Cabinda.

  2. Roberto

    Excelente artigo. Venham mais assim.

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