Entrevista a Fernando Cruz Gonçalves sobre os impactos dos ataques dos Houthis no Mar Vermelho – Parte I

A E-Global entrevistou Fernando Cruz Gonçalves, Especialista em Economia Marítima-Portuária, no sentido de entender a problemática que decorre dos ataques dos Houthis no Mar Vermelho, que aumentaram de intensidade desde novembro de 2023, e que impactam de forma significativa o comércio internacional.

Face a estes ataques, a maioria dos operadores marítimos está a operar a partir da rota do Cabo, mas há quem tenha procurado soluções alternativas, é o caso da França que “tem tido alguns dos seus navios da CMA-CGM a fazer a rota do Suez, mas com escolta armada, embora não haja a garantia de não haver problemas, tinha sido até agora eficaz”, refere o especialista, Fernando Cruz Gonçalves. Infelizmente, até nestes casos, ataques recentes, determinaram a decisão da CMA-CGM em oficialmente também optar pela rota do Cabo.

A Coligação internacional, encabeçada pelos EUA e Reino Unido, está a responder a esta violência com ataques a alvos Houthi, no Iemén, no entanto, por parte da União Europeia, “a resposta não sido clara”, refere Cruz Gonçalves. O especialista salienta, no entanto, que “recentemente tem havido reuniões e (a UE) aparenta estar a adotar uma postura mais proactiva, pretendendo enviar mais navios para a região, onde já lá estão alguns. Relativamente a Portugal, não havendo a presença de meios navais, será uma presença simbólica como realçou o Ministro João Cravinho”.

O término desta conflitualidade no Mar Vermelho é uma questão que se mantém em aberto, pois “o que parecia ser apenas um problema local, associado ao transporte marítimo, com a propagação do conflito, ganha uma dimensão global e começa a propagar-se a muitos outros países. Só a China pode parar esta situação, via esforços diplomáticos sobre o Irão, ou os EUA pela força militar”, refere o especialista.

Coordenador da licenciatura em Gestão Portuária

Escola Superior Náutica Infante D. Henrique

A China tem um papel dual nesta situação, por um lado “em termos económicos a China perde competitividade quando as taxas de frete estão muito elevadas e acaba por ser neste caso a economia mais penalizada. As taxas de frete, que derivam do ajustamento da oferta e da procura, são mais elevadas no sentido Ásia-EUA e Ásia-Europa, do que no sentido inverso. Quando estas estão elevadas, penalizam-se as exportações chinesas, ou seja, a competitividades dos produtos chineses. Esta situação no Mar vermelho leva a um aumento da distância, mas os navios são os mesmos, havendo, portanto uma redução significativa da oferta. No entanto, a procura não tem aumentado, pelo menos de forma significativa, assim o aumento das taxas de frete diz apenas respeito à retracção ao nivel da oferta”.  No entanto, é de realçar que “apesar das taxas de frete terem subido, e em alguns casos bastante dependendo das rotas, não estamos com níveis equiparados aos do período da pandemia”.

Por outro lado, a China tem a necessidade de fazer prevalecer a sua importância estratégica e pode agir como mediador do conflito, dadas as suas fortes ligações com o Irão, já “que 90% do petróleo iraniano é importado pela China, o que demonstra a importância que a China tem sobre o Irão”, explica Fernando Cruz Gonçalves.

Para além da questão do custo, importa também abordar a questão da sincronização das cadeias de abastecimento. De acordo com Fernando Cruz Gonçalves, “anteriormente, os modelos logísticos assentavam muito em elevados níveis de stocks (para dar resposta à variabilidade da procura), mas percebeu-se que os custos associados à posse das mercadorias eram muito significativos, em termos empresariais começamos a adoptar modelos de sincronização das cadeias logísticas, ou seja, muito assente na redução do nível de stocks de forma a evitar que a mercadoria estivesse parada e deprecia-se em termos financeiros. É um modelo que funciona muito bem até que haja factores externos que causem alterações no padrão do sistema que acabem por afectar o dia-a-dia das pessoas – a indústria automóvel é o expoente máximo destes modelos de sincronização (chamados just in time). São modelos sensíveis a disrupções, e temos agora mais exemplos com os casos da Tesla e da Volvo. Assim, secalhar, temos de passar de modelos Just In Time para Just in Case”.

Face a esta questão, o especialista refere ainda que “pode haver necessidade de uma reflexão sobre se é necessário aumentar os niveis de stock para evitar que situações destas comprometam a economia. Mais importante que a questão do aumento das taxas de frete é a questão da disrupção da cadeia de abastecimento e os custos associados a esta disrupção que são significativos e a sua valorização monetária é mais complicada”.

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