O e-Global entrevistou o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, e um dos temas abordados foi o do recente ataque em Moscovo, ocorrido a 22 de março.
e-Global: Qual o balanço que faz sobre a guerra na Ucrânia, principalmente sobre os acontecimentos mais recentes?
Pavlo Sadokha: Em geral, estamos numa situação muito mais complicada do que no início [a 24 de fevereiro de 2022]. No primeiro ano após a invasão brutal da Rússia, as tropas ucranianas conseguiram libertar a maior parte dos seus territórios ocupados pelos russos. Todo o mundo descobriu as brutalidades e actos de genocídio contra ucranianos por parte dos soldados russos.
“Sem continuar a receber apoio estrangeiro, a Ucrânia ficará numa situação muito complicada.”
Mas, agora, a Ucrânia não conseguiu receber o armamento e apoio militar necessários para continuar avanços. Isso levou à situação atual, que é de impasse. Nem as tropas ucranianas e nem as russas conseguem prosseguir. Sem continuar a receber apoio estrangeiro, a Ucrânia ficará numa situação muito complicada.
No entanto, no início deste ano, uma sondagem feita pelo Instituto Internacional de Assuntos Sociais de Kiev mostrou que mais de 80% dos ucranianos continuavam a acreditar que a Ucrânia vai vencer a guerra.
E, no seu caso, continua otimista ou estava mais no início da guerra? Como se sente em relação aos últimos desenvolvimentos?
Eu, e acho que a maioria da comunidade ucraniana em Portugal, continuamos a acreditar que os ucranianos vão conseguir vencer esta guerra.
Acredita que será uma guerra mais longa?
Eu não acredito muito que esta guerra possa terminar através da vitória do exército ucraniano, ainda mais por a situação agravar com o caso dos Estados Unidos da América [a nível de ajuda]. A Europa tem ajudado mais a Ucrânia.
“O poder de mobilização e militar da Rússia está muito superior ao da Ucrânia, isso é evidente.”
Mas é difícil que o exército ucraniano possa continuar… embora os ucranianos tenham começado a usar mais drones, como drones marítimos, e já conseguiram afundar quase todo o exército marítimo da Rússia. Mas é difícil. O poder de mobilização e militar da Rússia está muito superior ao da Ucrânia, isso é evidente.
“(…) acredito que a própria Rússia vai desintegrar-se.”
No entanto, eu, pessoalmente, sabendo a situação dentro da Rússia, geopolítica, acredito que a própria Rússia vai desintegrar-se. Tendo em conta os últimos acontecimentos, como o assassinato do opositor Navalny, mostram que é possível que a Rússia possa ter alguns problemas internos que levem à sua desintegração. Ou, pelo menos, haja lá uma revolução que possa parar a guerra.
Falando sobre outro acontecimento ainda mais recente, gostaria que comentasse o atentado que ocorreu em Moscovo (a 22 de março), tendo Putin (Presidente da Rússia) acabado por relacioná-lo com o Ocidente, a Ucrânia… O que pensa sobre isso?
Essas declarações de Putin não surpreendem ninguém, acho. E parece-me que este acto [atentado] foi ignorado pelo Governo russo, uma vez que a Federação Russa foi avisada pela Embaixada dos Estados Unidos da América, pela de Portugal também, de Inglaterra…
E, na Rússia, se uma idosa sair na rua com um cartaz sobre parar a guerra, logo aparecem dezenas de guardas, milícias, e apanham-na. Agora num evento com 6.000 pessoas não foi assegurado que terroristas não entrassem na sala de concertos após uma hora de demora, tendo os terroristas também conseguido facilmente sair.
Acredita então que foi um trabalho interno (“false flag”) ou terá sido o Estado Islâmico, como o mesmo reivindicou?
Eu não sei dizer com certeza, sem factos. Mas acredito mais no cenário de trabalho interno, porque isso já aconteceu na Rússia. O próprio Putin chegou ao poder depois de ter havido explosões em prédios na Rússia [em 1999], e isso é um facto que já foi confirmado por vários opositores e até por um espião russo, Alexander Litvinenko, que foi assassinado pelo Putin. Embora possa também haver outros cenários…
O Estado Islâmico acabou por reivindicar o ataque…
Sim, mas isso não quer dizer nada, porque podiam ser usados, comprados. Ainda na União Soviética conheciam-se aqueles que trabalhavam com muitos grupos terroristas no mundo, até o próprio Putin, está escrito na história dele. Teve contactos ainda como espião na Alemanha do Leste, soviética. Trabalhava com uma organização ligada a grupos terroristas islâmicos, por isso…
“Acredito que este foi um acto interno (…)”
Acredito que este foi um acto interno e ainda vamos ver como vai ser usado. Por exemplo, agora existem dois cenários. Putin quer aproveitar isto outra vez para aprovar a pena de morte, e depois também para mobilizar os russos na guerra contra a Ucrânia, o que já começou a fazer nas primeiras declarações.
Em relação à Associação dos Ucranianos em Portugal, pode dizer-me qual tem sido o trabalho da mesma ao longo destes dois anos de guerra?
Logo no início, no primeiro meio ano ou até um ano, nós trabalhámos no acolhimento dos refugiados da Ucrânia. Mas eu acho que esse trabalho foi muito bem feito em Portugal.
Neste momento temos alguns pedidos, mas normalmente são pedidos de tradução e de acompanhamento a ucranianos refugiados em idade escolar. A integração deles nas escolas continua a ser preocupante.
A que nível? Há falta de vagas, dificuldade em aprender a língua portuguesa…?
Não, não. Dificuldades mesmo psicológicas. A maior parte do apoio que lhes damos é psicológico, mais às crianças do que aos adultos. A guerra não terminou e isso afeta o comportamento dos jovens.
“O problema é mesmo o estado psicológico destas crianças.”
Mas, em geral, as crianças são muito bem acompanhadas pelas escolas. Posso afirmar que muitos diretores, muitos professores, estão preocupados com estas crianças e tentam ajudar. Há professores e diretores de escolas que ligam para a Associação a pedir ajuda na tradução, no acompanhamento das crianças. O problema é mesmo o estado psicológico destas crianças. E a maioria delas tem os pais a lutar na guerra. Mas não há muitas crianças ucranianas em Portugal, e as que existem são muito bem acompanhadas pelo Estado português.
Cátia Tocha