Ralph Baydoun é, por regra, um homem extremamente ocupado. O jovem libanês de 32 anos dedica o seu tempo a diversos projetos profissionais, nomeadamente, à empresa de análise digital e comunicação estratégica InflueAnswers, da qual é membro-fundador, e é uma presença cada vez mais marcante na social media, através da sua conta de Instagram @perspectiveleb, onde expõe regularmente, entre outros temas, as suas visões sobre o quotidiano político libanês.
A e-Global conversou com Baydoun, perito em comunicação estratégica e análise de dados, para saber mais sobre os seus projetos, fazer o ponto da situação da guerra em Gaza e analisar o contexto geopolítico atual do Líbano. Esta é a primeira parte de uma grande entrevista exclusiva.
EG: Ralph Baydoun, podes contar-nos um pouco da tua educação e o que despertou o interesse por análise política?
RB: A minha família vem do sul do Líbano. Cresci em Mansourieh, perto de uma base Síria, durante a Ocupação. Perto da minha escola havia uma base com cerca de 200 soldados, o que influenciou o meu interesse por tópicos relacionados com política. Estudei Cinema na universidade, trabalhei em campanhas promocionais partidárias no Líbano e, mais tarde, envolvi-me na cobertura da crise dos refugiados sírios e respetiva a turbulência política associada ao tema.
Trabalhei com a World Vision International, para a qual filmei e entrevistei refugiados sírios durante a sua travessia pelos Balcãs, através da Europa. Depois disto, trabalhei com o British Council como consultor, envolvendo-me em projetos de prevenção do extremismo violento e contraterrorismo.
EG: E como chegaste a esta fase profissional e à criação da InflueAnswers?
RB: Primeiro é preciso indicar que a InflueAnswers é uma empresa de consultoria em pesquisa e tecnologia. Somos uma equipa de 4 membros, combinamos pesquisa e tecnologia e especializamo-nos num fenómeno chamado Escuta Social. Este termo traduz-se no processo de coleção de dados da Internet e compreende-los, entender o que as pessoas estão a dizer sobre um determinado assunto ou sobre você ou sobre qualquer pessoa. E entender o que certos grupos estão dizendo ao seu povo e depois desvendar a sua estratégia de comunicação. Este processo permite também capturar incidentes offline que ficam online em espaços menos visíveis na Internet (motorizada domínio da Web, não da Dark Web), incluindo plataformas sociais como o WhatsApp e Telegram, Facebook, YouTube, Instagram.
EG: Quem é que são os vossos clientes? E como é que a InflueAnswers garante que os dados e análises não caem nas mãos erradas?
RB: São, basicamente, clientes semi-privados e também entidades como a FCDO (Foreign, Commonwealth & Development Office), a UE e a Friedrich-Naumann-Stiftung For Freedom (FNF). E sim, temos cuidado com o destino dos dados que partilhamos. Por isso, escolhemos, como equipa, se os clientes têm ou não concordância com nossos valores.
EG: Com uma equipa tão pequena, é realista concretizar esses objetivos?
RB: Sim. Mas quando analisamos um grande projeto, como o ecossistema WhatsApp no Líbano, éramos nove pesquisadores mais os programadores. Este projeto consistiu em analisar todos os grupos de WhatsApp do Líbano em termos de notícias nesta plataforma de social media e dissecar o conteúdo e dimensão da amostra que selecionamos, 40 grupos de WhatsApp que representam todas as sete divisões administrativas.
E, a partir disso, analisámos os discursos públicos em cada divisão, taxa de governo com base nesses grupos de WhatsApp. Este processo começa com pesquisa qualitativa offline onde tentamos entender que tipo de notícias essas pessoas estão a fazer seguir.
EG: E como é que dão prioridade aos projetos selecionados pela vossa equipa?
RB: Nós temos estado a monitorizar narrativas específicas e o mundo Árabe. Quando uma narrativa em participar surge no nosso radar, decidimos incidir os nossos estudos nesse tópico. Foi assim que, por exemplo, chegámos à entrevista de Tucker Carlson a Vladimir Putin. Vimos ali potencial para desinformação e narrativas maliciosas e seguimos essa ameaça. No caso desta entrevista, concluímos que o prestígio e a influência da Rússia estão ligados aos recursos naturais, que, por sua vez, levam à classificação da riqueza e por conseguinte levam até à Arábia Saudita.
EG: Qual a avaliação que fazem da entrevista de Tucker Carlson? Considera que os objetivos foram concretizados?
RB: Basicamente, para contextualizar, esta foi a primeira entrevista (de Vladimir Putin) a um jornalista ocidental, desde a invasão da Ucrânia. Esta foi a primeira oportunidade de Putin. A desinformação e a propaganda foram nomeadas, em primeiro lugar, como uma prioridade máxima para a UE, superando as alterações climáticas, em termos de segurança. Há cinco anos, a UE percebeu que havia uma máquina de propaganda do Kremlin a funcionar em todo o mundo, utilizando abordagens multifacetadas, da tecnologia às pessoas e em muitas línguas. E a UE percebeu que a propaganda do Kremlin e os militantes do Kremlin estão a concentrar-se no mundo inteiro, por oposição à propaganda ocidental, que se concentra apenas no mundo ocidental.
Portanto, o objetivo principal desta propaganda russa era semear a desconfiança no próprio sistema, seja na disseminação de narrativas de estados profundos comandando o próprio governo, em teorias da conspiração.
EG: De que teorias da conspiração estamos a falar?
RB: Teorias da conspiração sobre o COVID, por exemplo. Ficou evidente durante o COVID que as teorias da conspiração que se espalharam foram fomentadas por bots e máquinas do Kremlin e pró-Kremlin. E a extensão da propaganda é extremamente inteligente. E estes bots não espalham necessariamente desinformação; eles espalham notícias que atendem a um público específico que se adapta à sua agenda.
Por exemplo, as narrativas propagadas no Egito vão ao encontro da cooperação soviético-egípcia. Há contas pró-Kremlin no Twitter, no Telegram e no YouTube que publicam declarações como, “lembram-se quando os soviéticos nos davam armas de guerra?” ou “costumávamos ser o exército mais avançado no Médio Oriente”.
Estas contas espalham narrativas em torno da cooperação atómica com a Rússia porque, neste momento, a Rússia está a construir uma instalação de energia atómica no Egito. Eles espalham narrativas culpando o Ocidente pelo fracasso do Grande Acordo, do qual a Rússia é a principal perdedora.
EG: Consegue detalhar mais em que consiste o Grande Acordo?
RB: O Egito é o segundo maior importador de trigo do mundo. O trigo é a segurança alimentar deles. Eles obtêm-no da Ucrânia e da Rússia. E a Rússia recuou do Grande Acordo, no ano passado. E o maior perdedor desta decisão foi o Egito, porque o transporte de trigo da Rússia e da Ucrânia, através do Mar Negro, de Odessa e dos territórios russos para o Egito não é garantido. Os custos de transporte, que são subsidiados pelo governo egípcio, também aumentaram. Por conseguinte, a narrativa adequada é culpar o Ocidente, e não a Rússia, pelo fracasso do Grande Acordo.
EG: Voltemos então à entrevista de Tucker Carlson. Como é que a avalia e quais as consequências que podem ser retiradas?
RB: Esta entrevista foi feita antes do segundo aniversário da invasão russa na Ucrânia. A entrevista serviu apenas como ferramenta de propaganda porque Carlson não estava realmente informado para desafiar Putin em vários temas. Esta é a definição de “idiota útil”. Ele aparentou não estar ciente de todo o contexto, dos vários aspetos, e foi propagando a narrativa russa. Por exemplo, Carlson passou algum tempo a promover a beleza das estações de metro, em Moscovo, ou os carrinhos de compras, nos supermercados locais.
Aliás, essa é exatamente a mesma narrativa que os russos também propagam. Nos ecossistemas árabes, há uma constante comparação entre Putin e Sisi (Presidente do Egito), ambas figuras masculinas fortes que preservam os valores conservadores orientais. Quando Putin fala sobre LGBTQ por oposição a Joe Biden, eles retratam a Rússia com uma liderança forte, por oposição ao Reino Unido, onde o rei Carlos III foi falsamente acusado de ter cancro da próstata e, consequentemente, troçado para retratar fraqueza e falta de masculinidade do Ocidente.
EG: Portanto, a entrevista, que teve mais de 19 milhões de visualizações no YouTube, foi um sucesso?
RB: Totalmente. Foi um sucesso para ambos, Putin e Carlson. Porque eu diria também que a maioria das narrativas se enquadra exatamente nas narrativas conservadoras de Trump. Ambos se alinham e se cruzam em muitos tópicos.
EG: E estes tópicos parecem ir ao encontro de elementos políticos e ideológicos, como Trump, Brexit, Chega (em Portugal), que não eram muito visíveis até há relativamente pouco tempo. Há aqui uma tendência consistente neste tipo de fenómenos?
RB: Estamos definitivamente numa era em que o fascismo está a crescer. Acho que este é o resultado natural do clima geopolítico atual. No sentido de que, depois da Segunda Guerra Mundial, entrámos numa era de globalização. Entrámos numa área de democracia, de democracias liberais.
Depois da Grande Guerra, tivemos uma polícia em todo o planeta: os EUA. Esta polícia determinou que todos seriam iguais, que haveria democracia em todo o lado. Foi a era da globalização. Mas agora estamos a viver na era da desglobalização, onde os EUA, manifestamente, não estão interessados em policiar os outros países ou investir os respetivos recursos.
Portanto, neste momento, estamos a testemunhar uma realidade semelhante à da pré-Primeira Guerra Mundial, onde o poder regional terá mais poder para tomar a iniciativa e ter um papel mais pro-ativo para proteger seus interesses. Estes interesses são: proteger o oceano, reforçar e ampliar as suas forças armadas, controlar fronteiras e expandir território para garantir os recursos para os respetivos povos.
E isto tudo encaixa-se exatamente na narrativa populista e nos políticos populistas e conservadores com agendas anti-imigração. Então, vivemos atualmente no oposto da abertura, da proximidade das sociedades.
Isto remonta à geopolítica pura. Quando não se tem o protetor e fiador da estabilidade, que garantias tem um país para preservar a estabilidade e a paz? Um exército forte, um sistema militar forte, um sistema de armas forte. Esta é a única garantia da sua segurança como nação sem o polícia que tem sido os EUA.
João Sousa