Roberto Uchôa, do Rio de Janeiro a Coimbra, para estudar o impacto das armas de fogo na sociedade

“Roberto Uchôa adverte que o Brasil tem de servir de exemplo para aquilo que não deve ser feito em relação à propagação de armas de fogo na sociedade.”

Roberto Uchôa, natural do Rio de Janeiro, Brasil, trabalhava, em 2015, no SINARM (Sistema Nacional de Armas) da polícia Federal no Norte do Rio de janeiro,  um setor da delegacia que era responsável pela licença de porte de armas.

No decurso deste trabalho, Roberto sentiu-se intrigado pela urgência de tantos cidadãos tentarem obter licença de porte de arma. O que é que os levava a querer possuir uma arma? O fenómeno era ainda mais pertinente, na medida em que em 2015 o Brasil atravessava mudanças políticas, económicas e sociais profundas. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, ao escândalo de corrupção da  Petrobras à operação LavaJato ou à grave queda do PIB.

Cada vez mais envolvido neste universo e querendo explorar as razões que estavam por trás desta “corrida às armas”, Uchôa iniciou o curso de especialização em gestão de segurança pública e justiça, seguido de um mestrado em sociologia política, “sempre com o foco em armas de fogo.”

Durante o mestrado, teve a oportunidade de participar em diversos “clubes de tiro”, falar com vários aficionados pelas armas, ao mesmo tempo, arrancava a intempestiva campanha de Bolsonaro.

“No Brasil, tive acesso àquilo que ninguém tinha tido antes, pude investigar e pesquisar sobre um tema que ainda não estava suficientemente estudado e, de repente, devido à ascensão de Bolsonaro  este tema tornou-se um dos mais debatidos do país, porque antes pouco se falava de clubes de tiro, de atiradores…”, explica Roberto.

Desse trabalho de investigação resultou o primeiro livro do autor, “Armas Para Quem?”, que pretendia acima de tudo contribuir para um debate mais qualificado sobre o tema das armas de fogo.

Em 2021 tornou a sua presença no espaço público mais visível, “decidi expor-me”, afirma, com o propósito de alertar a população para o perigo das armas. Mas, a partir daí a vida ficou “de cabeça para baixo.”

Assim, estar em locais públicos com a família começou a ser difícil, ao mesmo que a violência política crescia no Brasil “instigada pela campanha agressiva de Jair Bolsonaro, ex. Presidente do Brasil  de 2019 a 2022.”

Neste turbilhão de emoções, surge o contacto com Tatiana Moura, investigadora  da Universidade de Coimbra, que também investiga a temática das armas de fogo e surge a possibilidade de participar na seleção para fazer doutoramento no CES, em Coimbra, sobre armas de fogo. Começa então a trabalhar com a Universidade de Coimbra, primeiro remotamente, mas sempre preparado para o que poderia acontecer no Brasil. Se Bolsonaro ganhasse as eleições, Roberto abandonaria o país. A campanha entre Bolsonaro e Lula da Silva foi disputada até ao fim e dificilmente se podia antever um vencedor. Mas, em 2022, Lula da Silva seria eleito Presidente do Brasil, convidando Roberto para participar na transição “para uma nova política de  controle de armas”. Se por um lado essa era a medida necessária depois de um período em que o livre acesso às armas estava sem controle, por outro lado, poria Roberto na berlinda, uma vez que esse projeto iria causar “dano a muita gente”.

Em fevereiro desse mesmo ano, Roberto chega a Coimbra, mas continua a participar ativamente na política de controlo de armas no Brasil.

Entre Portugal e Brasil as diferenças são abismais, pois a maioria dos países esforça-se para ter um controlo cada vez mais apertado nas armas de fogo. No Brasil, explica o investigador, “foi ao contrário.”

No entanto, em Portugal também há um problema evidente com a violência doméstica e a procura de armas de fogo para esse fim. Havendo ainda muito trabalho a ser desenvolvido em relação a essa temática. Uchôa não se cansa de repetir que  “a posse de armas de fogo fragiliza a segurança das pessoas”.

“O meu objetivo é dar o exemplo do Brasil para que as pessoas percebam que o acesso facilitado às armas de fogo é perigoso. O Brasil vai sofrer demorar décadas para conseguir resolver este problema.”

“Lula da Silva já limitou a acesso a determinadas armas, mas há pessoas que têm dentro das suas casas autênticos arsenais. O grande desafio agora  é retirar essas armas de circulação.”

Por isso talvez fosse boa ideia, acrescenta, “o governo criar um sistema de recompra de armas, “para criar uma porta de saída” para as pessoas que têm armas, inibindo-as de as desviar  clandestinamente.

Em relação à sociedade portuguesa, Roberto vê com apreensão o surgimento de partidos de extrema direita que criam a sensação de insegurança, mas que na sua opinião é uma ideia “completamente descabida”. E esse medo pode levar as pessoas a agirem de formas menos positivas.

“Quem se armou no Brasil, foram as pessoas que viviam nos locais mais seguros, contagiadas pela sensação de insegurança. A extrema direita planta o medo, mas a sociedade portuguesa e a imprensa têm tratado estes temas com muita seriedade, ao contrário do que aconteceu no Brasil”, frisa.

Em relação à vida em Portugal, Roberto confessa-se apaixonado pelo país, “vou ter um grande problema, porque estou apaixonado pela cidade de Coimbra.”

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