A demissão de Fidel Casimiro da função de primeiro Secretário da Missão Permanente de Angola junto das Nações Unidas, apresentado como um protesto contra o Governo angolano por não estar a cumprir o Memorando de Entendimento sobre Cabinda, é apenas a ponta do iceberg de uma vaga de contestação no interior do Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD) que atinge directamente o presidente da organização António Bento Bembe.
Numa carta enviada à imprensa, Fidel Casimiro levantou o véu sobre as reais motivações que o levaram a apresentar a demissão, numa altura em que tinha sido nomeado como Conselheiro junto da embaixada de Angola na Guiné-Bissau. “Demos conta que o Presidente do FCD, Senhor António Bento Bembe não estava em condições de defender os interesses do povo de Cabinda, senão só o seu próprio interesse e da sua família”, expõe Fidel Casimiro que considera que “o Governo de Angola assinou esse Memorando com a ala mais fraca da resistência dos Cabindas com a intenção “maquiavélica” de continuar o seu domínio e ocupação no território de Cabinda, rico em petróleo, madeira, ouro e outros recursos naturais”.
“Para culminar nas ideias fantasmáticas, o governo angolano, em violação do acordo, nunca efetivou a integração dos Cabindas provenientes desse processo de paz, nas instituições do estado angolano, como foi o caso dos Diplomatas que entraram no Ministério das Relações Exteriores de Angola”, acusa Fidel Casimiro.
O Memorando de Entendimento assinado por António Bento Bembe, na qualidade de presidente do FCD, previa a integração de grande parte das elites da extinta FLEC Renovada em organismos públicos angolanos mas também a integração de parte dos militares da guerrilha em diversos organismos das forças e serviços de segurança, bem como nas Forças Armadas Angolanas (FAA).
O critério oficiosamente adoptado privilegiava um círculo próximo de António Bento Bembe, que por conveniência foi progressivamente alargado a múltiplos actores da sociedade civil cabindesa, contribuindo assim a dar forma à promessa de abrangência do Fórum a todas sensibilidades. Este alargamento sustentava a imagem que o FCD pretendia transmitir como um “Fórum Cabindês” inclusivo.
Após a assinatura do Memorando em Agosto de 2006, um grupo de membros e aliados do FCD foram nomeados para funções em organismos públicos, entre outros a TPA, RNA, Sonangol, mas na realidade nunca foram efectivadas as suas integrações nestes organismos. Tal é o exemplo do Ministério das Relações Exteriores angolano (Mirex) em que membros do FCD foram nomeados para “comissões de serviço” mas não chegaram a integrar efectivamente os quadros do Ministério, permanecendo intencionalmente numa situação precária e indefinida em termos de estatuto profissional.
Apresentados também como exemplos da violação do Memorando, foram as exonerações de Gualter Inocêncio como vice-ministro dos Petróleos, e posteriormente Secretário de Estado para a Inspecção e Documentação, e de Dienze Simão Cola como Administrador Adjunto Municipal de Cabinda.
A renovação dos postos atribuídos a membros o FCD deixou se ser prioritário.
Com a chegada de João Lourenço à presidência de Angola várias remodelações foram postas em prática, atingindo particularmente as empresas públicas e ministérios. A renovação dos postos atribuídos a membros o FCD deixou se ser prioritária. Uma postura que acabou por ser sustentada pela ineficácia do FCD em congregar a maioria das tendências e sensibilidades nacionalistas cabindesas, mas também devida à degradação constante da imagem do FCD em Cabinda e no exterior.
A relutância das organizações que não subscreveram o Memorando de Entendimento foi justificada por não pretenderem se aliar a um projecto ao qual o nome de António Bento Bembe estava, e está, directamente associado.
Pouco após a assinatura do Memorando de Entendimento, António Bento Bembe foi nomeado Ministro Sem Pasta do governo angolano, posteriormente assume a função de Secretário de Estado para os Direitos Humanos e por fim deputado do MPLA.
Para vários membros do FCD, António Bento Bembe assumiu totalmente a militância no MPLA assim como integrou o aparelho político do Governo angolano. Uma opção que se tornou incompatível com a função de Presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo, agravada pela postura de António Bento Bembe de apenas defender e validar a posição estatal sobre enclave, tornando a sua substituição necessária para garantir a sobrevivência do Fórum.
António Bento Bembe recusa debater a questão da sua própria substituição.
António Bento Bembe recusa debater a questão da sua própria substituição, assim como recusa convocar uma assembleia geral do FCD que possa por em causa a sua permanência como presidente do Fórum.
A intransigência de António Bento Bembe tem incitado o desenvolvimento de uma frente de oposição no interior do FCD, reduzindo cada vez mais o núcleo de fiéis de António Bento Bembe na organização. Consequentemente a eficácia do FCD é insignificante e até mesmo nula. No entanto, o FCD permanece ainda um instrumento fundamental que o Governo de Angola pretende privilegiar em todos assuntos relacionados com os independentistas e nacionalistas cabindesas.
António Bento Bembe está consciente que a oposição no interior do FCD é superior ao restrito grupo de fiéis, que hoje praticamente se resume aqueles que têm laços de parentesco com o deputado do MPLA. António Bento Bembe é violentamente criticado por não defender os interesses dos membros do FCD e não impor ao governo angolano o respeito do Memorando de Entendimento.
Devido à falta de confiança que António Bento Bembe deposita nos restantes membros do FCD, o presidente do Fórum tornou-se numa personagem inacessível em Luanda e que raramente se desloca a Cabinda. Isolado, e acumulando a função de deputado do MPLA e presidente do FCD, passou a prescindir da presença de qualquer elemento do FCD em todas as reuniões com entidades e autoridades angolanas, entre os quais com o Presidente da República ou o Governador do enclave, sobre as questões de Cabinda e do FCD. “O resultado destas reuniões, não sabemos qual é porque António Bento Bembe não partilha com ninguém”, disse membro do FCD que pediu anonimato.
“Para António Bento Bembe a presidência do FCD é vitalícia”
“Para António Bento Bembe a presidência do FCD é vitalícia. Mas esta monomania esconde também negócios pouco claros e práticas de Bento Bembe e de outros angolanos em Cabinda, que têm como cobertura o FCD, e que podem vir a ser revelados quando ele sair da presidência do Fórum”, explicou a mesma fonte.
A obsessão de António Bento Bembe em permanecer na presidência do FCD já não é uma preocupação que apenas monopoliza as conversas entre os membros do Fórum. O presidente angolano, João Lourenço, está consciente que António Bento Bembe é o factor que bloqueia o desenvolvimento e eficácia do FCD.
A fim de evitar um “Golpe de Estado” no interior do FCD, que poderia por em causa a imagem e a estratégia do Governo angolano para o enclave, o presidente de Angola, após ter ouvido os “novos responsáveis” do dossier de Cabinda, pondera em reunir com António Bento Bembe e o convidar a sair airosamente, e sem vagas, da presidência do FCD.
Não pretendendo também provocar um “Golpe de Estado” no interior do FCD, membros do Fórum já têm definidas as linhas mestras do FCD pós-António Bento Bembe e três nomes de elementos mais capacitados, que beneficiam de unanimidade interna e externa, já começam a circular dos quais um poderá vir a ser brevemente nomeado presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo.
RN