Paper Excellence instaura arbitragem em Paris após assédio jurídico da J&F no Brasil

Paris França

A Paper Excellence, multinacional de origem canadense e uma das principais produtoras do mundo de papel e celulose, iniciou em Paris, por meio de sua controlada CA Investment, um novo procedimento arbitral perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI) contra a Eldorado Celulose Brasil e a sua holding J&F, que também é acionista da JBS, uma das maiores produtoras de carne do mundo.

A multinacional exige uma indemnização pelos atos “desleais e abusivos praticados pelas duas empresas brasileiras” para impedir a concretização da transferência do controle da Eldorado para a Paper, determinada pela sentença da arbitragem na CCI, ocorrida no Brasil. A Paper pede uma indemnização de cerca de US$ 3 bilhões, por supostos prejuízos causados pela J&F, que, segundo a Paper, teria usado táticas de “guerrilha processual” para atrasar a transferência do controle.

A J&F, por sua vez, acusou a Paper de tentar burlar a jurisdição brasileira e desrespeitar o sistema judicial do país, afirmando confiar nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

Desde que recuaram no cumprimento do contrato de compra e venda da Eldorado, em 2018, os empresários Joesley e Wesley Batista, donos da holding J&F, são acusados pela Paper Excellence de aproveitarem-se de brechas processuais na legislação e “abusando do sistema judicial brasileiro ao criar um cenário hostil e ações paralelas para não entregar a empresa que venderam por R$ 15 bilhões”.

Neste contexto, indicar Paris como sede da nova arbitragem é mais uma tentativa da Paper de “reduzir o espaço para manobras protelatórias os irmãos Batista”, para um local mais isento e imune a interferências.

“Em situações similares, tanto as melhores práticas no direito internacional como tribunais arbitrais permitem o deslocamento da sede da arbitragem diante de circunstâncias extraordinárias, especialmente criadas pela parte perdedora para impedir a solução da disputa e a efetividade da sentença arbitral. A realocação da sede da arbitragem busca privilegiar a boa-fé e garantir a eficácia do método de resolução de conflitos eleito pelos envolvidos”, disse Paulo Nasser, sócio do escritório M Nasser Advocacia Estratégica, um dos advogados da Paper à frente da nova arbitragem.

O litígio começa em 2017 quando Paper Excellence concluiu um contrato com a J&F para a aquisição de 100% das ações da Eldorado Celulose por R$ 15 bilhões. Inicialmente a Paper recebeu 49,41% das ações da Eldorado, ficando acertado que deveria liberar, no prazo de um ano, as garantias de R$ 7,5 bilhões de dívidas da Eldorado com instituições financeiras, com a previsão de a J&F transferir os 50,59% restantes posteriormente. Todavia, a J&F nunca procedeu à transferência das ações.

Alegadamente, os irmãos Batista passaram a exigir, sem previsão conhecida, mais R$ 6 bilhões acima do preço acordado em contrato, como condição para transferir para a Paper o controle da produtora brasileira de celulose.

Perante a inexpectavel exigência dos irmãos Batista para fechar o negócio, a Paper Excellence instaurou uma arbitragem, administrada pela CCI no Brasil, da qual saiu vitoriosa por unanimidade. Na sentença proferida em 2021, os árbitros afirmaram que “os vendedores frustraram maliciosamente” as condições precedentes do contrato de compra e venda e reconheceram o direito da Paper de assumir a Eldorado pelo preço contratado.

A decisão do tribunal, entretanto, nunca foi cumprida pela J&F que acabou por instaurar contra a Paper e seus executivos ações criminais e cíveis, que têm contribuído para retardar o desfecho do caso. A J&F e a Eldorado bloquearam também o prosseguimento da próxima fase da arbitragem no Brasil, cujo objetivo seria efetivar a transferência do controle da Eldorado em favor da Paper.

Após várias ameaças aos árbitros, dois deles estrangeiros, a arbitragem ficou paralisada após a renúncia dos profissionais. O espanhol Juan Fernández-Armesto, que presidia a arbitragem, e o português Paulo Mota Pinto, justificaram em carta ao tribunal arbitral que renunciaram devido a ameaças “frontais” por parte da holding dos Batista. Na carta de renúncia, Fernández-Armesto, considerado um dos mais conceituados árbitros independentes do mundo, afirmou ainda que o comportamento da J&F é grave por inúmeras razões, sendo a principal delas colocar em descrédito a essência da arbitragem internacional.

Num dos processos, em que a J&F foi condenada por “litigância de má-fé”, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber alertou para a utilização indevida das espécies recursais por parte da J&F, prática que desvirtua o próprio postulado constitucional da ampla defesa e configura “abuso do direito de recorrer”.

A J&F, no entanto, não demonstra qualquer constrangimento com as repetidas vezes que a sua conduta processual foi desaprovada e condenada pelas autoridades judiciais. Em cada vitória da Paper, a holding dos irmãos Batista cria um novo fato para tentar impedir que o controle da Eldorado seja transferido, num ciclo, considerado pela Paper, de “persistente de assédio processual”.

Um dos fatos envolve a posse de terras. Ações movidas pela J&F em diversos tribunais de justiça do Brasil, passaram a questionar a legalidade da compra da Eldorado pela Paper Excellence, que tem capital internacional baseando-se numa lei brasileira que restringe a exploração de terras rurais por estrangeiros.

A Eldorado é proprietária de 14 mil hectares de terras. Mas a Paper comprou um complexo industrial e não áreas rurais. Para resolver a celeuma, a multinacional já propôs às autoridades brasileiras vender as terras da Eldorado, que não são necessárias para a operação e representam apenas 0,6% do valor do negócio de R$ 15 bilhões. Nenhuma resolução definitiva foi alcançada até fevereiro de 2025, causando insegurança jurídica, uma vez que apareceram outras ações na Justiça brasileira, questionando negócios de multinacionais, como a Shell, já consolidados e que também envolvem terras no país.

Perante o impasse e circunstâncias excecionais, a Paper optou por mudar a sede da arbitragem para a França para buscar uma indemnização e impedir que a J&F siga “abusando do seu direito de ação, com a propositura de dezenas de processos que têm como objetivo travar o procedimento arbitral e retardar o cumprimento de decisões arbitrais”, segundo a Paper.

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