Cabinda: Os cabindeses estão preparados para um levantamento popular, alerta Arão Tempo

Há três meses que os activistas Maurício Gimbi, André Bonzela e João Mampuela, respectivamente o presidente, vice-presidente e o chefe do gabinete presidencial da União dos Cabindeses para a Independência (UCI), estão detidos em Cabinda.

A e-Global ouviu Arão Bula Tempo, advogado dos activistas, que destacou a situação crítica dos detidos e alertou para o ambiente de “repressão” vivido em Cabinda que, segundo o advogado, poderá despoletar um “levantamento popular”.

O advogado e activista dos direitos humanos, Arão Tempo, igualmente líder o Movimento de Reunificação do Povo de Cabinda para a sua Soberania (MRPCS), reconheceu estar em contacto com os “compatriotas” e dirigentes da FLEC e defende que Cabinda já não é um tabu, por esse motivo é necessário que Angola deixe de tentar dividir os cabindeses e comece a dialogar com as organizações no interior de Cabinda.

 

Situação dos activistas da UCI detidos

Arão Bula Tempo: A 28 de Junho os activistas Maurício Gimbi, André Bonzela foram detidos por indivíduos supostamente do Serviço de Investigação Criminal (SIC). Dois dias depois João Mampuela foi igualmente detido quando estava na sua residência.

Os três permanecem na Cadeia Civil de Cabinda. No entanto, para a libertação de André Bonzela foi exigido o pagamento de uma caução de 300.000,00 Kwanzas (cerca de 411 euros) mas por falta de condições financeiras André Bonzela não conseguiu reunir essa quantia e por isso permanece na prisão.

No primeiro interrogatório do Ministério Público os três activistas tomaram conhecimento que eram indiciados de crimes de rebelião, associação criminosa e ultraje ao Estado, não tendo todavia ainda sido formulada uma acusação formal. Assim permanecem em prisão preventiva. Porém, quando alguém é indiciado por este tipo de crimes a prisão preventiva pode estender-se até seis meses.

O Ministério Publico vai avançando com despachos, prorrogando a prisão preventiva alegando a necessidade de obter mais provas. Mas quando se olha para o processo não há nada que demonstre que essas prorrogações foram feitas para apurar novos elementos do suposto crime. Eles mantêm apenas as pessoas na cadeia até completar seis meses e depois mandam soltar em termo de identidade e residência. É uma acção puramente intimidatória e política.

Este processo é do interesse político de Angola a fim de intimidar o povo de Cabinda de exercer a sua cidadania em termos da sua autodeterminação, o que torna este processo numa aberração. O sistema judiciário é refém dos interesses políticos.

As condições que estão a viver Maurício Gimbi, André Bonzela e João Mampuela são péssimas. A Cadeia Civil não tem quaisquer condições sanitárias. Frequentemente falta água. Muitos dormem nos corredores. Há também o problema da alimentação, tendo em conta que os familiares dos detidos já não têm meios para os alimentar. Há também a forte pressão psicológica devido à injustiça de estarem na prisão devido a um panfleto anódino que eles nunca colaram numa parede.

Continuo a acompanhar o processo, tentando ver na perspectiva do prazo da prisão preventiva e a partir daí agir de outra forma. Tenho também interagido com a Amnistia Internacional e outras organizações dos Direitos Humanos no sentido de ser mobilizada e exercida uma pressão internacional contra as atitudes repressivas do Governo angolano em Cabinda contra a população e os movimentos independentistas.

 

Risco de levantamento popular em Cabinda

Temos um bloco dos movimentos independentistas composto por o MRPCS, UCI, MDC [Movimento Democrático de Cabinda], UPAIC [União Pan-Africana para a Independência de Cabinda] e o MLC [Movimento de Libertação de Cabinda], que recentemente juntou-se ao bloco. Entre os movimentos independentistas em Cabinda há também o MIC [Movimento Independentista de Cabinda], que não pertence ao nosso bloco.

Existem também outras organizações, tais como o FCC [Frente Consensual Cabindesa], que tem a sua actuação própria mas ainda não se juntou ao bloco. E do outro lado, está o FCD [Fórum Cabindês para o Diálogo], ou seja, a organização que aparentemente negociou com o Governo. Nós do bloco dialogamos com todos.

Estamos conscientes que o sacrifício é o caminho da liberdade, e se Angola continuar a evitar o diálogo estamos preparados para um levantamento popular em Cabinda e responsabilizaremos a comunidade internacional, inclusivamente Portugal, por tudo que poderá acontecer.

Devido à repressão insisto que o povo está preparado, e está se preparando, para um levantamento popular. Antigamente era difícil as pessoas enfrentarem a polícia, era difícil a juventude entregar-se como carne para canhão, era também difícil falar sem ceder à intimidação. Hoje tudo mudou. Caso o Governo angolano não rever as suas medidas de repressão o povo de Cabinda e os movimentos independentistas farão o que é necessário, ou seja, um levantamento popular.

Devido ao risco de levantamento popular é urgente estabelecermos um diálogo com o Governo angolano na presença de observadores internacionais e com a presença de Portugal. Mas neste diálogo deveremos sempre privilegiar a vontade expressa pelo povo de Cabinda. Mesmo que Angola esteja disposta a negociar temos de ter atenção às aberrações do Governo angolano.

A aberração do Governo angolano traduz-se quando mesmo com o parceiro deles, o FCD, utiliza todas as manobras perigosas para poder asfixiar os elementos do FCD porque os membros desta organização acham que de facto o Governo não evoluiu com os acordos que assinaram, o Memorando de Entendimento, e nada foi implementado daquilo que o Governo angolano comprometeu-se com o FCD.

Para o Governo angolano a existência dos movimentos independentistas no interior de Cabinda é uma ameaça. A atitude do sistema político angolano, que é na realidade uma atitude fascista, é continuar a manter refém o povo de Cabinda. Ninguém pode contrariar tudo que não vai ao encontro da aspiração do Governo angolano. Quem contraria, acaba na cadeia.

 

Em contacto com os “compatriotas” da FLEC

A FLEC é uma pedra angular. É o movimento que começou a luta armada. Nunca poderemos pôr à parte a FLEC, porque a FLEC é um dos movimentos de consenso de Makongo, Mangoyo e Maloango. Além disso, a FLEC tem uma opção armada e nós, movimentos no interior, não estamos contra a opção militar porque a respeitamos, mas também sempre apelamos a que os angolanos e a FLEC estabeleçam um cessar-fogo para permitir um diálogo inclusivo.

A nossa organização tem a vocação de encetar contactos com todos. Neste contexto estamos em contacto e conversamos com o presidente Emmanuel Nzita, apesar de termos algumas opções diferentes. Estamos também em contacto com vários representantes de Alexandre Tati, com os quais estamos frequentemente juntos. Alexandre Tati é neste momento alvo de perseguições, que nós condenamos veemente.

A questão de Cabinda já não é um tabu e tem de ser discutida. Por esse motivo estamos em contacto com os membros do Emmanuel Nzita e os membros do Alexandre Tati. O Governo angolano tem de compreender que nós não estamos divididos, e apesar das manobras perigosas do Governo angolano para nos separar, nós nos dialogamos e falamos com todos.

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