Terminou esta sexta-feira, 7 de abril, a greve do ensino geral convocada pelos professores de Luanda como forma de pretexto contra a falta de resposta, desde 2013, às várias reivindicações, entre as quais o aumento salarial, a atualização de carreiras e o pagamento de subsídios.
A Central de Sindicatos Livres e Independentes de Angola (CGSILA) tinha classificado a greve de legítima, por achar que a falta de resposta às reivindicações dos docentes nestes últimos quatro anos chegou a um “ponto de saturação”.
Esta posição tinha sido manifestada à agência Lusa antes do início da greve pelo secretário-geral da CGSILA, Francisco Jacinto, que, na altura, apontava a disparidade salarial entre professores em Luanda e no resto do país, referindo-se aos “atropelos à lei”, como ao não pagamento por parte do Estado do subsídio de chefia aos professores que está legislado, mas não implementado.
Decidida apôs várias semanas de negociações com o Governo angolano, a paralisação foi convocada por três dias, entre 5 e 7 de abril, e estendeu-se a outras províncias do país, entre as quais Cabinda, um território com estatuto especial, e onde o custo de vida se situa entre os mais elevados de África e as condições ambientais e sanitárias se deterioram de dia para dia.
A situação da Educação em Cabinda
Neste território, a situação da educação pública é estarrecedora. Cabinda tem uma Governação despótica que não permite aos professores fazer qualquer reclamação, vigiados em todas as suas ações pelos agentes dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE). Neste momento, Cabinda é a província com maior número de bufos que seguem os cidadãos, ouvem o que dizem e reportam aos serviços do SINSE.
O ano letivo de 2017 em Cabinda arrancou oficialmente a 1 de fevereiro, com 4 153 professores para 154 418 alunos nos vários níveis de ensino Geral, decorrendo as aulas até 15 de dezembro.
Para Cabinda, no presente ano letivo, foi anunciada a contratação de novos postos de trabalho, mas a partidarização dos órgãos da administração do ensino pelo regime se difundiu a ponto de se tornar o critério de recrutamento de cerca 400 professores para o exercício 2017/18.
A exigência de que todos sejam homens do partido no poder para serem bem-sucedidos na carreira socioprofissional é um dos males mais baixos, mais ruins da governação de Aldina Matilde da Lomba Catembo em Cabinda.
É notório neste território o incremento do número de alunos fora do sistema de ensino. O florescimento de colégios, a excessiva carga horária e elevado número de alunos por turma é longe de resolver esta delicada questão, cuja dimensão tem desmotivado os professores.
“Há o caso da escola do “Liombe”, no Tchizu, onde temos 20 salas de aula, mas só funcionam 10 salas pela falta de professores”, refere o presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SINPROF)/Cabinda, Francisco Xavier Malito Sense.
Com salários de 25.000,00 Kwanzas, para uma inflação anual de 40% e turmas com elevado número de alunos, muitas das quais chegando a atingir 80 alunos (facto notório sobretudo nas escolas primárias), os professores de Cabinda dizem-se desmotivados.
“Temos professores com uma renda mensal de 25.000, Kwanzas. E na escola do “Liombe”, no Tchizu, encontramos turmas com 80 alunos, quando o sistema de reforma educativa diz que são no mínimo 35 e no máximo 45”, diz o presidente do SINPROF/Cabinda, Francisco Xavier Malito Sense.
Outras causas da desmotivação dos professores são a atualização de carreiras, as incoerências no enquadramento dos professores, a devolução de professores das Escolas para a Secretaria Provincial da Educação, a obrigatoriedade aos professores de participar na Limpeza da cidade e a coação aos coordenadores de Cursos, Turnos e Disciplinas a pagar um salário base ao partido no poder, justificando com isso a adesão à greve convocada entre 5 e 7 de abril.
“Muitos professores que lecionam há 20 anos, são licenciados e já vão para reforma, mas como técnicos médios “, contou-nos Francisco Xavier Malito Sense.
A greve de três dias em Cabinda
Em encontro com os Diretores das Escolas, o Secretário Provincial da Educação de Cabinda, Ernesto Barros André tinha afirmado, no dia 23 de março, de que o Governo estava “trabalhando para dar solução às reivindicações do SINPROF/Cabinda” e apelou aos professores a não aderirem à greve”.
Mas, o SINPROF desmentirá que houvesse esforços por parte do Governo Provincial de Cabinda (GPC) no sentido de resolver os problemas dos professores. Assim sendo, a adesão à greve em Cabinda foi decidida na Assembleia Geral dos professores, convocada pelo SINPROF, no dia 25 de março do ano em curso, onde estiveram presentes mais de 1754 professores vindos de todos os cantos do território de Cabinda.
No Comunicado Final saído da Assembleia de professores de Cabinda, o SINPROF/Cabinda diz aguardar, sem resultados satisfatórios, desde 1 de agosto de 2013 por respostas do Ministério da Educação (MED) e da Secretaria Provincial da Educação (SPE) ao Caderno Reivindicativo.
Nestes últimos 12 anos e no rescaldo do mesmo, a preocupação prioritária do regime em Cabinda consiste, entre outros, em prevenir manifestações populares e iniciativas políticas e cívicas dos cidadãos no tocante às eleições, à governação e às violações dos direitos humanos. E fá-lo em virtude da sua estratégia visando perpetuar o clima de medo destes últimos 40 anos de sua governação em Cabinda, manter o status quo e, assim, ocultar a realidade da pobreza, da corrupção, das injustiças e do descontentamento popular.
Assim, desde o lançamento da ideia de greve, e como era de esperar o regime posicionou-se em função dos seus interesses, procurou ser o mais partidarista que tenha podido e arrastou consigo a chefia administrativa do GPC e os órgãos de comunicação social estatal da província; e isto sobretudo num momento em que se programou a visita à Cabinda de João Lourenço, o cabeça da lista do MPLA às eleições Presidências em Angola, estratégia eleitoralista obriga.
Por esta razão, os responsáveis do MED tiveram “uma reação musculada contra o movimento reivindicativo dos professores”, proferindo ameaças repressivas contra os grevistas e representantes sindicais, que vão das detenções às ameaças de despedimento, transferência ou perda dos cargos exercidos por mérito técnico. Também, os homens do regime tomaram medidas coercivas de bloqueio ao acesso aos meios de comunicação social pública.
Durante os três dias de greve, e muitos antes da realização da mesma, a Federação Sindical de Trabalhadores da Educação Cultura Desporto e Comunicação de Angola (FSTECDCSA) – instituição afeta ao partido no poder -, os Diretores das escolas, os coordenadores das atividades extraescolares e os inspetores irão pelas escolas e pelos meios de comunicação social pregando a ilegalidade da greve e, com uma obstinação despótica, enchendo os ouvidos da irracionalidade dos propósitos do SINPROF, sem possibilidade de contraditório possível.
“Desde o anúncio da greve, não tivemos cobertura da imprensa pública. Foi-nos barrada a contra informação e o contraditório no Jornal de Angola, na Radio Nacional de Angola, na TPA e na Rádio Comercial”, lamentou Francisco Xavier Malito Sense.
Esta pressão, bem como a ação coerciva do bufir dos serviços de Inteligência do regime fizeram com que alguns professores e alunos comparecessem nas salas de aula.
Mas, mesmo assim, houve uma “adesão da esmagadora maioria dos professores” à greve, “apesar da contrainformação orquestrada a partir da comunicação social pública e das ameaças do patronato”, refere o comunicado de 8 de abril de 2017 do SINPROF. Os professores apenas apresentavam-se nas escolas para assinar o livro de ponto, e, depois, regressavam às suas casas. Alguns alunos iam à escola simplesmente por medo de retaliações dos diretores e coordenadores de atividades extraescolares. A situação chegou ao ponto de saturação, mesmo para os alunos.
Na Escola Barão de Puna, por exemplo, impacientes pela ausência da maioria dos professores, na quarta-feira, 5 de abril, o primeiro dia da greve, os alunos entenderam abandonar o recinto escolar, o que ocasionou violência pela tentativa do impedimento dos seguranças, o que resultou em ferimentos de um aluno.
Diante disto, os alunos saíram pelas ruas, clamando por justiça. Partindo da Escola Barão de Puna, e passando por várias artérias da cidade de Cabinda, dirigiram-se à sede do GPC, sem provocar distúrbios, mas apenas mostrando ao público o seu desapontamento pelas injustiças de que os seus professores e eles próprios são vítimas.
Dado o impacto desta situação na visita de João Lourenço à Cabinda, a Secretaria Provincial da Educação, Ciência e Tecnologia suspendeu a Direção da Escola Barão de Puna. Resta saber se se trata duma suspensão de verdade, ou simplesmente uma fachada por necessidades eleitoralistas.
A greve terminou no dia 7 de abril. Mas o regime não dá sinais de satisfazer o direito dos professores. No seu comunicado de 8 de abril de 17 tornado público esta semana, o SINPROF/Cabinda marcou uma nova greve entre “24 de abril e 5 de maio de 2017”, para continuar a protestar contra a falta de resposta às “justas reivindicações, desde 2013 contidas no Caderno Reivindicativo”.
As mudanças necessárias
A atual difícil situação do ensino em Cabinda, em especial os entraves colocados ao exercício dos direitos dos cidadãos e da atividade sindical dificultam tremendamente os planos de desenvolvimento do país.
Não se admite, em nenhuma parte do mundo, tal descalabro! O livre exercício dos direitos civis e políticos, em particular da atividade sindical deve ser assegurado pelo próprio Estado sob o risco de comprometer o próprio sistema de Direito democrático.
Se atentarmos ao que o Artigo 50º da Constituição angolana, em que se prevê a Liberdade Sindical, poderemos nos aperceber de que as associações sindicais, sempre que virem violados os direitos dos seus membros, podem fazer recurso ao que lhes está garantido por lei: greves, marchas, assembleias, memorandos, etc.
E o respeito pelos direitos e liberdades fundamentai e a melhoria das condições de vida dos cidadãos constitui a vocação essencial dos Governantes, e o «estado ótimo» conveniente à realização desta vocação passa pela razão, diálogo, amor, justiça, fraternidade e cultura da lei.
José Marcos Mavungo
Activista dos Direitos Humanos