O elevar do nível de alerta nos quartéis é uma medida habitual quando a Guiné-Bissau entra em período eleitoral. Para os guineenses o ambiente nos quartéis está sereno. Nas casernas a atmosfera real é diferente. Existe uma tensão entre os militares produto das conversas sobre os hipotéticos cenários pós eleições, mas principalmente devido ao estado de saúde preocupante de Júlio Nhaté.
Adulado por uns e temido por outros, o Brigadeiro-General Júlio Nhaté Sulté, apenas conhecido como Júlio Nhaté, é uma figura carismática à qual a classe castrense guineense não é indiferente. O respeito junto das bases militares que beneficia Júlio Nhaté contrasta com o seu actual estado de saúde crítico, agravado por uma privação no acesso a tratamentos adequados.
Detido na insalubre Segunda Esquadra em Bissau, junto ao Ministério do Interior, onde estão detidos igualmente alguns civis, Júlio Nhaté é suspeito de ser um dos estrategas do assalto ao Palácio do Governo a 1 de Fevereiro de 2022 que causou 11 mortos. Apesar de o presidente da República ter imediatamente atribuído a autoria da acção a narcotraficantes, são maioritariamente militares que permanecem encarcerados.
Sem as mínimas condições sanitárias, e com compulsivas decisões contraditórias dos tribunais, em que tanto magistrados anunciam a sua libertação como no mesmo momento o Estado-Maior, e “ordens superiores”, exigem o não cumprimento dessa decisão, a permanência de Júlio Nhaté na prisão vai-se arrastando enquanto se deteriora o seu estado de saúde, que antes de ser detido já era precário e merecia uma atenção particular e que o levara a ser sujeito a tratamentos e acompanhamento médico em Marrocos e Cuba.
Resultado de crises agudas, às quais a prisão não tem condições para responder, Júlio Nhaté chegou a ser transferido para o Hospital Militar onde os pareceres não foram optimistas, tendo sido sugerido permanecer neste estabelecimento e não regressar à prisão. Um parecer que foi politicamente indeferido, devido a um suposto risco de Júlio Nhaté ser “protegido” pelos militares no hospital castrense.
Recentemente, já em estado crítico, Júlio Nhaté teve de ser novamente hospitalizado de urgência, mas a política decidiu que não poderia voltar ao Hospital Militar acabando por dar entrada na clínica das Nações Unidas, com a condição de logo após regressar à prisão, tal como aconteceu. Foi de novo uma decisão meramente política, indiferente ao estado clínico e sofrimento de Júlio Nhaté.
A 02 de Junho, Juelma Mendes, Oficial de Comunicação e Advocacia do Escritório do Coordenador Residente do Sistema das Nações na Guiné-Bissau, informou através de um comunicado que Júlio Nhaté “nunca se apresentou ao edifício da ONU solicitando apoio, e informa que em nenhuma circunstância a sua clínica prestou-lhe assistência médica”, lê-se no documento.
Incapacitado, devido a graves problemas nos rins e na próstata, Júlio Nhaté continua a ser uma das figuras castrenses mais temida pelos políticos e por algumas franjas da hierarquia militar. Na origem dos temores está a sua popularidade e capacidade de mobilização nas casernas.
Júlio Nhaté, 58 anos, é um militar de carreira que destacou-se na chefia dos para-comandos. Durante o Golpe de Estado de 2012 surge como uma figura discreta mas influente e revela-se como um dos jovens oficiais mais fiéis do controverso António Indjai. Uma ligação assumida, que moveria a desconfiança de políticos e alguns oficiais.
Respeitando sempre a sua hierarquia, Júlio Nhaté nunca se esquivou de manifestar vigorosamente as suas posições, por vezes criticas, ao Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, Biagué Na Ntan. Esta cordial colisão, agravada com a possibilidade de Júlio Nhaté ser um potencial e sério sucessor do Chefe de Estado-maior, rivalizando com o preferido, e familiar, de Biagué Na Ntan, levou o CEMGFA a deslocar Júlio Nhaté de Chefe da Divisão do Pessoal e Quadros e o colocar como Director do Centro da Formação e Instrução Militar de Cumeré, uma transferência interpretada como uma despromoção.
Júlio Nhaté é também uma ameaça a Sandji Fati, actual conselheiro do Presidente da República e apontado como o favorito do chefe de Estado na sucessão de Biagué Na Ntan, que já há muito deveria estar a beneficiar da reforma. Contrariamente a Sandji Fati, Júlio Nhaté conta com um grande apoio das bases militares, em que apenas alguns círculos o criticam de ser demasiado ponderado “antes de passar à acção”. Uma popularidade nas casernas que tornou-se fatal a Júlio Nhaté.
O estado crítico de Júlio Nhaté, agravado pela privação no acesso a tratamentos adequados, mas também pelas incoerências e “ordens superiores” na sua permanência na prisão, pode tornar-se num rastilho de um barril de pólvora que poderá alterar a suposta atmosfera serena que paira nas casernas que propalam oficialmente.
Actualizado a 02/06/2023 – 15:25