“Queremos mesmo que Portugal seja o melhor país para viver e trabalhar”, defende Ana Mendes Godinho

Na reta final da XV Legislatura, Portugal discute temas que preocupam os portugueses, como o desemprego, os apoios sociais existentes, as oportunidades de empregabilidade, a ajuda aos mais vulneráveis, o fluxo migratório, mas também analisa os avanços que aconteceram, num exercício de reflexão para os próximos anos.

Uma das pastas que atua diretamente com estes temas é o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de Portugal (MTSSS), que tem apresentado resultados num campo em que os portugueses exigem cada vez mais ação governativa.

Para entender o trabalho feito nos últimos meses, conversamos com Ana Mendes Godinho, ministra do MTSSS. A governante explicou como avalia a sua gestão à frente desta pasta, apontou as mudanças realizadas, sublinhando as suas maiores preocupações e ressaltando o papel de Portugal como país de acolhimento, mas, também, com o olhar focado para quem decide voltar a viver no país através do Programa Regressar.

Qual a relevância dos cidadãos portugueses emigrados no contexto da Segurança Social?

Qualquer cidadão português sabe que pode contar com a Segurança Social, onde quer que se encontre. Tendo em conta a mobilidade de trabalhadores, dentro e fora da União Europeia, Portugal tem tomado medidas para que todos beneficiem de um sistema de proteção social que é público e universal. O foco essencial é a garantia dos direitos adquiridos em casa país de trabalho na conciliação de uma carreira contributiva, com base na qual o trabalhador terá direito à sua pensão de reforma. Portugal tem reforçado a atenção a estes seus cidadãos.

Uma das medidas com maior impacto, no último ano, foi a criação da figura do Adido da Segurança Social, a trabalhar em embaixadas ou postos consulares junto das maiores comunidades emigrantes. São quadros da Segurança Social que passam a garantir o acompanhamento de proximidade dos trabalhadores portugueses emigrados, nomeadamente para os sistemas em matéria contributiva para efeitos de aposentação. Já foram colocados adidos em Berlim, Berna, Londres, Luxemburgo, Newark e Paris, num processo que é para ser alargado progressivamente a outras partes do mundo.

Esta mesma questão coloca-se em relação aos migrantes estrangeiros que chegam a Portugal. Como é que os trabalhadores estrangeiros estão a auxiliar as contas da Segurança Social?

Não olhamos para os trabalhadores estrangeiros, nem para nenhum trabalhador, como números. Os trabalhadores estrangeiros legalmente autorizados a exercer uma atividade profissional em território nacional gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que os trabalhadores portugueses. O que Portugal garante, a quem contribui para a Segurança Social, é um regime de proteção baseado num contrato social. São as contribuições dos trabalhadores que asseguram direitos, como o apoio à maternidade, o Abono de Família para crianças e jovens. Também salvaguardam a proteção, em caso de doença ou desemprego. E, no final de uma vida de trabalho, a pensão de reforma é calculada em função da carreira contributiva. Dito isto, a importância dos trabalhadores estrangeiros é crescente. São aproximadamente 720 mil e representaram, em 2023, cerca 11% das contribuições para a Segurança Social.

Como explica o processo de integração desses imigrantes em Portugal, do ponto de vista do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social?

Portugal pugna por uma imigração com direitos, num combate sem tréguas à precariedade e na rejeição absoluta de todas as formas de indignidade e exclusão. Esta é a nossa preocupação primordial. As ações desenvolvidas têm em vista compatibilizar este princípio com a necessidade de trabalhadores, em muitos setores de atividade. É essencial que a procura de trabalhadores e a procura de trabalho sejam processos com a maior conciliação possível entre a oferta e a procura.

Nesse sentido, o acordo de mobilidade de trabalhadores da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, celebrado em 2021, é um instrumento poderoso, que tem vindo a ser progressivamente ratificado pelos estados-membros. E há outra medida com enorme impacto nesta nossa política de integração plena de trabalhadores oriundos do estrangeiro.

Em 2023, o Governo colocou, pela primeira vez, Adidos dedicados às questões do trabalho e à mobilidade de trabalhadores em quatro países: Cabo Verde, Timor-Leste, Marrocos e Índia. Estes novos Adidos têm como missão estabelecer pontes de contacto entre as empresas portuguesas e as comunidades locais, para atrair e simplificar a vinda de Trabalhadores para Portugal, de forma regular e digna. Concretamente em Timor e em Cabo Verde, os Adidos têm ainda a missão de promover investimento na formação, nos países de origem, para garantir a capacitação e valorização dos trabalhadores.

O Governo português tem realizado iniciativas e aprovado programas que visam auxiliar o retorno dos portugueses ao país. Que medidas concretas existem hoje e, até que ponto, Portugal é hoje um país diferente daquele que os motivou a emigrar?

O Programa Regressar tem exatamente este objetivo: apoiar os emigrantes, bem como os seus descendentes e outros familiares, de forma que tenham melhores condições para voltar a Portugal e para aproveitar as oportunidades que hoje existem no nosso país. Está no terreno, desde 2019, e foi prorrogado até 2026, porque se revelou um programa de sucesso. Envolve todas as áreas governativas e inclui medidas concretas como um regime fiscal mais favorável para quem regressa, um apoio financeiro para os emigrantes ou familiares de emigrantes que venham trabalhar para Portugal e uma linha de crédito para apoiar o investimento empresarial e a criação de novos negócios em território nacional, entre outras.

Até ao momento, já apoiou o regresso de mais de 20 mil pessoas a Portugal. Suíça, França, Reino Unido e Brasil são os países de emigração de onde provém a maior parte destes novos residentes.

Quais são as taxas de desemprego e de empregabilidade no país?

Portugal tem, neste momento, um máximo histórico de população empregada, que ultrapassa os cinco milhões de trabalhadores. O desemprego estabilizou em mínimos do século, nos 6,5%. Isto apesar de termos atravessado uma pandemia e estarmos ainda a sofrer os efeitos da inflação. O nosso foco foi a proteção do emprego e a valorização dos salários. Resultado de políticas públicas diferentes das que foram adotadas em resposta à crise financeira global, há uma década, quando o desemprego em Portugal chegou ao 18%.

Qual o papel do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) neste cenário? Como é que os estrangeiros e os portugueses que retornam podem aceder a este serviço público?

Tem um papel essencial e determinante. O Instituto do Emprego e Formação Profissional tem como missão promover a criação e a qualidade do trabalho e combater o desemprego, através da execução das políticas ativas de emprego e formação profissional. Todas as políticas públicas de apoio ao emprego são geridas pelo IEFP, que desenha também soluções à medida de setores e necessidades específicas do mercado de trabalho.

É um serviço público acessível e de proximidade, com estruturas descentralizadas em todo o território nacional e que articula diretamente com os já referidos Adidos de Trabalho colocados em várias representações consulares. Este é também o serviço ao qual os cidadãos estrangeiros devem dirigir-se, se pretenderem entrar e permanecer em Portugal para procurar trabalho. Antes de pedirem o visto de entrada, os cidadãos de um estado terceiro (fora da União Europeia) devem efetuar a manifestação de interesse e inscrever-se na área identificada para o efeito no portal do IEFP.

Que medidas estão a ser executadas para dar respostas à população sem-abrigo no país?

Portugal lançou uma estratégia nacional de prevenção e intervenção, centrada nas pessoas em situação de sem-abrigo, para garantir que ninguém tenha de permanecer na rua por ausência de alternativas. Nos últimos anos, ganhámos uma maior consciência social do fenómeno. Como sociedade, estamos hoje muito mais sensíveis e atentos à questão das pessoas em situação de sem-abrigo e melhorámos o diagnóstico.

Uma das ações mais importantes foi garantir que todos os concelhos do país fizessem um levantamento de situações. Com este trabalho, passámos a ter uma visão de conjunto, envolvendo também os municípios, o que fez com que se conhecessem mais casos. Mas não necessariamente novos casos. Com esta articulação e proximidade, aumentámos os núcleos de intervenção em todo o país.

Mesmo com uma pandemia, desde 2020, saíram da condição de sem-abrigo mais de duas mil pessoas e conseguimos quase 500 novas colocações no mercado de trabalho, além de termos garantido mais de mil novas vagas em respostas de habitação, como o programa Housing First e os apartamentos partilhados. E é de assinalar que, em 2022, as maiores áreas metropolitanas (Lisboa e Porto) registaram uma redução dos casos de pessoas sem-abrigo. Até 2026, com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência, vamos reforçar significativamente as soluções de alojamento de emergência ou temporário.

Em termos laborais, muitos dos problemas que afastam os jovens portugueses de Portugal, segundo este mesmo público, assentam na pouca valorização profissional, nos baixos ordenados e na precariedade do emprego. Como é que se combate este cenário?

Nós queremos mesmo que Portugal seja o melhor país para viver e trabalhar. Nesse sentido, a valorização dos jovens no mercado de trabalho tem sido um objetivo crítico, e com resultados. Nos últimos oito anos, o número de jovens até aos 30 anos a trabalhar em Portugal aumentou 45% e o ganho médio desses jovens aumentou quase 50%.

De 2022 para 2023, foi entre os jovens que o emprego mais cresceu. Há medidas ativas de apoio ao emprego que valorizam a contratação de jovens. Dou como exemplo o Programa Avançar, que apoia a contratação de jovens qualificados sem termo, com um salário mínimo garantido próximo dos 1.400 euros e com uma bolsa de autonomização para o jovem, no primeiro ano, de 150 euros mensais. As empresas têm redução ou até mesmo isenção dos custos contributivos.

Portugal está empenhado em reter, valorizar e atrair talento. Cada vez mais o mundo do trabalho é aberto e global e os trabalhadores decidem as suas opções em função da forma como são valorizadas. Os jovens ficam onde se sentem bem e têm oportunidades.

A mensagem que queremos passar é que há boas razões para ser jovem trabalhador em Portugal. As creches são gratuitas. Os estágios são pagos. Os direitos dos trabalhadores são respeitados. Estudar recompensa. Os salários crescem. A inovação é valorizada. Novas formas de trabalho são acolhidas.

Em concreto, o que é que está previsto realizar, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno?

A Agenda do Trabalho Digno é um poderoso instrumento, muito focado na valorização dos jovens no mercado de trabalho e no combate a todas as formas de precariedade. Fixa um conjunto de 70 medidas, já com forte impacto.

Dou como exemplo a regulação das relações de trabalho nas plataformas digitais; a obrigatoriedade de contrato declarado à Segurança Social no serviço doméstico; a promoção da igualdade salarial entre géneros; o fim dos estágios não remunerados; a limitação do número de contratos a termo; o combate ao falso trabalho independente; a proibição de recurso ao outsourcing, durante um ano, após despedimento na mesma área; o direito a desligar e a proibição de contactos fora do horário de trabalho.

É uma agenda transformadora, que colocou Portugal também na vanguarda de novas formas de trabalho. Refiro-me ainda à experiência-piloto em que 41 empresas, envolvendo mil trabalhadores, aderiram à semana dos quatro dias. Os resultados foram extraordinários, com ganhos evidentes em termos de produtividade e conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.

O Interior de Portugal tem sido bastante procurado por estrangeiros e lusodescendentes como “nova morada”, alguns chegam mesmo para investir. Como é que o Ministério atua na promoção desse território, fora dos grandes centros, em termos de oferta laboral e incentivos?

Há distritos no interior do país onde não só o emprego tem vindo a subir como os salários estão a crescer acima da média nacional. Bragança, Viseu e Guarda são disso exemplo. Na Guarda e em Viseu o aumento do salário médio, de 2015 para 2023, foi superior a 42 por cento. Há indústria, há tecnologia, há inovação. E isso gera emprego qualificado e grande procura de talento.

Em todas as medidas de apoio à criação de emprego passámos a promover uma majoração em função da localização territorial. Quem abre uma empresa no interior, quem cria postos de trabalho no interior, quem contrata no interior e quem se desloca para trabalhar no interior beneficia de uma discriminação positiva.

Mas há uma medida que quero destacar: o programa Emprego Interior Mais. Temos, neste momento, sete mil pessoas abrangidas, incluindo o seu agregado familiar. Há alguns concelhos no Interior do país que não têm sequer esta população. Ter já a capacidade de atrair sete mil pessoas revela o quanto é importante continuarmos a promover políticas de discriminação positiva para apoio à fixação e à valorização de pessoas fora dos grandes eixos metropolitanos.

Nos apoios para trabalhar no Interior existem majorações específicas para ajudar na deslocação de membros do agregado familiar e até para a deslocação de bens para a nova habitação. O interior é oportunidade, é qualidade de vida, é uma vasta e riquíssima expressão de valores, causas e capacidades.

Que balanço faz da sua gestão à frente do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de Portugal?

Um balanço muito positivo naquilo que entendo ser a missão: melhorar a vida das pessoas. O emprego aumentou, o desemprego baixou e os salários cresceram. O salário mínimo teve um aumento de 62%, desde 2015, e, apesar disso, o seu peso no conjunto dos salários diminuiu.

Há mais população empregada, com maior remuneração média e melhores direitos. As pensões de reforma aumentaram acima da inflação. Os apoios sociais não deixam ninguém para trás nem em situação de vulnerabilidade.

Atravessámos a pandemia, que foi o maior embate das nossas vidas. Mas é recompensador lembrar que apoiámos 2,3 milhões de pessoas e 152 mil empresas. Salvámos empregos, mesmo com a economia parada.

A gratuitidade das creches é sem dúvida a grande medida que destaco. Promove a igualdade desde os primeiros anos. Ninguém terá diferentes oportunidades em função do berço. Isto é absolutamente transformador em termos de incentivo à natalidade, da libertação das Mulheres para o mercado de trabalho e da promoção da educação universal e gratuita desde a infância. Estamos a investir no futuro talento do nosso país.

A Agenda do Trabalho Digno e o Acordo de Rendimentos são outros instrumentos poderosos, construídos em diálogo social, de que me orgulho.

O combate à pobreza, principalmente à pobreza infantil, é outra das batalhas em curso. Assim como a aposta na valorização da economia social, a economia do cuidado, que emprega 300 mil pessoas em todo o país.

Uma força de trabalho essencial na prossecução da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, que nos coloca, mais uma vez, na dianteira da resposta aos desafios demográficos.

Tudo isto com um trabalho profundo de modernização e simplificação da Segurança Social, que é hoje mais rápida, mais próxima e mais eficiente na relação com o cidadão. Anos, meses e dias intensos, mas que valem a pena. Estamos a fazer a diferença na vida das pessoas.

Ígor Lopes

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