A E-Global entrevistou o Dr. Delfim Neves, proeminente político santomense, que chegou a estar detido após os incidentes de alegada tentativa de golpe em São Tomé e Príncipe a 25 de novembro.
Durante a entrevista Delfim Neves comentou os acontecimentos de 25 novembro, falou da sua carreira e o que espera para o futuro.
Tendo em conta os mais recentes acontecimentos em STP, qual é o entendimento do Dr. Delfim Neves sobre a alegada tentativa de golpe de Estado do passado dia 25 de novembro em STP?
DN – Antes de mais quero agradecer a oportunidade para dar o meu parecer sobre esta “tramóia”, que foi inventada para caraterizar os acontecimentos de dia 25 de novembro.
Aquilo que tem sido publicado, do lado do poder, não corresponde minimamente à verdade e à realidade da história. Se atentarmos às entrevistas de vários atores, políticos, civis e religiosos, verificamos que o Governo está a encobrir a verdade.
Desde logo, a primeira pessoa que vem a público dizer que houve assalto ao quartel, por meia dúzia de civis desarmados, e que a tentativa é de golpe de estado, é o próprio Primeiro-Ministro, que não é a pessoa mais indicada para caracterizar se houve assalto a um quartel militar, um quartel tem chefias que podem analisar se houve mesmo tentativa de assalto ao quartel.
Também não é a pessoa mais indicada para dizer qual seria o passo seguinte, no caso, um golpe de Estado. Até porque não há golpes de Estado num quartel, quanto muito, num quartel pode-se preparar um, mas para isso é preciso ter oficiais envolvidos.
Além disso, o PM disse que houve troca de tiros, mas ninguém apareceu ferido nem morto. Os mortos aparecem horas depois, e a causa de morte é tortura.
Devemos também ter atenção às declarações do ex Brigadeiro, Chefe de Estado Maior General que entretanto se demitiu. Ele disse três coisas muito interessantes, primeiro é que foi enganado. Por quem? Depois pediu desculpa à nação. Porquê? E disse ainda que as mortes foram encomendadas. Por quem?
A partir destas três questões é que se deve começar a investigar. Eu chamo isso de tramoia porque o próprio poder tem estado a dar tiros nos pés.
O PM até disse num primeiro momento que os militares foram heróis porque se não fosse por eles nem estaria vivo. Então mas aqueles civis foram lá para o matar? No quartel? Quatro civis desarmados?
Esta tentativa de golpe de estado ou de assalto ao quartel cai por terra a partir do momento em que matam o Arlécio.
Porque acha que mataram o Arlécio e como é que surge o seu nome durante o interrogatório dos supostos golpistas?
DN – Como é que surge esta ideia? Porque há um dos civis, dos quatro que foram ao quartel, e que foi torturado, que diz que o Arlécio é que os mandou para lá. E que o Arlécio lhes tinha dito que o Delfim Neves é que ia financiar. O Arlécio é acusado duas vezes, por ter enviado os homens e por lhes ter dito que eu é que supostamente ia financiar.
Ora, se o Arlécio não foi apanhado em flagrante delito, foi preso em casa como eu, e estava vivo, deveria ter sido conservado para testemunhar. Porque o mataram?
É preciso uma investigação de organizações independentes para apurar a verdade.
Quais são o tipo de organizações ou de investigações independentes a que se está a referir?
DN – Nós estamos inseridos em várias organizações, temos acordos judiciais e policiais. Essas organizações sabem onde ir buscar peritos a vários países do mundo, seja Nações Unidas ou CPLP, de forma a fazer uma investigação isenta.
Agora, se for uma investigação feita por encomenda pelo governo, não vai ser independente.
Foi de alguma forma pressionado durante o seu interrogatório, depois de ser levado de sua casa para o quartel?
DN – Eu fui levado de minha casa para o quartel sem nunca me explicarem o que estava a passar. Nunca me fizeram perguntas, também não tinham nada para me perguntar.
Acredito que se não fosse a intervenção das Nações Unidas para me levaram para a PJ, teria sido torturado e morto como os outros.
Que provas pretenderá apresentar futuramente em sede de eventual julgamento?
DN – Eu não sei que tipo de julgamento vai haver. Eu vou esperar, eu sou homem de paz, sou um homem pela justiça, acredito na justiça do Homem, quando transparente e isento, e acredito muito mais na Justiça Divina.
E mais tenho a dizer, se a investigação for transparente e honesta, vai-se concluir que foi tudo uma montagem, uma invenção.
Que pretenderá efectuar caso seja considerado inocente no que respeita ao alegado envolvimento na tentativa de golpe de Estado?
DN – Eu não estou muito preocupado com os processos posteriores, tudo no seu tempo. Eu agora quero que se esclareça a verdade, que fique claro que eu não tenho nada a ver com isto, e que o meu nome é incluído por ser um incómodo.
Eu sou um homem incómodo para o Governo. E como já lhe disse, o Arlécio também era, só que cada um na sua perspetiva. Eu sou um incómodo politicamente, e ele era um incómodo porque era uma pessoa agressiva, que pede sempre algo que nem sempre o poder pode dar, e quando pedia, pedia com muita agressividade. Foi sempre assim com todos os dirigentes.
O Governo tinha medo do Arlécio?
DN – Não é medo, mas é melhor “ter um cão mau ao seu lado” para o controlar, do que tê-lo do lado de fora. Ele e o Patrice Trovoada tiveram um frente-a-frente no facebook oito dias antes disto. Um ameaçou o outro.
Parece-lhe que a relação entre o PM e o PR possa ter ficado enfraquecida com este episódio?
DN – Não, não acredito, eles estão alinhados. Se houvesse uma intervenção isenta e transparente do Presidente da República, do Chefe de Estado do país, que se diz representar todo o povo santomense talvez se pudesse dizer que a relação foi beliscada. Mas não é o caso, estão bem alinhados.
O PR devia ter condenado a morte daqueles civis, e não condenou. A Constituição condena em qualquer caso a pena de morte, e aquilo foi pena de morte, foi eliminação sumária.
O PR tem de defender e respeitar a Constituição e não o fez, pelo contrário, disse que se aqueles homens foram ao quartel não deviam estar à espera de receber rebuçados. Palavras do PR. Quê é isto?
A oposição vai ter uma estratégia consertada para lidar com o que está a acontecer?
DN – Não posso dizer que vai haver. Neste momento até estou afastado aqui em Lisboa por razões médicas, por isso não posso dizer qual é a estratégia ou o que estão a planear.
Mas há uma coisa que eu concordo e que felicito, que é a oposição estar junta numa só voz, apelando à paz, à justiça e à segurança.
Têm-lhe demonstrado esse apoio a nível pessoal?
DN – Sim, têm-me transmitido. Ainda há poucos dias houve uma manifestação silenciosa de luto de todos os partidos da oposição. Esse é um gesto muito bom e simbólico.
O poder quer introduzir um clima de medo e de intimidação para fazer o mesmo que outros países têm feito. É através disso que ficam no poder 30 e 40 anos. É exatamente essa a estratégia.
Primeiro vem com a ideia de rever a Constituição, que eu até estou de acordo porque a Constituição é antiga e já foram identificadas algumas gralhas e incongruências. Mas na estratégia dele (PM) é apenas alterar a forma de governação, aumentar o poder, pôr um poder presidencialista. E nesse poder será ele a liderar.
E ele sabe que isso não vai dar enquanto tiver grandes opositores, que é o meu caso.
E porque foi esta “tramoia”, como lhe chamou, dirigida a si e não a outros opositores?
DN – Sabe, as sondagens às vezes intimidam. Se você for a qualquer café, ou bairro, fizer sondagens tradicionais ou cientificas em STP, vai ouvir que eu sou o grande adversário de Patrice Trovoada. Neste momento só há dois grandes líderes, Patrice Trovoada e Delfim Neves.
Se ele tem esta fúria de querer governar 20, 30, 40 anos, tem de me eliminar.
E quais são as suas aspirações politicas agora?
DN – Hoje não posso dizer quais são as minhas aspirações politicas. Enquanto não resolver esta questão e ficar bem claro a verdade. Só depois de ver clarificada esta situação, ficar bem claro o que aconteceu. Quando ficar decidido que STP vai continuar a fazer política da forma tradicional como tem vindo a fazer, em democracia, é que posso decidir o que fazer. Se não ficar claro, estou fora.
Quer uma destituição do poder atual?
DN – Não sou eu a pedir, eles próprios deveriam sentir que deveriam fazer isso. Num país sério, e que se diz democrático, o PM está em condições de governar? O próprio PR não deveria convocar Conselho de Estado e analisar se há condições de governação? Não o fez.
O próprio governo devia pedir um debate sobre o Estado da Nação. A oposição pediu o debate e eles chumbaram. Não estão interessados em que se saiba a verdade. O Governo de Patrice Trovoada não está em condições de governar o país.
E a população?
DN – A população está dividida neste momento. Aqueles que cegamente o seguem, como um culto, até porque ele tem um culto pela personalidade, um ego, e aqueles que estão na sua ancoragem para se manterem no poder, vão estar do lado dele, mesmo sabendo que não tem razão e que cometeu erros graves.
Mas a esses eu deixo um recado, cuidado, hoje está acontecer com os outros, amanhã vai acontecer com eles.
Então na sua visão esta suposta falsa tentativa de golpe de estado foi mal planeada?
DN – Não, não foi mal planeada. Foi bem orquestrada, foi tudo muito rápido.
O Governo tomou posse dia 14, eu tinha pedido substituição na semana anterior porque não queria estar na Assembleia, e não foi aceite porque não havia Comissão para dar o parecer. Só foi aceite na terceira sessão, na terça feira aprovaram, na quarta ia haver a substituição e na quinta à noite começa tudo isto.
É tudo planificado, na quinta feira eu já não tinha imunidade parlamentar, mas é na perspetiva deles, porque a substituição temporária de 15 dias não faz perder a imunidade.
Então com quê que eles não estavam a contar?
DN – Com as Nações Unidas que conseguiram fazer com que me mandassem do quartel para a PJ e com as imagens que vazaram.
Mas agora vamos aguardar o que a investigação vai fazer.
Nota: Todas as afirmações são da responsabilidade do interlocutor.