STP: Polémica entre Nossa.com e Governo sobre aquisição das ações da Companhia Santomense de Telecomunicações

A Nossa.com acusou o Governo de São Tomé e Príncipe de “má gestão da coisa pública” face à compra das ações da empresa brasileira Oi, que representam 51% do capital da Companhia Santomense de Telecomunicações (CST), pela empresa portuguesa Visabeira.

O veículo de investimento de capitais santomenses pediu a intervenção da Assembleia Nacional e do Presidente da República para que seja aberto um “concurso internacional para a seleção do melhor parceiro do Estado na CST”.

Em abril de 2019, a Nossa.com tinha manifestado interesse em participar num concurso internacional para aquisição dos 51% do operador maioritário.

Entre os argumentos apresentados pela Nossa.com, que na sua perspetiva a transação lesa os interesses do país, destaca-se “o preço anunciado entre os 5 e os 6 milhões de dólares americanos (4,3 a 5,1 milhões de euros)” (…) “valoriza a totalidade da empresa em menos 12 milhões de dólares americanos (cerca de 10,3 milhões de euros), quando é do conhecimento público que a CST vale, no mínimo, o dobro deste valor”, salienta o comunicado do grupo, a que a E-Global teve acesso.

Os promotores santomenses recordam que a receita anual da CST oscila entre os 14 e 15 milhões de euros.

Por outro lado, “a CST detém um investimento de mais de 18 milhões de dólares americanos (cerca de 15,5 milhões de euros) no cabo submarino de fibra ótica, infraestrutura que per si, já vale bem mais do que o montante em que a CST está a ser valorizada nesta operação”; o que representa uma “significativa desvalorização de um património público, uma vez que os 49% do capital social detidos pelo Estado Santomense, terão como referência o valor desta aquisição”.

Os representantes da Nossa.com entendem que estas circunstâncias exigiriam da parte dos decisores públicos, a “assunção do direito de preferência que assiste ao Estado santomense e, de seguida, proceder ao imediato lançamento de uma consulta internacional, para determinar o parceiro que melhor valorizaria a empresa, atendendo assim, às necessidades de investimento em infraestrutura de telecomunicações de modo a tornar-se, um agente de vanguarda da governação eletrónica e da digitalização do país”.

Perante o “ativo estratégico nacional” que a CST representa – apesar do negócio ser entre duas empresas privadas de cariz internacional – Nossa.com considera que o Estado tem a obrigação de: “salvaguardar o superior interesse nacional escolhendo por via de avaliação no mercado, o melhor parceiro para a CST e assegurar à empresa Oi o pagamento do valor solicitado por esta para correspondente a 51% que detém no capital da CST”.

Além disso, “conduzir com transparência o processo do concurso que resulte na alienação futura desta participação aos potenciais parceiros interessados, para que a diferença adicional entre o valor a pagar à Oi e o que estes potenciais interessados na CST possam oferecer, se traduza numa mais valia a ser utilizada quer na redução da dívida do Estado à CST, quer no investimento na digitalização do país ou, simplesmente, no aumento das receitas do Estado, num montante estimado em pelo menos 5milhões de dólares americanos (com base no que a Nossa.com e os seus parceiros internacionais estavam dispostos a oferecer para aquisição dos 51% do capital social da CST), valorizando o total das ações da CST em cerca de 20 milhões de euros”.

O governo, entretanto, esclareceu também em comunicado que “não está em causa, nem poderia estar, a venda da CST, nem a desvalorização do seu património”.  Porque “não se pode confundir a transmissão das participações sociais, isto é, ações representativas do direito de um sócio, que mais não é, do que a substituição de sócios ou entrada de um novo, com a venda do património da sociedade no seu todo”.

“À luz da lei e dos Estatutos da CST a OI, através da AFRIKATEL é livre de se desfazer quando e como quiser as suas ações. Todavia, por se tratar de uma sociedade que explora serviços de telecomunicações, ou seja, um serviço público de interesse económico e estratégico, as partes decidiram limitar, através do Estatuto a cessão ou venda das ações ao consentimento da outra parte da sociedade. Portanto, o Estado Santomense enquanto acionista da CST, não possui prerrogativas que lhe permita proibir um outro acionista de mobilizar ou vender as suas ações”, sublinha a nota do executivo.

A referida limitação mediante consentimento significa que “o Governo declara consentir a cessão ou venda das ações do outro sócio, dando assim a sua não objeção”. Caso contrário, ao exercer o direito de preferência, o Estado teria que adquirir as ações em causa, o que implicaria fazer a “mobilização financeira para o efeito o que só seria possível mediante a contração de um empréstimo público”. 

Ora, “por força do défice excessivo, o país encontra-se sob intervenção financeira do FMI e como tal impedido de contrair dividas”, argumentou o executivo, como a primeira razão para não acolher a proposta da Nossa.com.

Ainda nessa esteira, se o Governo comprasse os 51% das ações da AFRICATEL / OI para revendê-las a Nossa.com, estaria sim “perante falta de transparência na gestão da coisa pública”.

Outra, é que a proposta “não assentava em factos suscetíveis de assegurar o interesse público. Por se tratar de uma transferência de propriedade de mais de 10% do capital social, por comando da lei, esta entidade enquanto potencial cessionário teria que apresentar um projeto de cessão para efeitos de verificação das suas competências técnicas e financeiras, assim como das suas  referências e posterior aprovação ou recusa da cessão” conforme a legislação em vigor.

Na perspetiva do executivo, a entidade privada santomense deveria ter abordado diretamente a AFRICATEL/OI detentoras dos 51%, “apresentando a sua oferta de compra associada a um plano de desenvolvimento e modernização das telecomunicações em São Tomé e Príncipe devidamente sustentado”.

Ao cumprir esses requisitos o Governo, de acordo com a legislação e os Estatutos da CST, “teria certamente aprovado a proposta por se tratar de empresários santomenses que devem ser protegidos pelo Estado para o bem do país”.  

Como não está em causa “a cessão ou venda dos 49% das ações detidas pelo Estado na sociedade CST, e não tendo o Governo condições financeiras para exercer o direito de preferência, significa que o Governo está impossibilitado de impactar ou bloquear a vontade expressa do outro acionista de exercer um direito que lhe assiste de transferir as suas ações”.

O executivo conclui com uma nota de “repúdio às insinuações provenientes de quem pretende de forma propositada ignorar o ítem jurídico procedimental que deve presidir operações dessa natureza e que pretendem lançar desconfiança infundada na opinião pública”.

António Aguiar, porta-voz da Nossa.com, considera que “tudo não está perdido”.  Para Carlos Neves, vogal do Conselho de Administração da CST, é “mais uma polémica típica de nós, os santomenses. Nós sempre criamos problemas nesse tipo de situação. Não parece que seja bom para fazer avançar o nossos país. Não devemos politizar o que não é politizável. Isto é um negócio”.

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