São Tomé e Príncipe pretende, até 2030, injetar na rede 50% de energia de fontes renováveis. Até 2050, a intenção é acabar com a dependência de centrais térmicas.
As autoridades do país reuniram-se com vários parceiros que estão a apoiar projetos nesta área para melhor coordenar e acelerar o processo, nomeadamente o Banco Mundial (BM), o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Agência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).
Foi segundo o diretor de Recursos Naturais e Energia (DGNR) uma oportunidade para “falar francamente e colocar o dedo na ferida”, naqueles aspetos já conhecidos que devem ser melhorados, como o excesso de burocracia, morosidade.
“Algumas culpas foram claramente identificadas tanto da parte nacional tecnicamente, como do lado internacional com os intrincados procedimentos ligados aos projetos. Quanto mais tempo perdemos, maior será o problema que temos”, disse Gabriel Makengo, em entrevista exclusiva à e-Global.
Este responsável deu o exemplo do projeto de reabilitação da Central do Contador (norte da ilha de São Tomé) que começou em 2016. Um dos principais financiadores é o Banco Mundial. “Estamos em 2023, sem grandes resultados. Muita morosidade no processo. Concordamos que ambos os lados corrigissem os erros, para que não continuemos com o mesmo cenário, porque quem sai a perder com tudo isso, não é só o país, é a população”.
A situação energética no arquipélago continua instável e com crises cíclicas, em cerca de meio século de independência; o que não faz muito sentido, quando existem projetos com avultados valores já mobilizados para a implementação de diversas atividades com o intuito de melhorar as necessidades da população e promover o desenvolvimento. A energia é um pilar transversal a todos os outros setores e os Planos de Ação são emergentes.
“Decidimos planificar a execução dessas atividades e fazer reajustes daquelas que não tinham êxito para serem adaptadas às necessidades atuais. Temos de correr contra o tempo, com a disponibilidade financeira que existe e outros engajamentos futuros destes parceiros e não só, é para atender as necessidades da população, que não pode ficar sem luz”, insistiu Makengo.
As reflexões e a reprogramação em curso estão a ser feitas no contexto da transição energética. Os projetos são de curto, médio e longo prazo, combinando várias fontes de energia limpa, como a hídrica e a fotovoltaica, numa primeira fase e posteriormente, a oceânica, sem pôr de lado a biomassa, para as comunidades mais distantes.
Algumas decisões já estão tomadas. “No caso da Central Contador, cuja reabilitação poderia levar muito mais tempo em larga escala, vai ter um tempo mais reduzido, com outro tipo de performance e sairemos a ganhar coma a continuidade de uma central renovável hídrica e aumentando um pouco a sua capacidade atual, cerca de dobro”, explicou o diretor de Recursos Naturais e Energia.
Ainda em relação à hidro, os estudos de viabilidade técnica e económica estão prontos. O próximo passo, tanto para a ilha de São Tomé, como a do Príncipe inclui a reabilitação das centrais que foram desativadas e as mínis hídricas que começaram a ser construídas, como a de Bombaim, assim como outras já projetadas e fazem parte do mesmo pacote.
“Está tudo pronto para se lançar um concurso internacional, de modo que a empresa vencedora possa construir, operar e explorar durante um determinado período e depois entregar ao governo. Mas não queremos receber uma infraestrutura que esteja num estado obsoleto. As hídricas de Papagaio e de Abade estão neste ponto”, clarificou.
“Temos um projeto piloto numa escala considerável. Estamos a falar de 500 kw injetados na rede, baseado no projeto com o PNUD. A continuidade desta iniciativa tem uma segunda fase, que é da responsabilidade do BAD. Vai-se adicionar mais um 1.5 Megawatts no mesmo sistema fotovoltaico (PV) na nossa matriz energética”.
“Por outro lado, queremos avançar um pouco mais com o Banco Mundial, com uma iniciativa na região de Água Casada para a produção de um pouco mais de 5 megas para o nosso sistema. Está também previsto o envolvimento de produtores independentes. Vamos ajustar pequenas arestas, em função dos contratos existentes para que estejam alinhadas da melhor forma possível para responder às necessidades de abastecimento”, acrescentou.
Está igualmente previsto associar a tecnologia da biomassa, para tirar partido desta situação constrangedora com a grande quantidade de lixo que se produz no país.
“De acordo com a nossa planificação, entre 2030 e 2050, queremos aproveitar as potencialidades energéticas que existem no mar. Os resultados de estudos já realizados são muito animadores. Além disso, São Tomé e Príncipe foi escolhido pelos seus pares da comunidade de países insulares em desenvolvimento para uma experiência piloto, em que se vai construir uma central de 1.5 megas, sem qualquer custo para o Estado. A equipa envolvida no processo veio ao país para trabalhar e apresentar as atualizações a todos os “players” no setor da energia”, adiantou Gabriel Makengo.
Para remediar de forma sustentável a situação energética atual, enquanto estas ações não se concretizam, foram acertadas algumas soluções. Os parceiros comprometeram-se em fornecer algumas peças e consumíveis para a manutenção dos geradores das centrais térmicas e melhorar o seu funcionamento.
“Analisamos (também) a possibilidade de colocar tecnologia solar nos telhados dos edifícios públicos, ainda durante este primeiro semestre. Estamos a procurar incentivar, disciplinar e ampliar de uma forma organizada esta alternativa, também para motivar o setor privado a instalar esses sistemas”, declarou o responsável.
Contudo, as melhorias implicam a utilização de ferramentas ligadas à eficiência energética, como a utilização de lâmpadas de baixo consumo, que já estão no país há algum tempo, para serem instaladas nas casas de clientes. Porém, a sua execução está a pecar por lentidão.
“Sinalizamos os nossos parceiros em relação a este ponto. Há todo um pacote associado, que envolve sensibilização da população para entender as vantagens da utilização destas lâmpadas. Quando a população começar a ver os ganhos em relação ao seu esforço financeiro irá dar mais atenção a essas medidas de eficiência energética”, disse Makengo.
De acordo com os dados estatísticos, a utilização de energia elétrica tem sido incoerente. Há uma percentagem de consumidores que são clientes e outros que não. Utilizam a energia da rede da EMAE e não pagam, não respeitam nada e prejudicam o sistema com o roubo de energia. Tudo isso leva a perdas comerciais, com impacto nas receitas da concessionária de água e energia.
A solução passa pelo cumprimento das leis, responsabilizando cada um, para que entendam que a energia elétrica é um bem comum e as pessoas não podem estar a destrui-la ao seu belo prazer.
Por outro lado, “está em discussão a alteração dos métodos de cobrança, à semelhança dos que usam as empresas de telecomunicações. O saldo acabou, tem que recarregar”.
De notar, que há anos foram introduzidos contadores pré-pagos, mas o modelo ainda não está generalizado.
Tudo deve funcionar em cadeia. Implica reformas na EMAE para melhorar a sua gestão, reduzir as perdas de energia na rede de abastecimento, o pagamento atempado das faturas pelos setores da Administração Pública, que são os maiores consumidores e acumulam dívidas avultadas e a atitude responsável da população,
“A engrenagem do setor energético já estava em marcha, mas acelerou um pouco mais”, concluiu Gabriel Makengo.