O Ministério Público (MP) santomense acusou 23 militares, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e o atual vice-chefe do Estado-Maior, pela tortura e morte de quatro homens no assalto ao quartel das Forças Armadas em novembro último. Porém, o documento não dá qualquer pista sobre o mandante ou mandantes dos assassinatos, depois de estarem sob custódia militar.
De acordo com o despacho de instrução preparatória do MP que a e-Global teve acesso, Olinto Paquete, Armindo Rodrigues e o coronel José Maria Menezes são acusados, “em autoria material, por omissão, com dolo eventual” de 14 crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves e de quatro crimes de homicídio qualificado.
Paquete, pediu a sua demissão dois dias depois dos trágicos acontecimentos, argumentando que tinha sido traído pelos seus companheiros. “Tudo isto parece-me tratar-se de uma encomenda que obedeceu um plano que culminou (…) com divulgação de imagens de coisas que não tinha conhecimento”, disse na ocasião.
Para o MP aqueles três arguidos nada fizeram para proteger os detidos nem impedir as agressões e “sabiam que, com o seu comportamento omissivo, violavam deveres funcionais a que estavam sujeitos como militares, decorrentes do exercício das funções que desempenhavam à data, designadamente os deveres de proteção, de autoridade, de zelo e de correção” e “agiram de forma livre e consciente”.
“Não ordenaram a entrega imediata, após a sua detenção, dos detidos à Polícia Judiciária”, “ausentaram-se várias vezes do quartel” e “não deram ordens concretas para que cessassem as agressões e não se certificaram que as mesmas tinham cessado”, refere ainda o MP.
Os restantes 20 acusados, entre capitães, tenentes, sargentos e furriéis, são incriminados por “em concurso efetivo, por ação, com dolo direto” e em coautoria, de 14 crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves e de quatro crimes de homicídio qualificado e em autoria singular, de um crime de armas proibidas, engenhos ou substâncias explosivas.
O MP pede ainda a pena acessória de demissão das Forças Armadas para todos os acusados.
Arlécio Costa, Jullait Silva, Ezequiel Afonso e Gonçalo Bonfim faleceram em consequência de lesões na cabeça, tórax, braços e pernas e ferimentos nas pernas com as baionetas colocadas na ponta das espingardas automáticas Ak-47 das Forças Armadas, causando perdas abundantes de sangue. Os homens sofreram também “fortes dores no corpo em geral e um enorme desgaste e sofrimento psicológico”.
No despacho, o MP diz querer ouvir ainda 37 testemunhas, entre as quais o inspetor da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária portuguesa, Pedro Varanda, do assaltante sobrevivente Bruno Afonso, conhecido como ‘Lucas’ e do ex-presidente da Assembleia Nacional, Delfim Neves. Este inicialmente constituído arguido viu o seu processo arquivado pelo Ministério Público, por insuficiência de provas. O despacho agora deduzido encerra assim a instrução do processo relativo ao assalto ao Quartel do Morro.
As investigações contaram com o apoio de Portugal, a pedido das autoridades santomenses, que prestou apoio e capacitação técnica e de elementos da Polícia Judiciária, que integraram uma equipa mista juntamente com inspetores são-tomense.
Reações
Entretanto, as Forças Armadas de São Tomé e Príncipe (FASTP) não concordam com “determinados procedimentos e medidas adotadas pelo Ministério Público e o Tribunal durante a instrução do processo”.
Em Nota de Imprensa, o Chefe de Estado Maior das Força Armadas (CEMF) considera que nota de acusação do MP revela-se “ambígua e sem precisão jurídica” relativamente à tipificação criminal a cada um dos arguidos neles implicados.
“As FASTP farão a sua defesa técnica no processo com base na lei e nada mais”, sublinha João Pedro Cravid. E alerta: “Tendo em conta a forma como o processo vem se desenrolando, as FASTP apelam às autoridades judiciais que, nas fases subsequentes do processo, dite a justiça com verdade e precisão, sem ambiguidade”.
A Nota do CEMFA recorda que “a presunção de inocência é um princípio constitucionalmente salvaguardado”, pelo que as FASTP, tranquilamente continuará a seguir o processo, (…) augurando que “as entidades judicias igualmente procedam sempre, nos termos legais, sem pressão” (…).
A presunção de inocência foi também evocada pelo primeiro-ministro. Patrice Trovoada apelou a todos para “aguardar com calma, sem de novo entrar num ciclo de politizações e de aproveitamentos”.
As expectativas estão nos julgamentos relacionados com o alegado assalto ao Quartel do Morro e a tortura e assassinatos de quatro cidadãos e que ainda não têm data. Espera-se que o contraditório na próxima fase do processo clarifique as lacunas existentes nos despachos de acusação e como manifestou o presidente do MLSTP/PSD, Jorge Bom Jesus, permita identificar os “verdadeiros mandantes” do que a maior parte das forças da oposição qualifica de “inventona” e o seu trágico desfecho.