O anterior chefe do executivo anunciou que vai apresentar queixa-crime contra o Estado e o primeiro-ministro, Patrice Trovoada. E a bancada parlamentar do MLSTP/PSD vai pedir também um “debate de urgência” para se discutir o relatório da Polícia Judiciária subscrito também por um agente da Polícia Judiciária portuguesa.
Jorge Bom Jesus manifestou a intenção em conferência de imprensa ao reagir ao conteúdo do primeiro relatório divulgado pelo Ministério Público sobre os acontecimentos de 25 de novembro, em que é citado, como tendo tido conhecimento da preparação do alegado golpe, quando estava em funções e desvalorizou.
«Gostava de vos dizer de forma solene, que em nenhum momento a PJ durante as suas investigações me chamou para depor, prestar declarações ou clarificar algo. O mesmo se passa em relação à Procuradoria Geral da República. Portanto, eu pergunto, porque é que o meu nome estava nestes documentos?»
“Algo tão relevante, a PJ e com a participação desses técnicos portugueses e é isto que ainda continua a minha dúvida, colocam lá o meu nome, [e] não me chamam para dar pelo menos uma palavra? Isso parece muito misterioso. Parece quase uma encomenda”, considerou Jorge Bom Jesus.
O relatório afirma que “seria das mais altas esferas da Instituição Militar, pelo menos, desde o último trimestre de 2021, que preconizando a Alteração Violenta do Estado de Direito, o falecido Arlécio Costa estaria a preparar Ação Paramilitar. (…) O próprio Chefe de Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA)- Brigadeiro General Olinto Paquete lograra transmitir tal informação ao, então, Secretário de Segurança Interna, Subintendente João Alvim, tendo-a este outro partilhado, por um lado, com o então, diretor do Serviço de Informação (SINFO), Amílcar Godinho, de forma a que démarches atinentes à sua Análise e Avaliação de Risco que, por sinal, resultaria desvalorizado e, por outro lado, com o então primeiro-ministro da RDSTP, Jorge Bom Jesus”.
O nome do anterior chefe do governo, foi referido pela segunda vez, com idênticos protagonistas, como o Secretário de Segurança Interna e o CEMFA, “em data e ocasião não concretizada”, mas referente aos meses de agosto e setembro de 2022.
A versão é que o Arlécio Costa “viria doutrinando e recrutando vários civis e militares-Praças com perpetração de Ação Armada de natureza, até então, cabalmente indeterminada, salientando outrossim retransmitido, naquela data ao Chefe do Executivo santomense”.
De notar, que estas informações foram obtidas de forma indireta. Arlécio Costa, que chegou a ser deputado do ADI, pelo círculo do Príncipe, foi morto e não houve acareação.
“A quem é que interessa a morte e Arlécio Costa. Porque acabou-se por queimar os arquivos”, interpretou o líder do MLSTP/PSD.
«Não tive conhecimento em agosto e setembro de nenhuma preparação, nada na forja que indiciasse golpe de estado. Eu desafio a quem quer que seja para demonstrar o contrário», insistiu Bom Jesus de forma veemente.
No entanto, o ex-primeiro-ministro fez referência a pequenos trechos de um documento “de acesso reservado”, datado de 13 de setembro do ano passado, no período pré-eleitoral, sobre as “configurações de principais riscos e ameaças das eleições legislativas, autárquicas e regionais”; “Possibilidades e Probabilidades”; “Ações militares internas…há vários itens”.
Normalmente, em períodos eleitorais “é um documento que os Serviços de Informação preparam, porque há várias perturbações nessa altura, agitações sociais e vamos encontrar tudo isso aqui refletido”, esclareceu.
Também é criado um “comando operacional” para avaliar e prevenir eventuais riscos que podem pôr em causa o bom andamento dos escrutínios.
O referido comando envolve todas as forças de defesa e segurança, nomeadamente as Forças Armadas, o SINFO, a Polícia Nacional, a PJ e os serviços de bombeiros, que definem um plano para assegurar a defesa da população nacional e estrangeiros, incluindo observadores internacionais.
O documento, que é “genérico e circunscrito ao período eleitoral”, de acordo com Bom Jesus, indica “uma série de reivindicações sociais”, mas também um ponto sobre “elementos do ex-batalhão Búfalo e ligações com partidos políticos” e outros relacionados com “elementos descontentes das forças. Promoção e instigação política. Tipo de ações. Cobertura de ações subversivas. Emboscadas e elementos de partidos políticos. Ataques e sabotagens a locais de reuniões…”
“Esse tipo de documento nós remetemos geralmente a este comando operacional conjunto para monitorizar tudo isso. Em momento nenhum esteve espelhado algum golpe de Estado”, sublinhou.
Acrescentou que “não se reunia diretamente com o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, mas aquele tinha reuniões com o ministro da Defesa e com o Presidente da República que é comandante Supremo das Forças Armadas, com quem se reunia semanalmente”.
“Se por acaso houvesse algo que brigasse com a subversão da ordem constitucional, por via também do Presidente da República, ele poderia passar essa informação”, analisou.
O anterior chefe do executivo questionou ainda “se cabe na cabeça de alguém que um primeiro com responsabilidades iria permitir que isto acontecesse? Dar um golpe de Estado contra si mesmo?”. Porque, quando se fala de golpe de Estado, os visados são os representantes dos órgãos de soberania.
O ex-primeiro-ministro, porém, está disposto em “colaborar com a Justiça. Em qualquer momento, poderemos depois disponibilizar documentos como esses”.
Por outro lado, lembrou que após ter cessado funções a 11 de novembro, entrou o governo de Patrice Trovoada. O ministro da Defesa, Jorge Amado, foi reconduzido, a partir do dias 14, e com maior responsabilidade. O secretário-geral de Segurança Interna, Raul Cravid, entrou em funções dois dias depois. Os decisores intermédios como o diretor da PJ, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o diretor da SINFO, o comandante-geral da Polícia Nacional continuaram em funções.
“Se eventualmente houvesse uma tentativa de golpe de Estado e o primeiro-ministro, que era eu, não tivesse dado importância relevante, a partir do dia 11, as novas autoridades, o novo primeiro-ministro que continuou com todos os diretores dos serviços, não têm responsabilidades? As informações não foram passadas?”
“Foi uma falha tremenda das investigações deixarem o meu nome, para que uns e outros aproveitem para me difamar”, acrescentou.
Numa “live” através do Facebook, o primeiro-ministro afirmou que Jorge Bom Jesus “é criminoso, de uma baixeza jamais igualada como chefe de governo e devia responder por alta traição”,
Patrice Trovoada acrescentou que o antigo primeiro-ministro “fez incorrer em risco de vida centenas de inocentes, nomeadamente das próprias Forças Armadas e das forças de defesa e segurança”.
Bom Jesus respondeu, por sua vez, afirmando que Patrice Trovoada “é o maior destruidor de São Tomé e Príncipe […] É um bandido! É um criminoso! É um burlão! É um mentiroso! É falso! É cínico e o maior corrupto desse país e toda gente sabe”, recordando uma série de casos que estão a “apodrecer” na Procuradoria-Geral da República, entre os quais, dos catamarãs, 30 milhões, a sobrefaturação na aquisição do edifício do Supremo Tribunal de Justiça e da construção do novo edifício da AGER, .
O ex-primeiro-ministro santomense garantiu que vai avançar com processos na justiça contra o Estado e Patrice Trovoada.
“Eu estou a mobilizar advogados, porque vou tentar apresentar uma queixa-crime contra o Estado santomense por danos morais, atentado à minha imagem, bom nome, a minha honra e consideração. Mas também apresentarei uma queixa-crime contra o senhor Patrice Trovoada, que baseou nessas passagens desse documento [da PJ] para depois tentar denegrir e difamar-me”, afirmou.
O grupo parlamentar do MLSTP/PSD vai, por sua vez, pedir um debate de urgência no parlamento sobre o conteúdo do relatório feito em colaboração com agentes da Polícia Judiciária portuguesa, para se falar “olho no olho”.
Para Bom Jesus, “essa história [que vem no relatório] está muito mal contada”. Foi escrita para se encontrar um bode expiatório.
Enquanto isso, o presidente da República já tem na sua posse o relatório preliminar feito pelos peritos da CEEAC, que lhe foi entregue na cimeira da organização regional realizada no fim de semana, em Kinshasa, República Democrática do Congo.
Questionado pela imprensa ao regressar ao país, Carlos Vila Nova não fez qualquer comentário sobre o documento, que irá partilhar com o governo, justificando que ainda não o tinha lido.
“O assunto não foi abordado na reunião de alto nível, na medida em que não fazia parte da agenda do encontro”, disse.
Não se sabe, se o chefe de Estado vai facultar uma cópia do referido relatório às forças políticas e aos representantes dos outros órgãos de soberania.