Em conversa com o e-Global, três especialistas da área analisaram os prós e os contras do projeto que se tornará lei nas próximas semanas, para atualizar um país que nunca experimentou uma pressão demográfica tão intensa nas suas fronteiras.
Santiago – Após oito anos de discussões no Congresso, com poucos avanços e muitos atrasos, o Chile finalmente terá uma nova lei de migração desenhada em democracia, que substituirá o atual estatuto que data dos tempos da ditadura, mais concretamente o ano de 1975.
Apesar do documento constituir um avanço evidente em matéria jurídica e estar de acordo com as normas internacionais nesta área, existem dúvidas e receios fundamentados por parte das organizações de defesa dos direitos dos migrantes e das associações da colónia mais numerosa neste país: os venezuelanos, cerca de 400 mil cidadãos.
O que a princípio foi uma migração altamente valorizada pela sua formação profissional e/ou capacitação para o trabalho, isso mudou nos últimos tempos, já que várias vagas se atreveram a cruzar a fronteira por etapas não habilitadas, em territórios onde existem minas antipessoais; tudo para escapar da fome, da hiperinflação e da perseguição política ao regime de Nicolás Maduro.
Macarena Rodríguez, chilena Presidente do conselho do Serviço Jesuíta ao Migrante (SJM), conversou com o e-Global para partilhar os pontos de vista de uma das organizações mais respeitáveis na defesa dos direitos de todos os migrantes, refugiados e perseguidos.
“O novo projeto foi despachado para tramitação e está prevista a promulgação da lei pelo Executivo, uma vez que algumas objeções são feitas no Tribunal Constitucional, anunciadas por parlamentares”, explicou Rodríguez.
Para a Presidente do conselho do SJM, existia uma certa consciência de que a Lei atual, que data de 1975, estava longe das realidades de hoje. Vai criar-se agora o Serviço Nacional de Migrações, que contará com cobertura em todo o país e haverá um conselho ao mais alto nível, a fim de aprimorar a gestão desse processo.
“A realidade é que temos muitas pessoas a cruzarem a fronteira por travessias não autorizadas, o que permite as chamadas ‘expulsões a quente’ pelas autoridades. Já houve três amnistias para migrantes, nos anos de 1998, 2007 e 2018. Foram 60% das expulsões a ocorrerem nos últimos três anos, evidenciando restrições aos nacionais do Haiti e da Venezuela. Quando se cortam as possibilidades de amnistias, multiplicam-se as receitas das medidas não autorizadas”, explicou Rodríguez.
A especialista explica que a migração regularizada é conveniente para todos, em especial para o estado, pois seriam evitados abusos contra os migrantes, que não teriam direitos trabalhistas e, assim, o tesouro deixa de arrecadar impostos. “Isto é kafkiano: a plataforma para a realização dos trâmites não permite que os migrantes falem com nenhum funcionário e há indícios de falta de coordenação entre os órgãos que devem assumir. Nunca tivemos os níveis de atrasos administrativos de hoje, dos chamados ‘trâmites sem destino ‘Esse é o grande desafio que temos pela frente”.
Para os venezuelanos, o futuro já chegou
Patricia Rojas mora no Chile há nove anos e faz parte da Associação Venezuelana do Chile (Asoven). Em conversa com o e-global.pt, partilha as suas impressões sobre o que será a nova lei.
“Há avanços evidentes na validação e reconhecimento dos títulos universitários, além da proteção à mulher. No entanto, esse projeto está retrocedendo em termos de Direitos Humanos e participação cidadã, inclusive em relação ao direito de voto e benefícios sociais. Esperávamos um projeto de lei melhor, pois a dinâmica migratória mudou muito. Estamos confusos, porque poderíamos ter um projeto de lei melhor “, argumentou Rojas.
Para evitar que a questão dos migrantes venezuelanos se contaminasse com a dinâmica política cotidiana, Asoven realizou um ‘lobby’ transversal com todas as frações parlamentares. “A propósito, os venezuelanos já pediam vistos há mais de um ano. A situação é difícil, mas desde Asoven pensamos que um refugiado informado é mais difícil de transportar. Há um duplo critério. Por um lado, o valor da família é exaltado, mas, por outro, fecham-se as portas para a reunificação de filhos e avós com os seus pais no Chile”.
Rojas argumenta que os venezuelanos que chegam ao Chile por meio de etapas não autorizadas, chegam para fugirem de um país em ruínas, que não viveu nenhum conflito bélico ou catástrofe natural, mas que ultrapassa 36 semanas contínuas de hiperinflação, além da violação dos mais elementares Direitos Humanos.
“A migração é sempre positiva para os países de origem. Sou cautelosa e otimista, espero que com o tempo haja melhorias e as condições de jogo sejam niveladas”, concluiu Patricia Rojas.
Sensibilidade governamental
Isabel Massin faz parte da Comissão Presidencial para a Diáspora Venezuelana. Diz que depois de oito anos de trabalho parlamentar, esse avanço na matéria é alcançado, “embora a oposição tenha dado muita força à lei, com muitas correções. Esta é uma lei moderna, já que o Chile aponta para uma migração ordenada e segura”.
Em conversa com o e-Global, Massin destaca que a próxima lei vai prevenir o tráfico de pessoas e reforçar o quadro institucional, com a criação de um Serviço Nacional de Migração. Este serviço terá mais recursos e independência. “A Comissão Presidencial para a diáspora venezuelana foi criada em 2019 e depende do Ministério do Interior. O presidente Piñera tem uma sensibilidade muito especial a esse respeito”.
Massin admite que o encerramento do sistema de requerimento do Visto de Responsabilidade Democrática causou muita preocupação, uma vez que os tempos dos migrantes não estão ligados aos do governo. “Estamos a trabalhar para garantir a prorrogação dos passaportes. Devemos entender que a Direção de Imigração faz mais do que pode, pois estão sobrecarregados com o atraso que foi gerado em decorrência da pandemia [da Covid-19]”.
A conselheira destaca que a abertura mais expedita para os migrantes venezuelanos é a reunificação familiar dos residentes no Chile, com os seus cônjuges e filhos. “O desespero faz proliferar as máfias nas fronteiras, no território do norte do Chile, onde existem até minas antipessoal. Com a nova lei virá uma regulamentação, acho que a regulamentação virá na hora. Mas essa é uma lei exigente, que não torna a migração mais fácil”.
Fernando Peñalver
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[…] en Chile y forma parte de la Asociación Venezolana en Chile (Asoven). En conversación con e-global.pt, comparte sus impresiones sobre lo que será la nueva […]