Ecos do Líbano – Paulo Meneses, o Farol do Nejmeh – Primeira Parte

São quase quatro da tarde e o último treino do dia está prestes a terminar. No pequeno estádio Rafic Hariri, encontram-se alguns adeptos do Nejmeh, sentados nas bancadas de betão a observar os jogadores que disputam a bola em campo de forma incessante. Entre os jogadores, está o ‘mister’ Paulo. Membros da equipa técnica contemplam o treino e comentam com sorrisos: “o treinador está ali no meio dos miúdos.” O ambiente é intenso e altamente competitivo, com muito ataque mútuo entre os dois lados, ao som de instruções a elevado volume por parte do ‘miúdo’ de 45 anos; incansável, Paulo corre, grita em inglês e português, organiza o jogo e faz o ponto da situação do estado da equipa. Quando o treino termina, Paulo e os seus jogadores fazem alongamentos, trocam piadas e discutem aspectos de jogo que serão fundamentais para o próximo desafio: ir até à Arábia Saudita defrontar o Al-Zawra’a na competição da AFC (Confederação Asiática de Futebol). Antes do plantel sair do campo para os duches, Paulo dedica ainda alguns momentos para apontar detalhes técnicos a determinados jogadores. O tom é sério mas sempre acompanhado de uma palavra final de motivação e apreciação. Tudo em inglês, embora Paulo já esteja a praticar o Árabe Libanês falado, introduzindo um termo aqui e ali enquanto comunica com a equipa.

Entretanto, o campo vai sendo ‘invadido’ por crianças que vão fazer o treino de júniores. Ainda há tempo para pais e respectivos filhos pedirem para tirar uma fotografia com Paulo. O mister é, sem dúvida, a estrela do clube. O sol põe-se, com uma vista idílica para o Mediterrâneo, na zona de Manara (que se traduz do Árabe para ‘Farol’) onde se situa o estádio do Nejmeh. “A minha casa está em frente ao estádio”, indica Paulo enquanto é identificado e cumprimentado de forma entusiástica por gente local, adeptos do clube e não só.

Chegada ao Nejmeh

Paulo convida-me para tomar um café num estabelecimento entre o estádio e a residência onde vive com Matilde (a esposa, que conheceu em Espanha) e o filho de cinco meses, ambos regressados recentemente a Espanha. É para mim um mistério como Paulo chegou ao Líbano. A história é longa. Paulo começa pelo fim: o convite para treinar o Nejmeh depois de Paulo ter apresentado a proposta ao clube, que estava à procura de um líder que oferecesse um estilo de jogo que fosse ao encontro da sua identidade: dominante, ofensivo e atraente. “Os fãs aqui não querem só ganhar; querem que a equipa jogue sempre bem e que ganhe. Era isto que eles procuravam e portanto acabou por ser um casamento perfeito.”

Paulo chegou ao Nejmeh há menos de um ano, mas neste curto espaço de tempo conseguiu não só conquistar a taça libanesa, a supertaça libanesa, o segundo lugar no campeonato nacional (estando invicto em jogos oficiais no Líbano e esta temporada é líder na Liga Libanesa), a qualificação para a taça internacional AFC, mas também, e especialmente, o coração dos adeptos do Nejmeh. Adeptos esses que, segundo Paulo, “não gostam de perder, são muito emocionais, fervorosos e criam um ambiente fantástico no estádio.” Apesar da rivalidade acérrima entre os vários clubes no Líbano, há também um fairplay invulgar, raramente encontrado nas ligas europeias. “Lembro-me que íamos jogaram contra o Ahed, um clube rival, e um dos adeptos deles pediu para tirar uma foto comigo”, diz Paulo num misto de incredulidade e alegria.

Uma casa às costas

Apesar dos treinos serem efetuados no estádio do Nejmeh, clube fundado em 1945, a precariedade das suas infraestruturas obrigam Paulo e a equipa a jogar nos poucos estádios espalhados pelo Líbano que têm condições mínimas para albergar desafios de futebol. “Andamos com a casa às costas”, Paulo diz em tom resignado, realidade que se transfere também para o plano pessoal: “Nos últimos anos tenho estado mais emigrado do que a viver e trabalhar em Portugal.”

Apesar da longa ausência de Portugal, Paulo afirma que está habituado à realidade de emigrante: “Repara, eu saí para Espanha no final de 2011 para terminar a licenciatura na Universidade de Motricidade Humana através do programa de Eramus no INEF Madrid. Treinei equipas espanholas, vivi e trabalhei na Índia, no Laos e no Panamá.”

Paulo frisa que a natureza de ser-se treinador numa realidade tão competitiva resume-se a estar constantemente à procura de novos projectos e estar disposto a emigrar para permanecer relevante no meio profissional, rematando “lembro-me de uma frase do mister Cajuda: ‘a minha mala está sempre à porta.’ E agora com a situação da guerra aqui no Líbano ainda mais!”

João Sousa

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