“Mãe, não quero mais ser judia”, disse uma criança de 9 anos a Anne (nome alterado), citada pelo jornal Le Figaro. A frase desta criança reflecte o desespero de toda uma comunidade face à alarmante vaga do antissemitismo no país da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que conta com a terceira maior presença judaica do mundo, logo após Israel e os Estados Unidos.
Desde 07 de Outubro, foram registados em França mais de 1160 actos antissemitas, representando o triplo dos actos cometidos em todo ano de 2022. Estrelas de David e insultos racistas pintados em diversas fachadas de residências de franceses de religião judaica, inscrições com “interdito aos judeus” e “morte aos judeus” surgiram nos muros e nas montras de várias lojas. Cidadãos agredidos verbalmente e fisicamente por terem uma kippa, rabinos agredidos na rua e ameaçados de morte, espaços da comunidade judaica vandalizados. Um fenómeno que não atinge apenas a capital francesa, mas estende-se a Marselha, Lyon, Dijon, Bordéus, Toulouse, Lille, Caen entre outras cidades.
Por uma questão de segurança alguns franceses de religião judaica decidiram retirar a mezuzá da ombreira da porta das suas residências, tentando evitar serem identificados e vítimas de agressões físicas ou vandalismo. “Chorei quando fui forçada, para proteger os meus filhos e os meus netos, a tirar a minha mezuzá da porta”, disse Rachel (nome alterado) ao canal de informação BFM. “Eu não vou tirar a minha mezuzá”, disse Yaël, “no dia em que eu tirar a minha mezuzá quer dizer já não tenho mais lugar em França, mesmo sendo francesa”.
Vários restaurantes e supermercados Cacher, livrarias e lojas da comunidade judaica, decidiram fechar temporariamente, temendo serem alvo de actos antissemitas que poderiam por em risco a vida dos seus clientes. As sinagogas registam uma diminuição do número de fiéis no Shabbat. Nas escolas públicas e universidades há múltiplos registos de alunos e alunas serem tratados abertamente como “porcos judeus”, ameaçados e agredidos.
Uma “atmosfera antissemita” paira em França e o medo instalou-se no dia-a-dia. Clientes de aplicações como Uber decidiram alterar os seus apelidos que pudessem os identificar como judeus ou judias. Alteram também, ou simplesmente suprimiram, os apelidos tradicionalmente patentes nas caixas do correio.
A pandemia do antissemitismo em França ultrapassa hoje o que outrora foi um clube restrito de intelectuais negacionistas de extrema-direita. Encontrou um terreno fértil na galáxia da extrema-esquerda e manifesta-se sem reservas nem filtros, importando para França a problemática do conflito no Médio Oriente.
“F**** os judeus, violem as suas mães. Viva a Palestina (…) Nós somos nazis e orgulhosos de o ser”, cantavam oito jovens de nacionalidade francesa, de origem magrebina e subsaariana, na linha 3 do Metro de Paris, tal como testemunhou um vídeo publicado no X (antigo Twitter) a 1 Novembro, partilhado milhares de vezes, e cuja veracidade foi confirmada.
Entre os múltiplos exemplos públicos está o da manequim parisiense Warda Anwar, que a 2 Novembro, com o pseudónimo Haneia Nakei, publicou na sua conta Instagram um vídeo em que a mesma ironizava o inqualificável assassinato de um bebe israelita que terroristas do Hamas queimaram vivo num forno numa residência de um Kibbutz em Israel, atacado a 7 de Outubro.
No seu vídeo Warda Anwar diz ironicamente e sorrindo: “Interrogo-me se eles deitaram sal e pimenta, ou então tomilho (…) Qual foi o acompanhamento (…) Como é que fizeram o refogado?”. A publicação abjecta de Warda Anwar mereceu a atenção do ministro do Interior francês Gérald Darmanin que anunciou que a manequim parisiense será alvo de um processo por apologia ao terrorismo.
Uma das mais vivas e dinâmicas comunidades judaicas do mundo é hoje forçada a mergulhar numa funesta discrição e medos devido ao ressurgimento de ódios medievais em pleno século XXI, assistindo impotente a um fenómeno sem precedentes desde o período negro da ocupação nazi de França e do colaboracionismo francês na descriminação e deportação dos seus concidadãos.
“Interdito aos judeus e aos cães”, estava patente à entrada dos jardins públicos da Cidade da Luzes, Paris, durante a ocupação nazi. Inscrições que reaparecem descomplexadamente em 2023, em toda a França.
Dados do Centro Simon Wiesenthal de Paris apontam que os franceses de religião judaica constituem uma comunidade de aproximadamente 446 mil pessoas, representando cerca 0,67% da população de França. No entanto, mais de 41% dos actos racistas cometidos em França visam a comunidade judaica.
Mikael Cohn