A Irmã Paësie Phillipe vive há cerca de 25 anos num bairro que é a maior favela de Port-au-Prince, a capital do Haiti. A sua missão principal é cuidar de 2500 crianças de rua, protegê-las, alimentá-las, educá-las. Um dia destes, o telefone da religiosa francesa tocou. Do outro lado da linha estava o Papa Francisco. A irmã confessa que ficou emocionada. Escutou o Santo Padre a agradecer e a incentivar o seu trabalho. Mas o que mais a surpreendeu, diz, foi a voz do Papa. “Senti uma grande doçura e bondade…”
O rapto no dia 19 de Janeiro, numa movimentada rua da capital do Haiti, de 6 religiosas da Congregação de Sant’Ana, chamou a atenção do mundo para a violência descontrolada que se vive neste país das Caraíbas. A libertação das irmãs e de duas pessoas que as acompanhavam, cinco dias mais tarde, não fez esquecer a situação de risco em que se encontram os elementos da Igreja no Haiti e muito especialmente na cidade de Port-au-Prince, a capital.
É preciso coragem, talvez mesmo alguma ousadia para alguém voluntariamente continuar a sua missão neste país que tem alguns dos bairros, das favelas mais perigosas do mundo. Mas é aí que vive e trabalha a Irmã Paësie Phillipe. Há 25 anos que esta religiosa francesa enfrenta o medo procurando resgatar das ruas e da miséria crianças, centenas de crianças. A sua missão é notável e ganhou notoriedade quando recebeu um telefonema muito especial.
Eram 13 horas de sábado, dia 3 de Fevereiro. Do outro lado da linha estava o Papa Francisco. A irmã confessa que ficou emocionada. Ela escutou o Santo Padre a agradecer e a incentivar o seu trabalho. Mas o que mais a surpreendeu, diz, foi a voz do Papa.
“Senti uma grande doçura e bondade“, relatou, mais tarde, ao Vatican News. “Foi uma grande surpresa para mim. Quando meu telefone tocou, obviamente não esperava que fosse o Santo Padre. Ele deu-me uma mensagem de incentivo e agradeceu a minha presença junto das crianças. Assegurou-me as suas orações, o que realmente me emocionou“, disse a irmã. “É claro que imediatamente compartilhei a notícia com a minha comunidade, a minha equipa e alguns dos meninos. Isso trouxe alegria e esperança para muitas outras pessoas, porque a mensagem não era apenas para mim, era realmente um gesto para com as crianças e os mais pobres do Haiti“, acrescentou.
VIVER NAS FAVELAS NO MEIO DOS GANGUES
A irmã francesa tem-se dedicado de alma e coração às crianças desfavorecidas, aos meninos e meninas de rua da capital do Haiti. Em 2017, ela criou a “Famille Kizito“, uma estrutura que permite resgatar estas crianças a uma vida quase inevitável de pobreza e marginalidade através da educação. A irmã conseguiu criar algumas escolas que funcionam em alguns dos bairros da capital do Haiti que são verdadeiras favelas. É o caso de Petite-Goâve, Village de Dieu, e, muito especialmente, Cité Soleil, famosa pela violência presente em quase todas as ruas, todas as esquinas.
A irmã descreve como é a vida nestas favelas que são também, de certa forma, a sua casa. “Os gangues tornaram-se cada vez mais poderosos e não se encontram somente nos bairros pobres, mas em praticamente todos os bairros da capital e também em várias cidades do interior. Portanto, as pessoas realmente vivem com medo de serem atacadas a qualquer momento. Quando um gangue invade um bairro, todos têm de se salvar. Vemos pessoas a correr, com os seus filhos. As casas são incendiadas e isso paralisa completamente as actividades do país“, diz a irmã ao Vatican News. “E como as pessoas mais pobres vivem o dia-a-dia dependendo dos mercados, quando a situação piora, quando há violência nas ruas, tiroteios, barricadas, os mercados não podem funcionar. Isso aumenta muito a pobreza e a fome“, acrescenta.
A situação é constante. O rapto recente das seis religiosas foi um sinal de que ninguém está salvo no Haiti, de quem ninguém está acima dos bandidos que, de armas na mão, impõem as suas leis, as suas regras. “Quase todas as semanas novos bairros são invadidos e sempre que é assim milhares de pessoas precisam de fugir e, muitas vezes, não podem voltar para suas casas.” A insegurança é constante. As pessoas acolhem-se umas às outras como podem, partilhando os quartos, às vezes são 10 pessoas num mesmo quarto…. “É realmente complicado… Actualmente, vemos pessoas a dormir na rua com os seus filhos, algo que não existia antes em Port-au-Prince“, reconhece a religiosa francesa.
A CERTEZA DE DEUS NO MEIO DA VIOLÊNCIA
O rapto das seis religiosas em Janeiro em Port-au-Prince, e depois, no início de Fevereiro, o telefonema do Papa à Irmã Paësie Phillipe trouxeram o Haiti para a ribalta do mundo mas sublinhando, em simultâneo, o trabalho imprescindível e heroico da Igreja junto das populações mais expostas à violência e à pobreza. Que seria das crianças de rua da cidade de Port-au-Prince sem esse trabalho, sem a dedicação da Irmã Paëse? “Estariam realmente abandonadas à própria sorte e à pobreza“, reconhece a religiosa francesa. “O que aconteceria com elas? Só o Senhor sabe. Mas, há alguns dias, algumas mães disseram-me: ‘Irmã, se a senhora não estivesse connosco, estaríamos todos mortos’. Acho que estavam a exagerar um pouco, mas é isso que elas pensam, é isso que elas expressam. Às vezes até me pergunto como as pessoas conseguem sobreviver durante vários dias sem comer e privando-se de absolutamente tudo. O Senhor está presente. Acho que a resposta é esta: Ele está presente para elas. Ele pode estar presente por meu intermédio ou de alguma outra forma. Mas Ele nunca abandona os Seus filhos“, diz a Irmã Paësie Phillipe.
Paulo Aido – Fundação AIS