Figura incontornável da política maliana, apontado como um dos confidentes mais próximos de Assimi Goita, o presidente do Partido para a Refundação do Mali, e chefe do movimento paramilitar CPA (Coligação do Povo da Azawad), Mohamed Ousmane manifesta a sua opinião sobre o Mali qualificando de “muito positiva” a acção de Assimi Goita, garantindo que o Mali “não está isolado” e tece violentas críticas contra a França.
Como caracteriza o ambiente no Mali desde a chegada ao poder de Assimi Goita?
Mohamed Ousmane: A situação que prevalece no Mali, com a presidência do Coronel Assimi Goita, é muito positiva. Hoje, após cerca de dois anos, o Mali é um actor de peso no palco das grandes nações e num plano global. Qualquer que seja o sector, o Mali está a impor-se. Mas o que é mais importante é a refundação e reforma do cidadão comum maliano, graças a Assimi Goita, aos seus camaradas e todos que partilham a sua visão. Hoje os malianos estão tranquilos e maioritariamente agrupados e unidos em torno de ideais de dignidade, soberania e independência, a verdadeira independência.
Isto é muito importante, é uma conquista muito significativa que é preciso destacar no plano global. Num plano específico, hoje as nossas forças armadas crescem em termos de força, formação e manutenção, mas também em equipamentos e infra-estruturas que reflecte-se no moral das tropas. Na questão das reformas, o nosso país empenhou-se em reformas corajosas e extremamente importantes em todos os sectores.
Primeiramente no sector da Justiça e hoje dispomos de várias novas leis, que foram adoptadas pelo Conselho Nacional de Transição e promulgadas pelo chefe de Estado, que revolucionaram o nosso aparelho judiciário resultando no reforço do nosso sistema anticorrupção, que tornou-se mais eficaz e está agora apetrechado de legislação de prevenção da corrupção. Por exemplo, a lei que permite o congelamento de todos os bens e fundos de um presumível responsável de corrupção, roubou, desvio de fundos públicos, os bens do suspeito serão confiscados enquanto segue a instrução, é uma medida lógica que revoluciona o aparelho judiciário no quadro da luta contra a corrupção. Assim como dispomos agora também de novos instrumentos jurídicos, por exemplo, na luta contra a cibercriminalidade.
Igualmente no sector mineiro. Hoje o ouro maliano brilha para o Mali, e o nosso algodão, bem como os seus produtos derivados, tornou-se no nosso orgulho. Os nossos parceiros de hoje são escolhidos com base no paradigma do benefício equilibrado de ambas as partes. Hoje no nosso país ninguém tem o monopólio das parcerias, o mundo abriu-se ao mundo e o mundo abriu-se ao Mali. Terminou o monopólio da pequena França, sanguessuga que vive do sangue dos africanos, sejam eles negros ou brancos, muçulmanos ou cristãos, sejam eles arabófonos ou não. A França dá sentido hoje ao pensamento do General De Gaulle quando dizia “a França não tem amigos, a França tem apenas interesses”.
O Mali e todos os países africanos compreenderam que têm todo o interesse de defenderem os seus interesses. Posso afirmar com orgulho que com Assimi Goita e os seus companheiros o Mali ergueu-se e continuará a erguer-se. A batalha económica vai prosseguir, mas não se ganha num só dia, tal como a batalha da segurança não se ganha num dia. É necessário tempo e nós temos todo o tempo, se Deus quiser. O que os malianos já compreenderam e que é muito importante, é a necessidade de estarmos unidos e juntos e desenvolver uma nova classe política consciente dos desafios e que se comprometa a ser independente e assumir a soberania. Desenvolver uma nova sociedade civil, determinada também a projectar o seu país na via da independência e na soberania afirmada. Mas também contar com um exército digno do qual estamos orgulhosos e que está pronto para os desafios lançados pelo aparelho político do Estado unificador e que une militares e civis. O fosso da política francesa através do seu multipartidarismo e a sua democracia da divisão criaram um fosso entre os civis e os militares que nós temos de colmatar. Não existe sociedade civil sem os militares e não existem militares sem os civis, estes são filhos da mesma família, da mesma nação e de um mesmo povo com o mesmo destino. Estivemos distraídos durante meio século, mas hoje os africanos compreenderam. Numa só palavra, Assimi Goita é o exemplo da soberania redescoberta.
No plano político, a Junta no poder decidiu distanciar-se, e mesmo virar as costas, à França que a Junta responsabiliza do caos que vive o continente africano.
É preciso corrigir essa expressão e termo “Junta”. Se há uma Junta no mundo de hoje, é em França. A Junta francesa dirigida por Macron. No Mali temos um poder que tem toda a legitimidade e que é apoiado pela maioria dos malianos, contrariamente a França onde hoje a maioria dos franceses menosprezam Macron, que nem tem a maioria dos franceses com ele.
A geração de Assimi Goita é uma geração que aprendeu com as experiências infelizes que todos nós vivemos, no Mali e em África, no quadro das relações com a França.
Nós sabemos que a França manteve com o Mali, e com a África, relações quase incestuosas de uma ignomínia doentia até ao extremo, que provocou que hoje repugnássemos todos que pensam que a França é um parceiro. Um parceiro pressupõe algo de positivo. A França só esteve do lado negativo da história maliana e da história africana. Assim, é completamente inapropriado qualificar a França de parceiro. A nossa mais recente experiência foi com o golpe de Estado de Haya Sanogo.
Este Golpe de Estado também fora uma resposta a um mal-estar profundo social, com pano de fundo a corrupção à luz do dia, má governação, uma rebelião e actividade terrorista construída pela França e pelos seus aliados para destabilizar o Mali, o Sahel e toda a África. Foi neste ambiente que ocorreu o Golpe de Estado que chamamos Haya Sanogo e dos seus companheiros de 2012. Quando ocorreu este Golpe de Estado, os malianos que ainda não tinham a maturidade política necessária para apoiar esta situação e aproveitar para libertar o país, no plano político, diplomático e económico.
Nesse ano cedemos à chantagem da CEDEAO. Uma CEDEAO alimentada e cronicamente dependente de uma França colonizadora e predadora. Então, nessa altura, caímos nas armadilhas com acordos enganadores, compromissos de fantochada e aí ficamos com o regime de IBK que fomentou a corrupção e a dependência à dominação francesa. A pilhagem dos nossos recursos naturais, insegurança, terrorismo e todo o resto constitui o projecto da França no Mali e no Sahel. Esta é a nossa mais recente experiência, antes da geração Assimi Goita e dos seus companheiros e de todo o povo maliano que está determinado a ter o seu destino nas mãos.
A soma de todo o nosso passado, com decénios de imposição da corrupção como instrumento de governação, ingerência em todos os ramos e sectores, enfraquecimento intencional das nossas forças armadas, pilhagens crónicas, tentativas de partição do nosso território, transformou-se em revolta e na força da geração de Assimi Goita que, com o apoio da maioria dos malianos, está determinado simplesmente a proceder a uma ruptura total com as relações tóxicas, desvantajosas e desumanas com a França e as suas redes. Depois há esse grande ruído de que o Mali está a isolar-se. É um falso debate. O Mali não se isola de nada nem nunca será isolado. O Mali está aberto ao mundo, e o mundo aberto ao Mali.
A geração de Assimi Goita e Assimi Goita, para nós é mais que um homem, é uma visão e uma forma de agir. Consequentemente temos 25 milhões de malianos que são Assimi Goita. Por esse motivo desenvolve-se a denominada doutrina “Assimismo”. Esta doutrina é orientada e alimentada por três princípios que o chefe de Estado Assimi Goita lançou e foram apresentados pelo primeiro-ministro provisório Abdoulaye Maiga nas Nações Unidas, sendo eles o respeito da soberania do Mali, o respeito da escolha dos nossos parceiros e o respeito das escolhas estratégicas operadas pelo Mali e por fim a defesa dos direitos vitais da população maliana nas suas tomadas de decisão. Quando estes princípios são respeitados, o Mali está aberto a todos. Mas aquele que optar por não aceitar estes princípios, não terá lugar no Mali. O novo paradigma é de parceria aberta e de parceria equilibrada e benéfica para ambas as partes. Acabou a época da exploração feroz e da delapidação, tal como conhecemos com a França durante os decénios em que ela tinha o monopólio de tudo, exclusividade de tudo… isto já não é possível novo Mali.
Rompemos as nossas relações com a França, despachamos os seus órgãos de comunicação social, livramo-nos das suas forças armadas. Se um dia a França decide de mudar o paradigma e compreender que o Mali é um país soberano e compreender que não pode amar mais o Mali que os malianos, que não pode amar mais a África que os africanos, nesse dia nós poderemos falar com os enviados da França e ver conjuntamente como poderemos fazer algo de forma honesta, com sinceridade, respeito mútuo e que cada um ganhe. Isto é o que eu posso dizer sobre essa França e as nossas relações com essa Junta francesa.
O Mali entrou em desacordo com os países da CEDEAO, que decidiram isolar Mali. Qual é a estratégia para sair deste bloqueio?
Esta questão de isolamento do Mali é um falso debate. O Mali não se isola e o mundo não se resume à CEDEAO, além disso, o desacordo não é com a CEDEAO mas com alguns países da CEDEAO. Tal como o mundo não se resume ao Ocidente, o mundo é global. Hoje, no contexto actual, o Mali tem mais amigos que inimigos. Quando dizem que o Mali está isolado, eu pergunto: isolado em relação a quê? O Mali tem parceiros muito credíveis, muito fortes, muito poderosos e muito sólidos e o Mali tem reunido cada vez mais parceiros poderosos, tal como qualquer outro país o faria. Assim, o debate de um isolamento é um falso debate.
Abordando a questão da segurança, a segurança hoje é um todo. O Mali partilha o Sahel com vários países, entre os quais, a Argélia, Níger, Burkina Faso e a Mauritânia. Mas temos de considerar também a Líbia que constitui, até este momento, um problema para todos. A França, segundo o General Idriss Déby Itno, simplesmente fez o trabalho mas não garantiu um serviço pós-venda. É lamentável que ela foi capaz de destabilizar um país e o destruir, mas não é capaz de o estabilizar. Provavelmente a estabilização da Líbia não faça parte dos seus interesses, em todo o caso a Líbia continua a ser um problema. E sendo um problema, cada país tem de fazer o seu trabalho para que o Sahel se estabilize.
No Mali, desde 2012, estamos em guerra e apesar de mais de nove anos da presença potências estrangeiras, com a França à cabeça, a situação da segurança agravou e começou a atingir todos os países. Se o povo maliano não tivesse sido vigilante, hoje, provavelmente, não falávamos mais do Mali. Com o fortalecimento das nossas forças armadas a guerra está a ser ganha em locais que nunca imaginaríamos que um dia pudéssemos sair vitoriosos. Mas ainda há um grande trabalho a fazer porque é uma guerra assimétrica. Mercenários são pagos para colocar minas, gente é paga para atacar postos da alfândega, da protecção civil, da polícia. Isto é um reconhecimento meu de impotência. Mas apesar de tudo, eles são perseguidos continuamente e o inimigo regista frequentemente derrotas no nosso território, para além das enormes perdas de vidas humanas e de material. Todavia, para que haja segurança, é necessário que todos envolvam com seriedade assim como é necessário que haja sinceridade nas colaborações.
Cada um dos países do Sahel que citei tem de ser franco e sincero, e têm de deixar de brincar com o fogo. Hoje com a nossa capacidade de controlar o nosso espaço aéreo, não se pode fazer tudo tal como era feito no passado. A França não pode fazer como fazia antes, outros, para além da França, também não podem fazer como faziam antes.
Um país irmão como o Níger, que aceita acolher no seu território os inimigos do Mali, os inimigos do Sahel e os seus inimigos de África, com o pretexto da luta contra o terrorismo que o inimigo em questão construiu meticulosamente e continua a sustentar. Com este tipo de comportamento, teremos ainda muito tempo pela frente até que haja segurança. Mas o Mali não vai recuar e vamos avançar. Vamos proteger e defender o que temos, o Mali. No entanto, a paz e a segurança sairiam vencedoras se cada um dos Estados do Sahel jogasse um jogo limpo e deixasse de jogar onde estão a jogar mal.
Não vou citar nomes, mas cada um sabe o que está a fazer. Os países do Sahel têm um inimigo comum: é a França e o Ocidente. Assim, se os países do Sahel querem continuar a brincar com o fogo, vão queimar-se. O interesse de todos deveria ser que o Sahel seja pacificado.
Quando eu falo de insegurança, estou também falar dos Acordos de Argel. Toda a gente sabe que hoje os Acordos de Argel não os aceitamos conjuntamente porque há Estados que não são sinceros. Há Estados que manipulam algumas partes envolvidas, e eu não citarei agora nomes, mas no tempo oportuno sim. Se as pessoas não conseguem acabar com esta ambiguidade, então aí vamos começar a citar nomes. Chegou o tempo de os Estados, que não são sinceros e que manipulam algumas partes nos Acordos, em nome do narcotráfico, do terrorismo, e de todo o tipo de contrabando, ou mesmo pela feroz apetência pelos nossos recursos e riquezas mineiras, compreenderem que a vida humana tem mais valor que o ouro ou os diamantes. É fundamental que os países do Sahel sejam sinceros e que joguem um jogo limpo.