Mais uma vez, a Guiné-Bissau foi o teatro de um golpe de Estado (26.11) que, desta vez, suspendeu o processo eleitoral presidencial de 23 de novembro e transferiu para as Forças Armadas o centro de gravidade do poder político.
O poder foi assumido por um grupo de oficiais autodenominado Alto Comando Militar para a Restauração da Segurança Nacional e da Ordem Pública que impôs o General Horta Inta-A como Presidente de Transição e, num movimento que revela a busca de uma engenharia política híbrida, nomeou Ilídio Té como primeiro-ministro, figura identificada como um dos fiéis de Umaro Sissoco Embaló.
A arquitetura do Alto Comando agrega altos responsáveis como o Major-General Tomás Djassi, que entretanto foi nomeado chefe do Estado-Maior General, Major-General Lassana Mansali , Major-General Samuel Fernandes, Almirante Hélder Nhanque e Dinis N’Tchama, ex chefe da Casa Militar de Sissoco Embaló e porta-voz do Alto Comando que operou, de facto, na neutralização simultânea do Executivo, do Parlamento e da oposição.
Domingos Simões Pereira (DSP), presidente da ANP e líder do PAIGC, principal líder da oposição, foi detido, tal como outros dirigentes e funcionários eleitorais, enquanto o candidato independente Fernando Dias, que escapou à detenção, reclama publicamente a vitória no sufrágio do dia 23.
Apesar de ter declarado à imprensa francesa que tinha sido detido, Umaro Sissoco Embaló acabou por ser exfiltrado para o Senegal numa operação coordenada “sob a liderança pessoal” do Presidente senegalês Bassirou Diomaye Faye, que fretou uma aeronave para o efeito, retirando também do país colaboradores governamentais, diplomatas e observadores eleitorais, tal como confirmou um comunicado oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros senegalês.
A “ponte aérea” Dakar–Bissau cria uma dualidade inédita. Um Presidente de Transição, instaurado pelos militares na capital, e um Presidente deposto sob proteção política no país vizinho, com óbvias implicações para a disputa de legitimidades e para a margem de manobra de cada campo. Com a particularidade que o Presidente de Transição é um dos militares fiéis do Presidente deposto.
A CEDEAO respondeu com celeridade e firmeza numa sessão extraordinária por videoconferência do Conselho de Mediação e Segurança, condenando “nos termos mais fortes” o golpe, e decidindo suspender a Guiné-Bissau de todos os órgãos de decisão até à restauração plena da ordem constitucional, exigiu igualmente a libertação imediata e incondicional de todos os detidos e determinou que a ESSMGB continue a ajudar a proteger as instituições.
Reclamou ainda que a CNE apresente os resultados eleitorais e anunciou o envio de uma missão de alto nível (Togo, Cabo Verde e Senegal), reservando-se o direito de sanções ao abrigo do Protocolo de 2001 e do Ato Suplementar de 2012.
Internamente, o país vive paralisia institucional. Fronteiras temporariamente fechadas, reforço militar em pontos estratégicos de Bissau, relatos de perturbações nas comunicações e retração da atividade cívica.
Por sua vez, a Assembleia Nacional Popular (ANP) qualificou a detenção de DSP como um “sequestro” e apelou à intervenção urgente da comunidade internacional, advertindo para a escalada se não forem garantidas segurança e estabilidade.
Com Horta Inta-A como rosto do poder de facto e Ilídio Té na chefia de um Governo ainda por constituir, o Alto Comando procura simultaneamente controlar o aparelho de Estado e capturar segmentos civis afetos ao antigo Presidente, numa estratégia que pode dividir o campo pró-Embaló e, ao mesmo tempo, tentar conferir aparência de normalidade administrativa à transição militar.
Quem é Ilidio Té ?
Ilídio Vieira Té é um dos rostos emergentes da nova geração política guineense e figura central do círculo de confiança de Umaro Sissoco Embaló. Nascido em 1983, na região de Biombo, é dirigente do Partido da Renovação Social (PRS) e construiu a sua carreira sobretudo nas áreas da administração pública e das finanças do Estado.
Antes de chegar ao núcleo duro do poder, passou por cargos técnicos e de direção no aparelho administrativo, foi diretor de serviços no Ministério da Função Pública, chefe de gabinete do ministro da Função Pública e, mais tarde, secretário-geral do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Reforma Administrativa.
A sua ascensão política acelerou-se com a aproximação a Sissoco Embaló. Primeiro como secretário de Estado do Tesouro no governo de Nuno Gomes Nabian, depois como ministro das Finanças, cargo que assumiu em 2022 e no qual tornou-se no interlocutor-chave de parceiros internacionais como o FMI, conduzindo dossiers sensíveis para consolidação orçamental, reforma fiscal e gestão do património do Estado.
Em 2025, Ilídio Té reforçou o seu peso político interno ao assumir a função de diretor nacional de campanha da coligação No Kumpu Guiné, que apoiou a recandidatura de Umaro Sissoco Embaló nas eleições presidenciais de 23 de novembro. Após o golpe de Estado de 26 de novembro, o general Horta Inta-A, declarado Presidente de Transição por um ano, nomeou-o primeiro-ministro, mantendo-lhe simultaneamente a pasta das Finanças, numa decisão que confirma o estatuto de “homem de confiança” de Sissoco Embaló e lhe confere um papel-chave na configuração do novo poder saído da intervenção militar.
O traço de união entre o atual Presidente de Transição, Horta Inta-A, o novo Chefe de Estado-maior Tomás Djassi e o recém-empossado primeiro-ministro Ilidio Té é a fidelidade ao presidente deposto Umaro Sissoco Embaló.