Entrevista: “João Lourenço é pior do que José Eduardo dos Santos”, diz líder do Bloco Democrático 

Filomeno Vieira Lopes lider do Bloco Democratico BD Angola

Filomeno Vieira Lopes é líder do Bloco Democrático, um partido angolano que já esteve na coligação CASA-CE e que integra atualmente a Frente Patriótica Unida. O objetivo, diz claramente o dirigente, é tirar o MPLA do poder. 

O e-Global entrevistou Vieira Lopes nesta sexta-feira, 02 de agosto, para conhecer melhor o passado, presente e perspetivas de futuro do Bloco Democrático, bem como da Frente Patriótica Unida, e ficar a par sobre a situação que se vive em Angola.

e-Global: Gostaria de começar pela história do Bloco Democrático. Em que ano foi fundado e quais eram os seus pilares, os seus objetivos? 

Filomeno Vieira Lopes: O Bloco Democrático (BD) foi fundado em 2010. Em 2008 foi quando a Frente para a Democracia (FpD) se autoliquidou na sequência dos resultados eleitorais. E dois anos depois fundámos o BD, que agregou outras personalidades para além daquelas que já militavam na FpD. 

 Nós retomámos os objetivos que já tínhamos da FpD. O BD é praticamente um herdeiro, do ponto de vista político e ideológico, da FpD. Foi um reforço sobretudo de novas pessoas e, naturalmente, de contribuições. 

“Surgimos em 1991, no contexto do fim da guerra (…)” 

O BD defende um Estado de Direito, de liberdades, com direitos humanos garantidos. É um partido que sempre pugnou pela paz. Surgimos em 1991, no contexto do fim da guerra, onde lançámos um manifesto que era muito vigoroso no que diz respeito à manutenção da paz em Angola. Entendemos que se devem resolver os problemas pela via do diálogo. 

Porque é que o Bloco Democrático decidiu unir-se, em 2017, à Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE)? 

O Bloco Democrático tentou sempre encontrar formas de conjugar esforços, é a primeira lógica de coligação. Era preciso criar uma força suficientemente capaz de combater o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). 

Fomos nós que proporcionámos também, em 1992, a primeira coligação que houve em Angola, que foi a coligação Angola Democrática. Reuniram-se partidos com esta visão. 

Quando temos um partido (MPLA) que é uma força dominante, uma força hegemónica, que nunca deixou de ser um partido com laivos ditatoriais fortes e tentando sempre impor o partido único na prática, nós da oposição tentamos uma unidade política. 

A lógica do Bloco Democrático tem sido sempre a de criar uma grande força para ultrapassar o grande problema que nós temos em Angola, que é o facto de termos um Estado autocrático. E nessa altura (2017) a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) não estava disponível para uma coligação. Foi então em 2022 que houve condições e criámos a Frente Patriótica Unida (FPU). 

E o que levou o Bloco Democrático a sair da CASA-CE, em 2021? 

Foi sobretudo porque a CASA-CE não conseguiu manter a unidade entre todos. A corrente do Abel Chivukuvuku foi expulsa da CASA-CE e nós considerámos que não havia condições para formar algo mais forte que derrubasse esta autocracia que temos no país. 

“A CASA-CE não tinha força suficiente para integrar a UNITA no seu seio.” 

Foi nesse sentido que entendemos que devíamos estar num agregado maior, e os outros partidos da CASA-CE não queriam desagregar-se. Era necessário que se desagregassem para fazer esforços conjuntos com a UNITA. A CASA-CE não tinha força suficiente para integrar a UNITA no seu seio. 

Por consequência, o BD teve de sair. E foi para uma maior consistência (com a FPU), do ponto de vista da combatividade política, uma vez que a CASA-CE demonstrava uma certa fraqueza nesse aspecto, relativamente ao adversário principal (MPLA), o que não favorece o povo angolano. 

Considera que o Bloco Democrático ganhou mais com a saída da CASA-CE, ou perdeu? Como ficou a percepção do povo acerca do partido? 

Nós entendemos que ganhámos. Não só por nós, mas por aquilo que significa hoje a Frente Patriótica Unida. Tem representado uma esperança muito grande, porque as pessoas veem que um grupo da oposição tem unido forças consistentes contra o partido no poder. 

Não é a UNITA que está sozinha, e isto só por si ajuda no afastamento da ideia de que mais um partido único possa surgir em Angola. E a congregação de forças diferenciadas é algo extremamente bem visto pelo povo angolano. E naturalmente que isto tem visibilidade para o próprio Bloco Democrático. Tem acesso a uma maior massa do povo angolano, onde pode passar também a sua mensagem e ser melhor compreendida. 

Como vê o estado atual da CASA-CE, a aparente desintegração? 

Bom, nós não temos muitas notícias da CASA-CE. Há este facto de notar-se uma certa desagregação. Por outro lado, ouvimos o líder da CASA-CE (Manuel Fernandes) a tomar algumas decisões políticas que consideramos boas. 

Mas o grande problema é que a CASA-CE também caiu no obstáculo da nossa legislação angolana. Uma coligação eleitoral é considerada na Lei como se fosse um partido político, e isto cria muitos problemas, porque os partidos deixam praticamente de ter identidade própria, não se conhece a sua posição. 

O Bloco Democrático, quando entrou para a CASA-CE, defendeu que os partidos políticos não deviam perder a sua identidade. 

Já mencionou alguns fatores que levaram o Bloco Democrático a integrar a Frente Patriótica Unida. Pode indicar-me outros? 

O presidente Adalberto Costa Júnior (da UNITA) compreende a necessidade de haver uma força política que possa resolver o problema fundamental que nós temos em Angola. Precisa de ser construída uma força que consiga combater o poder instalado há anos, que desenvolva o país, e tem de haver o fator agregador. 

O BD tem sido bem acolhido pela FPU desde que entrou, em 2022. Achamos que a FPU está numa boa posição. 

Qual o futuro da FPU? Acredita que é mesmo possível vir algum dia a tirar o MPLA do poder? 

Com o ambiente que nós temos no país, quer a nível político, judicial e da comunicação social, não há definitivamente uma igualdade entre o partido no poder e a concorrência. 

No entanto, as pessoas vão começando a revoltar-se mais, entendem o que se passa, mesmo a nível constitucional. Contamos com essa pressão social, com o povo, para que a situação mude. 

E está ou não o Bloco Democrático em risco de extinção? Essa possibilidade foi levantada por Lindo Bernardo Tito, ex-deputado da CASA-CE… 

Nós só podemos entender isso à luz da situação do país. Estamos num país autocrático, e, desse ponto de vista, qualquer partido corre o risco de desaparecer, uma vez que os setores judicial e político estão dominados pelo poder. 

“Nós estamos num país com um pendor ditatorial extremamente forte e não é o normal numa democracia.” 

O MPLA tem todos os instrumentos na mão para fazer desaparecer os partidos. Quem legaliza os partidos é o Tribunal Constitucional, e o Tribunal Constitucional tem sido arbitrário. E há partidos que assim são eliminados. Os resultados eleitorais também não são independentes. Neste sentido, qualquer força política pode ser eliminada. Só assim podemos entender a afirmação de Lindo Bernardo Tito. 

Nós estamos num país com um pendor ditatorial extremamente forte e não é o normal numa democracia. Por isso pode impedir, a qualquer momento, que qualquer partido político exista. Mas o Bloco Democrático está confiante em bons resultados eleitorais em 2027 e está a trabalhar para isso. Tem crescido a nível de maior número de militantes e penso que, atualmente, terá mais do que 15 mil militantes (número avançado no final de 2023). 

Qual tem sido o ‘feedback’ da diáspora em relação à Frente Patriótica Unida? 

O ‘feedback’ é muito positivo. Em Lisboa tivemos recentemente um encontro com mais de 200 pessoas, notou-se bastante entusiasmo e esperança, sobretudo. 

No que diz respeito ao Bloco Democrático, temos conseguido passar a nossa mensagem no exterior. 

Vamos continuar a fazer os nossos contactos em Portugal com os emigrantes angolanos, para que a FPU possa mais uma vez, como já aconteceu, vencer as eleições no exterior, neste caso, em Portugal.  

E como descreve a relação, a nível político, entre Portugal e Angola? 

A FPU já esteve em Angola com o Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na altura do processo eleitoral. Em relações institucionais, ambos os países consideram que são boas. 

“(…) há muitos receios em Portugal de ir contra o poder em Angola (…)” 

Mas percebemos que há muitos receios em Portugal de ir contra o poder em Angola, não assumindo assim as violações de direitos e outras ocorridas no nosso país. É mais uma lógica de interesses do que uma lógica de valores. Naturalmente que isso afeta a relação entre povos, porque as feridas, quando começam a abrir-se, quem paga normalmente são os emigrantes, tanto num país como em outro. 

Volto a realçar que Angola não é um Estado democrático, é preciso que se veja isso e, portanto, as relações devem ter isso em conta e o diálogo deve ser abrangente. 

Como retrata a situação atual de Angola, na governação de João Lourenço? 

A governação de João Lourenço piorou a situação do país. 

A seu ver, João Lourenço é pior do que o antecessor, José Eduardo dos Santos? 

Sem dúvida. João Lourenço é pior do que José Eduardo dos Santos. É como se fosse uma continuação. João Lourenço não trouxe nada de novo, usa todos os instrumentos ditatoriais que José Eduardo dos Santos usava. 

E o MPLA está a atravessar problemas internos (João Lourenço não é unânime dentro do partido no poder). 

Então e a bandeira da luta contra a corrupção que o Presidente de Angola tem realçado tantas vezes? Não é algo que se vê na prática? 

Não, não é. Não estamos melhor do que antes, antes pelo contrário. A luta contra a corrupção não tem tido efeito. E a situação em que estamos hoje em Angola foi consentida pela comunidade internacional. 

Também agora há a particularidade de que este combate contra a corrupção se faça combatendo uma parte deste grupo, mas preservando, digamos, a lógica das coisas. Não permite o desenvolvimento da democracia em Angola. Mas a comunidade internacional fecha os olhos a tudo isto. 

“O nível de pobreza quase que chega aos 50%, atualmente.” 

Não há melhorias no país. O número de pessoas que passam fome, por exemplo, é cada vez mais dramático. Houve um esforço até 2009 para combater a fome em Angola, mas a partir daí todos os programas contra a pobreza falharam. E quando o Presidente João Lourenço assumiu o cargo, em 2017, esses programas continuaram e continuam a falhar. O nível de pobreza quase que chega aos 50%, atualmente. 

Todas as promessas feitas por João Lourenço faliram. Não há emprego, não há desenvolvimento económico, a economia continua ancorada no petróleo, não há diversificação… E depois existe a repressão, porque o país não pode ser transparente. A corrupção é algo inerente ao próprio sistema. E há as violações sobre direitos humanos, há presos políticos em Angola neste momento. 

“A situação piorou e é por isso que todas as sondagens mostram que o nível de aceitação do Presidente é extremamente baixo.” 

As pessoas, sobretudo a juventude, têm saído do país porque querem liberdade e não a têm. Há dificuldades económicas de toda a ordem, há também uma degradação de serviços. Tanto do ponto de vista económico, como social, como político – porque não conseguimos resolver o problema de fundo da democracia, que é a independência dos poderes, o poder judicial está capturado também -, tudo isto estabelece crises internas no próprio poder judicial. 

Portanto, tudo piorou neste contexto. O Presidente João Lourenço apenas construiu umas infraestruturas que depois não são funcionais. Como, por exemplo, estarmos a instruir as pessoas nas escolas, mas depois, no final do dia, somos analfabetos funcionais. A situação piorou e é por isso que todas as sondagens mostram que o nível de aceitação do Presidente é extremamente baixo. Há um nível de rejeição muito grande. 

Há risco de um terceiro mandato de João Lourenço? 

Há, mas até dentro do próprio MPLA existem divergências. Já há candidatos no partido que dizem que vão concorrer à Presidência da República. Não existe um consenso sob a liderança de João Lourenço. 

E, constitucionalmente, não é possível, a menos que houvesse uma alteração constitucional. Mas com a divergência interna não haveria número suficiente de deputados para aprovarem. Mas as intenções de João Lourenço se manter no poder existem sim. Há é os impedimentos que já referi, que limitam esta pretensão. 

Cátia Tocha

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