A Comissão Europeia apresentou ao Conselho a proposta formal de assinatura e conclusão do Acordo de Parceria UE-Mercosul, um texto que visa transformar-se na maior zona de livre comércio do mundo, alcançando aproximadamente 700 milhões de consumidores. O acordo, concluído em 6 de dezembro de 2024, após mais de duas décadas de negociações, marca um “avanço estratégico” na cooperação entre duas das maiores forças económicas globais.
“ganho recíproco entre Brasil e Portugal”
A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, destacou os benefícios mútuos e o equilíbrio do acordo, com foco na equidade. Enfatizou salvaguardas robustas para proteger agricultores europeus, incluindo a proteção de mais de 350 produtos da UE por indicações geográficas, manutenção dos padrões sanitários e alimentares europeus e a imposição dessas normas aos exportadores do Mercosul. Estimou-se ainda uma poupança de 4 mil milhões de euros por ano em tarifas de exportação para empresas da EU.
“É um passo concreto no processo”, avaliou Otacílio Soares, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB).
Para este empresário, as relações Portugal-Brasil podem ser impactadas positivamente por esta iniciativa.
“A tendência é de ganho recíproco. Para Portugal, reduções tarifárias e menos burocracia favorecem sobretudo as PME exportadoras, já para o Brasil, amplia-se o acesso a um mercado exigente, com regras claras. A proteção de Indicações Geográficas ajuda denominações tradicionais e pode alavancar produtos portugueses no Brasil. Em cadeias de valor, o acordo incentiva a diversificação e dá mais segurança no abastecimento de matérias-primas críticas ligadas à transição verde. Tudo isso virá com maior cobrança socioambiental que premiará empresas que já cumprem boas práticas”, explicou.
Relativamente ao trabalho desempenhado pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, Otacílio avança que a entidade atuará como “ponte prática”.
“Já estamos agendando apresentações para os próximos meses com especialistas explicando sobre regras de origem, documentos e padrões sanitários/fitossanitários de forma objetiva para os associados e os seus convidados. Depois, em parcerias com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), por exemplo, ajudarmos na disseminação das informações relevantes, como guias setoriais: agroalimentar, vinhos/IGs, indústria, serviços, e um calendário de missões, em conjunto com as entidades brasileiras, para receber potenciais exportadores portugueses”.
Otacílio Soares sublinhou ainda o “ótimo relacionamento que temos com Federações das Indústrias e Federações do Comércio, bem como as Câmaras de Comércio Luso-Brasileiras regionais, que permitem que haja atividades proveitosas, traduzindo marcos em oportunidades comerciais e missões empresariais”.
“Essas frentes respondem diretamente às áreas que o acordo prioriza: Indicações Geográficas, PME, sustentabilidade e cadeias críticas”, destacou Soares.
De acordo com fontes ligadas às discussões do acordo, existem hoje dois pilares complementares no documento: “um político e de cooperação e outro comercial propriamente dito”.
Presidente do Brasil celebra decisão, mas faz “advertência”
O Brasil saudou o envio da proposta ao Conselho, numa conversa telefónica entre o presidente do país, Luís Inácio Lula da Silva, e Ursula von der Leyen, no início de setembro. Lula considerou esse passo “crucial” ao caminho da assinatura, idealmente na cúpula do Mercosul ainda este ano, e defendeu que “eventuais salvaguardas adoptadas pela UE respeitem o espírito do tratado”.
Esses dois líderes insistiram no caráter estratégico da parceria, no compromisso com o multilateralismo e metas ambiciosas de descarbonização em consonância com o Acordo de Paris. Lula apelou para que a COP30, a realizar-se em Belém, em novembro, seja a “COP da verdade”, com acordos concretos para a transição verde, apoio esse reiterado por Von der Leyen.
Especial destaque no acordo vai para os avanços em sustentabilidade, que inclui compromissos concretos e mensuráveis para deter o desmatamento, prioriza o Acordo de Paris como elemento central da relação entre os blocos, e estabelece o envolvimento ativo da sociedade civil na supervisão, especialmente em temas ambientais e direitos humanos.
As implicações são vastas, desde diversificação das cadeias de abastecimento, passando pelo apoio a empresas de todos os tamanhos, em especial PME, mediante “menos burocracia, segurança no fornecimento de matérias-primas críticas para a transição verde e estímulo ao investimento bilateral”.
Fontes defendem que “este passo reforça o alcance estratégico da União Europeia, reduzindo dependência de mercados como o chinês para recursos críticos, e também oferece ao Mercosul maior acesso a mercados sofisticados, com garantias ambientais e sanitárias prioritárias”.
Próximos passos
Segundo apurámos, o texto final, após revisão jurídica, será traduzido em todas as línguas oficiais da UE e submetido ao Conselho e ao Parlamento Europeu. Posteriormente, o pilar comercial poderá ser aplicado provisoriamente, enquanto o acordo completo requer ratificação de todos os Estados-Membros.
A expetativa é que o processo seja concluído ainda este ano, desde que “as salvaguardas e revisões sejam aceites e nenhum país bloqueie o caminho legislativo”.
“Este acordo retira o comércio do abstrato e estabelece uma ponte tangível entre normas rigorosas, como as cibernéticas, ambientais, sanitárias, e oportunidades reais de crescimento. Representa um pequeno passo para o Governo da UE e o Mercosul, mas potencialmente um gigante salto para a economia sustentável global”, defenderam essas mesmas fontes.
Ígor Lopes