Cabo Verde: A voz silenciada dos professores do Sal, 5 meses sem salário

A ilha do Sal, conhecida pelo seu crescimento acelerado e pelas suas paisagens deslumbrantes, esconde uma realidade silenciosa, mas extremamente dolorosa para muitos dos seus profissionais da educação. Há cinco meses, professores que dedicam as suas vidas ao ensino e à formação das futuras gerações vivem uma situação que os afasta da dignidade: o não pagamento de seus salários.

“Cheguei ao Sal com o coração cheio de vontade de ensinar e fazer a diferença. No entanto, após meses de trabalho sem receber o salário, toda essa motivação foi desaparecendo”, desabafa um professor que preferiu não revelar seu nome, temendo represálias. Ele sustenta o irmão, que estuda em São Vicente, e relata com tristeza as dificuldades que enfrenta. “Tenho meu aluguer atrasado, estou quase sendo despejado e já dependo de colegas para conseguir comida. Nunca imaginei que chegaria a esse ponto.”

A história dele não é isolada. Entre os educadores da ilha, o sentimento de impotência é comum. “Estamos a trabalhar duro, a dar o nosso melhor em sala de aula, mas não sabemos quando vamos ser pagos”, afirma outro professor, que descreve o clima de incerteza e desespero que tem se instalado nas escolas. Muitos deles vivem com o medo constante de não conseguir sustentar as suas famílias.

Com o custo de vida na ilha do Sal elevado, a ausência de pagamento causa um impacto devastador. Um professor de matemática, que também pediu para não ser identificado, compartilha: “Tenho três filhos pequenos e não sei como continuar a pagar as contas. Já estou a dever na loja de alimentos. Nunca pensei que a minha profissão, que sempre foi motivo de orgulho, me colocaria nesta situação de desespero.”

Os professores, que começaram a prestar serviço no início do ano letivo de 2024/2025, continuam a exercer suas funções com dedicação, mas a carga emocional é evidente. A qualidade do ensino, tão necessária para o futuro das crianças e adolescentes, é diretamente afetada. “Como é possível ensinar com tranquilidade quando não temos nem a certeza de como iremos sobreviver?“, questiona uma professora que há anos leciona na ilha.

Enquanto isso, o silêncio das autoridades pesa sobre os ombros de cada um. Os educadores têm apelado repetidamente por uma solução, mas a resposta ainda não veio. Embora alguns pagamentos tenham sido efetuados em novembro de 2024, cobriram apenas parte do ano letivo anterior, deixando o novo ano letivo de 2024/2025 sem qualquer remuneração. Cada mês sem pagamento representa mais dificuldades, mais dívidas acumuladas e mais sonhos adiados.

Mas, mais do que um simples pedido de remuneração, o apelo dos professores é por dignidade e respeito. Eles sabem que a educação é a base de qualquer sociedade, e que o trabalho que realizam é vital para o desenvolvimento do país. No entanto, a sensação de abandono os consome.

“O que queremos é muito simples”, diz uma das professoras com voz firme. “Queremos receber pelo trabalho que fazemos. Não estamos a pedir nada além do que é nosso por direito. Trabalhamos com amor e dedicação, mas precisamos que isso seja reconhecido com respeito e justiça.”

Uma das professoras, por sua vez afirma foi chamada com urgência para preencher uma vaga no Sal, conta como teve que tomar decisões rápidas e difíceis para atender ao chamado. “Fui chamada para vir o mais rápido possível, e quando disse que chegaria em uma semana, responderam que isso era muito tempo, tinha de ser mais cedo. Deixei meus filhos pequenos e a minha família, pedi ajuda a familiares para me acolherem e vim para o Sal. Cheguei numa noite e no outro dia já estava a trabalhar.”

Desde então, quase quatro meses se passaram, e ela ainda não recebeu um centavo. “Tive que alugar uma casa porque já não dava para ficar na casa dos familiares. Por mais de um mês, dormi no chão com apenas um lençol, até alguém me emprestar um colchão. Não tenho fogão nem panela, e me alimento de pão ou massa instantânea, porque aqui tudo é caro. O dinheiro que peço emprestado só dá para pagar o aluguer.”

Ela descreve a situação como “desumana” e fala sobre a incerteza que paira no ar, especialmente com o início de um novo ano sem pagamentos. “Todos sabíamos que até dezembro não haveria salário, o que, por si só, já é inaceitável, mas nos preparamos. Agora, entrar em janeiro sem receber nada torna tudo insustentável, e o pior é que não há qualquer certeza de quando seremos pagos.”

Na última quinta-feira, os professores reuniram-se com a delegada local para obter respostas, mas a esperança ainda é pequena. “Ela pediu que esperássemos até o dia 14 para dar uma luz sobre quando tudo seria resolvido, mas a resposta que recebemos foi que o DGPOG não atende às chamadas. Nós somos pessoas, não tarefas que podem ser deixadas para quando tiverem tempo. Precisamos comer e atender às nossas necessidades básicas; caso contrário, como poderemos estar aptos para dar aulas?”

A professora conclui com uma reflexão dura: “Têm pressa quando nos chamam para trabalhar, mas não oferecem o mínimo de recursos para sobrevivermos, quanto mais para trabalhar.”

Essa situação levanta questões mais amplas sobre o valor que a sociedade atribui aos seus educadores. A invisibilidade desses profissionais, que agora lutam para sobreviver, é um reflexo de uma crise maior, em que a educação, embora reconhecida como prioridade, muitas vezes não recebe a atenção necessária.

O futuro da ilha do Sal, e de Cabo Verde como um todo, passa pelas mãos desses professores, que continuam a ensinar apesar de tudo. Mas por quanto tempo mais poderão resistir? Essa é a pergunta que ecoa nas mentes de todos que compartilham essa dura realidade.

Se a educação é, de facto, o alicerce de um país, os que a constroem devem ser ouvidos, respeitados e, acima de tudo, valorizados.

2 Comments

  1. Júlio Fernandes

    Es gajos que estão sentados no poder de certeza que a família deles não estão a passar por nenhuma dificuldade e esquecem que eles ja foram alunos e professores e se quando eram professores eles passaram pela mesma situação penso que não então portanto paguem os salários aos professores e deixem de fazer bordel ok

  2. Eloisa de Pina

    Não é só professores de Sal, na ilha do Maio também estamos a passar pela mesma situação.
    O Ministro da Educação disse na TV que é uma minoria de professores que não receberam mas quero dizer ao Ministro da educação que essa minoria a que ele refere também tem família e são seres Humanos como ele.

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