Mergulhada numa instabilidade política há muito, sem uma classe política capaz de dar respostas, a Guiné-Bissau conheceu, nos últimos dez anos, diferentes realidades sociopolíticas que os cidadãos organizados acreditavam, ou acreditam, poderem conduzir estratégias para reclamar direitos e boa governação.
Nesse período, de 2015 até hoje, os guineenses têm tentado lutar para, fora do campo político, ter formas de pressão visando a mudança necessária. Ou o respeito às regras, ou a mudança de vida dos cidadãos. De 2015 a 2024, surgiram quatro movimentos. Uns contra o poder instalado, outros a favor, mas também aqueles que assumem querer distanciarem-se, mas que acabam por serem conotados politicamente.
Nasceram movimentos de pressão ou de defesa como, ‘O Cidadão’, ‘Bassora do Povo’, ‘MCCI’ e mais recente ‘Frente Popular’. Na sua primeira acção, a Frente Popular foi alvo de uma violenta reacção do poder político instalado que deteve e torturou manifestantes.
Estes movimentos, segundo os fundamentos na criação, visam defender o bem-estar da população e contra a desgovernação de que o país tem sido palco.
MCCI foi o que mais impacto teve nas suas acções, com a mobilização juvenil no país.
O regime liderado por José Mário Vaz, ex-Presidente da República, teve enormes dificuldades para enfrentar os mesmos e nem o recurso a detenções e espancamentos evitou que mantivessem a constante pressão à governação. O movimento fracassou quando, o regime conseguiu atrair alguns dos seus membros, colocando outros inclusivamente no aparelho do Estado.
A Frente Popular é a organização em foco na actualidade na Guiné-Bissau. O movimento é social e faz pressão sobre as decisões e decisores políticos. Esta organização como tem objectivo incitar as autoridades políticas a mudarem a situação socioeconómica e política do país. Porém, as estratégias e o modelo de luta, não são do agrado do poder político instalado.
Na sua primeira aparição pública, a 18 de Maio, a Frente Popular fez furor, não pelo número de pessoas mobilizadas na rua, que foi insignificante, mas por conseguir vacilar o poder que, numa só assentada, deteve 93 pessoas. As autoridades acabaram por libertar 84, mas nove permaneceram detidos, nomeadamente Queba Cassama, Gibril Bodjam, Mario da Silva, Malam Camara, Henrique Candė, Caetano Pina, Caetano Mbana, Camnate Νa Dua T-Na Man e o coordenador da Frente Popular, Armando Lona, investigador e jornalista, que foi torturado.
A defesa dos detidos interveio com uma acção judicial, mas as autoridades, em clara demonstração de força e de desrespeito às normas, não aceitaram a ordem do Tribunal para libertar os detidos. Foi precisamente esta atitude das autoridades, com a sua manifestação de abuso de poder, que propulsionou a Frente Popular e agora a deferência dos demais Movimentos.
A 18 de Maio o regime não autorizara a manifestação, perseguiu e deteve inclusivamente figuras que não apareceram no espaço de concentração. Os detidos foram torturados e as imagens expostas nas redes sociais, provocando o aumento da revolta popular. A Liga Guineense dos Direitos Humanos, que acompanhou os acontecimentos, não hesitou a expor a necessidade de “derrubar o regime ditatorial e corrupto”, segundo as palavras do seu Presidente Bubacar Turé.
No dia em que fez o pronunciamento público, a seguir as negociações frustradas para libertar os últimos detidos, Bubacar Turé reafirmou que, a Liga fará parte da luta iniciada pela Frente Popular e desafiou todos para saírem das suas zonas de conforto e “travar um regime que está a pôr em causa o Estado de Direito e a Soberania guineenses”.
“Esta luta ultrapassa qualquer interesse pessoal. É uma luta para salvar a Nação de um regime assaltante de poder ditatorial, que não respeita qualquer lei. Portanto, os nossos políticos devem sair das suas zonas de conforto para virem enfrentar essa luta”, afirmou.
O pronunciamento do Presidente da Liga é reflexo do grau de revolta reinante no seio dos guineenses sobre o procedimento do actual poder face a uma iniciativa pacífica que visava reclamar os direitos.
O confronto da Frente Popular com o regime está na eminência de arrastar outras organizações socioprofissionais.
No segundo dia da detenção dos manifestantes, a Ordem dos Advogados denunciou o que qualificou de arbitrariedade de “um regime que não tem, qualquer respeito pela lei e ordem”. A advogada, Saozinha João Malaca, como forma de protesto por ser impedida de ter acesso aos seus constituintes detidos na manifestação pacífica, queimou a sua carteira profissional.
“Quando não podemos exercer a nossa profissão, este cartão, pelo menos hoje, não serve. No dia em que voltar a respeitar, vamos pedir que nos reproduzam mais cartões”, disse fazendo alusão ao comportamento do Ministério do Interior.
As concentrações junto ao Ministério do Interior, a exigir a libertação dos restantes 9 detidos, não pararam. A 22 de Maio os membros da Frente Popular tentaram uma vigília em frente à sede da ONU, mas foram dispersados pela Polícia de Intervenção Rápida. Deslocaram-se para a Casa dos Direitos e na concentração denunciaram, a perseguição. No dia seguinte, Armando Lona, a pedido do Juiz de Instrução Criminal, deveria ser ouvido, mas o Ministério do Interior recusou-se a o conduzir para audição e no dia seguinte, o juiz decretou a sua soltura. Antes, a Polícia invadiu a Casa dos Direitos travando elementos da Frente Popular que preparavam uma concentração no Tribunal.
A diferença entre Frente Popular e as demais organizações assenta na sua estruturação e a dinâmica imprimida na luta. É constituída pelas organizações socioprofissionais e neste momento os sindicatos sociais estão na linha de frente.
Libertação dos activistas
Quando o Juiz de Instrução Criminal, junto ao Tribunal Regional de Bissau, ordenou 24 de Maio a soltura dos activistas detidos, precisou no seu despacho que “a detenção, é privar a pessoa da sua liberdade, mas esta privação da liberdade não deve extrapolar 48 horas, nos termos do art. 40°, n.º 1, da Constituição de República (CRGB) e do art. 183° n.º 1 do CPP, sob pena de ilegalidade ou abuso de poder, que podem dar ensejo ao manejo de Habeas Corpus, que é um remédio constitucional e processual penal consagrado para restituir a liberdade de quem este sofrendo das ilegalidades supracitadas”.
“Aliás, acrescentou o juiz, para que haja a manifestação popular, não depende da anuência e nem do consentimento da entidade estatal, basta mero conhecimento, porquanto a materialização dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais dos cidadãos, não dependem de outrem”, explicou precisando que “a liberdade de manifestação e de locomoção, faz partes do catálogo do núcleo duro dos Direitos Fundamentais Constitucionalmente consagrados, cujo seu exercício é inadiável e constituem normas exequíveis por si só”.