“Eles que comam bolo”, disse a influencer Haley ‘Baylee’ Kalil durante a Met Gala deste ano, numa referência à infame citação atribuída (erradamente) à última rainha francesa Maria Antonieta, catalisando ondas de indignação pelas redes sociais. Várias pessoas consideraram não só a citação mas a própria gala (cuja entrada custava 75 mil dólares por convidado) como uma manifestação de insensibilidade por parte das elites, numa altura em que os habitantes de Gaza estão a passar por uma crise humanitária sem precedentes, incluindo fome extrema.
Imediatamente após a Met Gala, milhões de utilizadores de plataformas de redes sociais – a maioria composta por membros da Geração Z (jovens nascidos entre 1997 e 2010) – decidiram organizar um movimento de boicote intitulado ‘blockout2024’, que consiste em deixar de seguir e bloquear páginas de Instagram e TikTok de celebridades associadas a Israel ou que se têm mantido em silêncio relativamente ao conflito, em Gaza, que conta com mais de 40 mil civis mortos.
Este movimento tem resultado coletivamente em perdas de milhões de seguidores e também em danos financeiros consideráveis para marcas associadas às celebridades. O blockout2024 – também chamado de ‘digitine’ ou ‘guilhotina digital’, referência à execução de Maria Antonieta, é o mais recente fenómeno online de solidariedade para com os palestinianos retidos em Gaza, numa fase em que o executivo de Joe Biden ameaça banir o TikTok, alegando sérias preocupações relativamente ao acesso de informação que o governo chinês poderá obter através da aplicação.
Ainda assim, vários ativistas pró-Palestina têm interpretado esta proposta como uma tática para limitar a comunicação online entre milhões de jovens investidos em apoiar os palestinianos (muitos dos quais têm tido as respetivas contas de Instagram com conteúdo sobre Gaza censuradas ou permanentemente suspensas pela companhia META, que controla o Instagram e o Facebook).
Entretanto, as redes sociais têm sido palco de inúmeras partilhas de vídeos e fotografias difundidos diretamente a partir de Gaza, onde os jornalistas internacionais estão proibidos de entrar, por parte de jovens palestinianos retidos na faixa. Muitos destes jovens, como Bisan Owda e Ahmed Hijazi, têm milhões de seguidores nas suas contas de Instagram e têm sido as vozes do povo de Gaza durante os últimos 7 meses, não só nas reportagens que efetuam diariamente nas zonas de guerra mas também no processo de humanização dos palestinianos, contrapondo com os estigmas sistematicamente propagados pela imprensa ocidental contra os Árabes, especialmente muçulmanos, durante décadas (nomeadamente desde os ataques em Nova Iorque no 11 de Setembro).
Uma nova forma de ativismo
A resiliência do povo de Gaza, nestes últimos 7 meses, tem também inspirado muitos jovens ocidentais a converter-se ao Islão. As redes sociais representam ainda uma poderosa ferramenta que permite aos membros da Geração Z exercer ativismo, o que tem tornado o movimento pró-Palestina cada vez mais dinâmico, em contraste com os meios de comunicação social tradicionais, que gradualmente têm inspirado pouca confiança entre os mais novos.
Mas não é só na frente digital que a Geração Z se tem revelado como protagonista fundamental na luta pelos direitos dos palestinianos. Nas últimas semanas, milhares de estudantes universitários pelo mundo inteiro têm organizado protestos e exigido o corte de relações corporativas e comerciais entre as instituições académicas e marcas com ligações a Israel, parte do movimento BDS – Boicote, Desinvestimento, Sanções, criado em 2005.
Estas manifestações, consideradas as mais significativas desde os protestos estudantis contra a guerra no Vietname, têm sido marcadas por casos de violência e brutalidade por parte das autoridades policiais contra estudantes, muitos deles acampados dentro das próprias universidades, e também académicos, solidários com os seus alunos, apesar dos riscos de serem suspensos ou demitidos.
A violência física contra os estudantes e professores não tem apenas vindo da polícia. Os movimentos de contra-protesto de jovens pró-Israel têm sido registados em várias universidades e, em muitos casos, com a complacência policial. Os contra-manifestantes têm ainda acusado os estudantes pró-Palestina de antisemitismo e radicalismo associado ao Hamas e Hezbollah, condenado o uso da expressão “Do Rio Até Ao Mar”, um mote utilizado para galvanizar a auto-determinação e libertação dos palestinos, mas que é interpretado pelos apoiantes de Israel como uma forma de sugerir a eliminação dos Judeus na região do Levante.
Contudo, um número crescente de ativistas judeus, alguns dos quais sobreviventes do Holocausto, como Norman Finkelstein, têm-se juntado à onda de indignação contra o genocídio em Gaza e contestado as acusações de antisemitismo entre os apoiantes pró-Palestina. “Ser contra o Sionismo não é o mesmo que ser contra o Judaísmo” e “apoiar a causa Palestiniana não significa necessariamente apoiar o Hamas” são expressões cada vez mais difundidas entre as hostes.
Independentemente das disputas na arena académica, a pressão dos estudantes pró-Palestina já gerou alguns resultados tangíveis e certas instituições universitárias prometeram adotar medidas no sentido de cortar ou limitar relações corporativas com o estado israelita, apesar deste processo de desinvestimento ser complexo e significar prejuízos financeiros de centenas de milhões de dólares para as universidades com ligações a Israel. Este programa de desinvestimento não tem apenas visado universidades. Ainda antes da onda de protestos dos estudantes, companhias internacionais de relevo associadas a Israel, como o McDonald’s e a Starbucks, registaram perdas financeiras colossais e o encerramento de centenas de estabelecimentos, desde o início da guerra devido aos boicotes globais.
Geração Z não está sozinha na luta
Durante a última edição da Eurovisão, milhares de manifestantes protestaram nas ruas de Malmö, Suécia, contra a participação de Israel na competição, devido aos atos de violência e crimes de guerra em Gaza, acusando a organização de dualidade de critérios após proibir a Rússia de participar no festival desde a invasão da Ucrânia, em 2022.
E apesar da lista de celebridades do Blockout2024 ser vasta, vários famosos têm-se colocado incondicionalmente do lado palestiniano, como o músico The Weeknd, que doou 2 milhões de dólares para ajuda humanitária em Gaza, ou os atores Mark Ruffalo e John Cusack, que usam regularmente as respetivas plataformas digitais para publicar conteúdo pró-Palestina.
Entretanto, o rapper norte-americano Macklemore juntou-se à luta lançando a canção de protesto intitulada “Hind’s Hall” (dedicada a Hind Rajab, criança palestiniana de 6 anos de idade assassinada pelas forças militares Israelitas, no início deste ano, e que chocou o mundo). Esta canção tornou-se viral nas redes sociais e alcançou estatuto de hino para os estudantes universitários, juntando-se à música de intervenção “Leve Palestina”, da autoria do grupo sueco Kofia, lançada em 1978, e recuperada em outubro de 2023, depois da invasão de Gaza.
Os jovens da geração Z, a primeira a crescer com a Internet e tecnologia digital portátil e que durante anos foram considerados como indivíduos sem rumo ou com limitada capacidade de concentração e foco, associado ao uso constante de dispositivos eletrónicos e exposição excessiva às redes sociais, acabaram por encontrar, no conflito de Gaza e na luta dos palestinianos pela sua sobrevivência, uma causa maior à qual estão cada vez mais dedicados. E a causa parece não parar de crescer.
João Sousa