Face ao regime imposto no Mali, via dois golpes de Estado, com uma presidência transitória chefiada por Assimi Goïta, que arrasta por tempo indeterminado a duração da transição, foi constituído no exílio um Governo civil de Transição, cujo Primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros é Mohamed Ag Ahmedou.
Natural de Tin-Aicha, na região de Tombuctu no Mali, Mohamed Ag Ahmedou, 38 anos, possui um mestrado em Ciências da Educação, assim como em Jornalismo e Ciência Política da universidade de Bamaco. É também líder de organizações da sociedade civil no Mali, nas regiões de Tombuctu e Taoudeni.
A 13 de Julho de 2024, Mohamed Ag Ahmedou assumiu o cargo de Primeiro-Ministro da Transição Civil no Exílio do Mali, substituindo Cheik Mohamed Chérif Koné.
A Transição Civil no Exílio do Mali foi criada a partir de uma associação política denominada Painel dos Democratas do Mali, com sede em Genebra, cujo presidente é Adaman Touré, que é igualmente o presidente da Assembleia dos Cidadãos da Transição Civil no Exílio do Mali. Mohamed Ag Ahmedou acumula também a função de vice-presidente da plataforma Painel dos Democratas do Mali, que organizou a Transição Civil no exílio do Mali a 18 e 25 de Maio de 2024, em Genebra.
Governo Civil de Transição no exílio defende, no seu projecto político, o federalismo democrático em todas as 20 regiões do Mali que terão a sua autonomia e cada uma com democracia directa. Ou seja, abandona o sistema de poder centralista herdado da colonização e que dera origem a 4 constituições obsoletas, e adulteradas pelos sucessivos golpes de Estado.
Defende também a supressão das eleições presidenciais e que o cargo de presidente seja um título honorário, com um mandato de um ano, que será atribuído aos líderes tradicionais de cada comunidade maliana. Pretende estabelecer um governo parlamentar com duas câmaras, em que primeira câmara deverá pertencer aos deputados democraticamente eleitos, que elegerão os membros do governo, chefe de gabinete, secretário-geral do governo e o Procurador-geral. A segunda câmara do parlamento será composta apenas por chefes tradicionais.
O Governo civil de Transição no Exílio pretende estabelecer uma transição civil parlamentar com um mandato de 5 anos que permitirá ao Mali empenhar-se e concentra-se na tarefa reconstrução e reorganização do modelo de Estado que defende.
O que levou Cheik Mohamed Chérif Koné a deixar o cargo de Primeiro-Ministro da Transição Civil no Exílio do Mali?
Mohamed Ag Ahmedou: O Cherif Koné é um grande magistrado que deu provas no Mali. Foi o primeiro a recorrer ao Tribunal Constitucional do Mali sobre a ilegalidade e ilegitimidade da junta militar liderada por Goïta. Contactou também a CEDEAO e a União Africana. Reconhecemos todos os méritos destas acções que o Cherif Koné esteve empenhado. Todavia, a maioria dos membros do grupo de transição civil critica o antigo Procurador-geral do Supremo Tribunal do Mali, o Cheik Mohamed Chérif Koné, pelo facto de não ter sido um unificador dentro da Transição Civil no Exílio, nem nunca se esforçou para conhecer os membros do seu governo ou do parlamento. Alguns membros do grupo considera que Cherif Koné não desempenhou correctamente as suas funções porque foi vítima de manipulação por parte de um elemento no interior do nosso governo.
A demissão de Cheik Mohamed Chérif Koné não será também resultado da rejeição do projecto que têm em comum desde a constituição do seu governo?
De facto, o Cheik Mohamed Chérif Koné rejeitou este projecto. Cherif Koné é um grande homem para nós, mas foi ele que não veio ter connosco e nos uniu e isso foi para nós um bloqueio que durou mais de um mês e meio.
O projecto da Transição Civil no Exílio é uma iniciativa de Adaman Touré, que é o presidente da Assembleia dos Cidadãos da Transição Civil do Mali no Exílio. Adaman Touré é também o 2º vice-presidente do partido político maliano “Dignitários das Instituições Nativas”. Adaman Touré entrou em contacto comigo através das redes sociais quando participávamos em debates políticos sobre o Mali, e, por carta, explicou-me o projecto que tem para o Mali.
Nesta carta, é claramente exposto que o objectivo da Transição Civil no Exílio do Mali é oferecer aos malianos um projecto de federalismo, o que Chérif Koné não queria, mas apenas nos informou da sua posição depois de já ter integrado este governo de Transição Civil no Exílio. Esta foi a principal razão pela qual retirou-se do deste projecto.
O que responde quando os seus opositores políticos acusam de estar a promover divisões?
Não estamos a promover divisões e nunca o faríamos, porque acreditamos que este projecto não nos pertence. Pertence aos malianos conscientes que a única alternativa hoje para combater Assimi Goïta e que deixe o poder é dar aos malianos um verdadeiro poder político credível. É isso que propomos e apelamos a todos os malianos para que se juntem a nós na imposição deste projecto à Junta. Este é o único meio de impedir que Assimi Goïta organize eleições em que ele próprio garantirá a sua vitória, tal como fez sem dificuldade Mahamat Déby, entre outros.
As autoridades da transição no Mali não dão sinais de pretenderem organizar eleições que permita o regresso à ordem constitucional. Que meios de pressão dispõe para exigir a organização de eleições livres e transparentes?
É precisamente devido à opressão das populações e das medidas políticas impostas que surgiram que justifica a nossa existência e necessidade de semear este projecto. Hoje somos apenas nós, mas amanhã seremos muitos mais.
As associações e os partidos políticos estão suspensos, para além do ambiente de segurança e da situação económica serem já catastróficas e insuportáveis para as populações. Exercemos muita pressão sobre a junta militar do Mali. Apesar de a Junta afirmar ter conseguido alguns resultados durante 3 anos, aproveita para doutrinar as populações incautas através de vídeos propagandísticos de YouTubers remunerados com fundos do Estado. O nosso Movimento de Transição Civil no Exílio está a desmascarar tudo, especialmente com o nosso serviço de inteligência e o secretariado responsável pelos direitos humanos.
No nosso deserto hoje existem apenas mercenários russos Wagner acompanhados por alguns dos nossos soldados. Eles estão a matar as nossas populações civis, destruindo os seus meios de subsistência e praticando actos comprovados de canibalismo. É um horror que como nunca conhecemos. Somos recentes na paisagem política maliana, mas temos boas cartas na mão, não revelarei todas, porque estamos a tentar dar as melhores respostas às questões mais difíceis sobre situação catastrófica no Mali, em particular, e no Sahel, em geral.
A impressão de ser pouco ouvido pelos potenciais parceiros internacionais, indica uma falta de estratégia de comunicação ou um simples desejo de escapar a qualquer controlo por parte dos doadores políticos?
O nosso principal desejo é que os nossos parceiros sejam, preferencialmente, malianos, porque muitos dos nossos compatriotas estão na mesma situação que nós. Precisamos inicialmente de incluir todos os malianos. Este projecto está estruturado, mas precisa dos malianos, intelectuais, técnicos e outros. Isto não significaria que não necessitamos de parceiros a nível endógeno e exógeno, mas isso exige uma demonstração de credibilidade e serenidade sobre a qual estamos a trabalhar.
Em suma, foi a situação catastrófica, a todos os níveis, no Mali que nos levou a assumir este compromisso face à tirania de um grupo de soldados que tomou o Mali e fez dos malianos reféns, confiscando as liberdades individuais e colectivas em todo o país.
O território do Mali está sob violenta pressão da Junta. Até as redes sociais são monitorizadas de perto pelo serviço de inteligência da Junta que ataca e prende arbitrariamente todos os que denunciam os abusos cometidos contra as populações civis nómadas no centro e nas regiões do norte do Mali pelos russos da Wagner e os seus representantes das forças armadas do Mali.