Entrevista a Nelson Vidal, português radicado no Equador, sobre a vida e a situação atual do país

Nelson Vidal chegou a Cuenca, no Equador, em 2014, uma estadia, que deveria durar seis meses a um ano, prolongou-se até hoje. Arquiteto paisagista, começou por trabalhar num atelier de arquitetura, e é atualmente o Chefe de Departamento de Áreas Verdes da empresa pública EMAC, em Cuenca, desde 2017.

“Em 2014 a situação em Portugal era difícil, não havia trabalho, não havia oportunidades, não havia perspectivas”, recorda Nelson, referindo que a adaptação ao novo país foi bastante fácil, “o facto de aqui, no Equador, não haver uma comunidade portuguesa, porque somos realmente poucos, facilitou a integração porque não havia outra opção. O idioma também não foi um obstáculo porque a gente entende-se bem com o espanhol e em poucos dias estava a falar e a escrever espanhol.”

A crise vivida no país vizinho da Venezuela tem levado vários lusodescendentes a emigrar para o Equador, mas Nelson relembra que a situação destes é mais parecida ao de qualquer outro emigrante da América Latina. “A sociedade equatoriana valoriza as pessoas que chegam da Europa ou da América do Norte. A minha condição de emigrante foi bastante facilitada por chegar aqui vindo de um país europeu”, refere o arquiteto paisagista.

Sobre os incidentes violentos da última semana refere que “as cidades mais afetadas por esta situação são as cidades da costa, Guayaquil e toda a zona à sua volta, a cidade de Esmeraldas também, uma cidade que fica na costa norte do Equador. Depois temos outras cidades como Quito, que não vive uma situação tão dramática como Guayaquil, e depois Cuenca. A violência é um bocado proporcional à importância destas cidades para o narcotráfico.”

“Temos agora uma rara situação em que governo, partidos políticos, sociedade, e as forças militares e policiais estão todos unidos”

Nelson Vidal

Sobre as causas para esta onda de violência, Nelson Vidal aponta a luta pelo controlo do tráfico de droga, por vários grupos, considerados terroristas pelo governo, e cujos líderes controlam o seu território a partir das prisões, “as prisões são dominadas por estes grupos, cada grupo domina a sua prisão basicamente, e os líderes destes grupos dominam o trafico de droga a partir das prisões”.

Para acabar com esta situação, o governo do Equador iniciou transferências dos líderes dos grupos para prisões de alta segurança. “É aí que os líderes destes grupos dizem que, como não vão conseguir dominar o trafico a partir da prisão, então é hora de sair. A violência começa quando um destes líderes, que ia ser transferido, levanta o seu grupo contra os guardas da prisão. Os outros grupos, nas outras prisões, vêem uma oportunidade e levantam também eles motins nas prisões. Quando se levantam os motins nas prisões, os grupos fora das prisões também têm de actuar, e é aí que começa esta violência nas ruas”.

O governo não cedeu a negociações e Nelson Vidal revela que “a população apoiou o governo e os partidos que estão na assembleia apoiaram o governo. Temos agora uma rara situação em que governo, partidos políticos, sociedade, e as forças militares e policiais estão todos unidos”.

A situação na cidade onde vive, Cuenca, está quase normal, embora se sinta “uma tensão no ar”. Sobre o futuro, o arquiteto refere que “o que se quer, o que queremos, porque sou parte da população, é a paz, para que depois nos possamos concentrar nos problemas do país, como por exemplo os temas económicos. Mas primeiro é preciso ter a segurança”.

O desapontamento surge quando se fala sobre o papel das autoridades portuguesas face a esta situação, “ser contactado por uma autoridade portuguesa parece muito irónico aqui no Equador. Eu recebo um email por ano do consulado português de Guayaquil com informação sobre o dia em que posso ir renovar o passaporte. É o único contacto as autoridades portuguesas que tenho. Nesta situação o mínimo que esperaria era que o consulado enviasse um email a perguntar a todos os portugueses se estão bem, era o mínimo, uma simples pergunta.”

O regresso a Portugal “não está descartado, mas a verdade é que, tendo uma vida estável aqui no Equador, não está nas perspectivas dos próximos tempos voltar para Portugal.”

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