“O amor nem sempre é suficiente para manter duas pessoas juntas. Às vezes, as circunstâncias decidem por nós.” É com essa reflexão que o cineasta cabo-verdiano Ivandro Cabral apresenta Last Call, a sua mais recente curta-metragem, que estreia esta semana no ELTE Film Festival, em Budapeste.
Com 18 minutos de duração e protagonizado por Nadine Tavares e Barnabás Bergendi, o filme narra o reencontro de Gabriela e Joseph, seis meses após uma separação marcada por distância, sonhos distintos e decisões difíceis.
A origem da ideia: “Começou com a minha história”
Em conversa com a nossa redação, Ivandro Cabral revelou que a ideia para o filme nasceu de uma vivência pessoal. “Last Call partiu de uma experiência pessoal que adaptei ao contexto em que me encontrava, tanto geográfica como emocionalmente”, partilha Ivandro. “Mas é uma história que muitos estudantes, emigrantes na diáspora podem viver — esse dilema entre amor e ambição, entre ficar e partir.”
O enredo nasceu de um relacionamento vivido durante a licenciatura do próprio realizador, entre Cabo Verde, Portugal e a Hungria. No filme, Gabriela aceita um emprego em Portugal em busca de estabilidade, enquanto Joseph vai para Budapeste estudar cinema. A relação termina, mas seis meses depois, Gabriela liga para ele: é a “última chamada”, marcada para um encontro breve, intenso e revelador.
Se, no plano narrativo, Last Call é marcado pela sensibilidade e introspeção, nos bastidores, o processo de produção foi tudo menos tranquilo. Mais do que uma narrativa sensível, Last Call é uma verdadeira vitória da produção independente. Realizado sem financiamento externo, o projeto foi custeado por Ivandro com recursos próprios, fruto de poupanças pessoais.
“Tive de cancelar e reagendar as filmagens quatro vezes. Chovia sempre nos dias marcados — e sendo um filme de verão, com luz natural, alegria, a chuva ia destruir o tom visual”, conta.
Além do clima, houve mudanças forçadas no elenco e na equipa técnica:
“O ator principal teve de ser substituído por questões de agenda. Depois de tantas mudanças de data, perdi metade da equipa. Fui atrás de novos técnicos, estudantes e amigos que acreditassem no projeto.”
O realizador enfrentou também dificuldades logísticas, como a perda de locações e o pagamento de multas por aluguer de equipamentos cancelados.
“Teve um dono de restaurante que achou que era só uma gravação de TikTok com telemóvel. Não entendia o que era cinema. Fui convencendo as pessoas, uma a uma.”
Escolha do elenco: representatividade e autenticidade
A escolha do elenco também foi guiada por uma intenção clara de representatividade. “Fiz questão de que a personagem Gabriela fosse interpretada por uma atriz cabo-verdiana. Queria alguém que entendesse o contexto emocional e cultural do enredo. Fiz casting com várias pessoas, ensaios, leituras, até encontrar alguém que encarnasse essa personagem com autenticidade. Nadine Tavares foi uma escolha certeira.”
No roteiro, há diálogos em crioulo e português, numa tentativa de preservar a sonoridade e a identidade linguística dos personagens, mesmo em cenário estrangeiro.
Em vésperas de estreia, Ivandro confessa estar ansioso para receber o feedback do público. Sabe que haverá reações diversas — e aceita isso com maturidade.
“Um filme, depois de lançado, já não é do realizador. Está aberto à interpretação. Alguns vão gostar, outros não, e tudo bem. O nosso dever é sermos fiéis à ideia que nos moveu desde o início. A única coisa que podemos controlar é o cuidado com que a história é contada.”
Last Call é, nas palavras do próprio autor, mais do que um romance: é uma reflexão sobre o que realmente sustenta uma relação. “Nem sempre amar é suficiente. Às vezes, são as escolhas, os contextos, as ambições que determinam o rumo. Gabriela e Joseph são reflexo disso. Espero que o público se envolva com essa jornada e, quem sabe, também se veja nela.”
Ao olhar para trás, Ivandro acredita que a grande força do projeto veio da equipa. Uma equipa que, mesmo sem orçamento, mesmo diante de inúmeros obstáculos, permaneceu firme. “Acredito que um bom filme não se faz sozinho. Precisa de gente que acredite, que esteja disposta a dizer ‘não’ quando for preciso parar, e que insista em manter a integridade da obra. É um exercício de diálogo, de escuta e de coragem.”
Sobre o futuro, o realizador é claro: regressou a Cabo Verde, porque quer contar histórias que reflitam a vivência, a identidade e os dilemas do seu povo. “Temos tantas histórias por contar. Precisamos deixar de esperar que outros contem por nós. Voltar para Cabo Verde e mostrar a nossa realidade, com autenticidade e respeito. O cinema também é isso — uma forma de ocupar o nosso lugar no mundo.”
Para os que sonham em fazer cinema, Ivandro deixa um conselho direto: “Tenham projetos, mesmo que ainda estejam no escuro. Persistam. Estudem. Criem. A maioria dos filmes não chega a existir porque ficam na gaveta. O desafio é tirar esses projetos do papel e prepará-los para o mundo. Nem sempre haverá apoio, mas é possível construir algo com o que se tem — desde que se tenha paixão, propósito e uma boa equipa ao lado.”
Anícia Cabral – Correspondente