Dias antes de ter participado, em Roma, na apresentação do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, o Arcebispo Sírio-Católico de Homs recebeu o “Prémio São João Paulo II”, que lhe foi entregue, no Vaticano, pelo Cardeal Kurt Koch. Na ocasião, D. Jacques Mourad, que chegou a ser raptado e a estar em cativeiro, em 2015, às mãos de terroristas do Daesh, defendeu “a necessidade vital”, para o nosso tempo, do diálogo inter-religioso.
O arcebispo Sírio-Católico de Homs, Hama e al-Nabek, na Síria, participou no passado dia 21 de Outubro, em Roma, no lançamento do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo. No evento, organizado pelo secretariado italiano da Ajuda à Igreja que Sofre, o prelado sublinhou a importância do diálogo como caminho para a paz e pediu à comunidade internacional para estar atenta ao que se passa na Síria. De facto, é preciso não esquecer que o regime de Bashar al-Assad caiu no início de Dezembro do ano passado e que há ainda uma enorme incógnita sobre os caminhos que vão ser trilhados pelos novos donos do poder em Damasco.
Após mais de uma década de guerra, com o país mergulhado numa profunda crise económica, e as famílias estranguladas financeiramente, muitas vezes mal conseguindo sobreviver, são cada vez mais os que procuram abandonar o país e isso tem fragilizado cada vez mais a já profundamente diminuta comunidade cristã. “Hoje, sentimo-nos estrangeiros na nossa terra”, afirmou Mourad. Calcula-se que cerca de 2,1 milhões de cristãos viviam na Síria em 2011, segundo estimativas da AIS, enquanto no ano passado esse número era de apenas cerca de 540mil.
“Nenhum dos esforços da Igreja Universal ou da Igreja local conseguiu conter a onda de êxodo, porque as causas não estão relacionadas com a Igreja, mas sim com a desastrosa situação política e económica do país. Não se pode parar uma onda de migração sem primeiro estabelecer um modelo de governo político bem definido na Síria e um sistema de segurança sólido”, explicou o arcebispo.
E isto, disse também, “é intolerável”. “Nos últimos 14 anos, assistimos a guerras, conflitos internos a multiplicarem-se no mundo”, afirmou ainda, lembrando que a situação na Síria “está muito complicada, porque concretamente não temos uma visão clara para o futuro”.
“Penso que a ideia da liberdade religiosa é muito importante, porque hoje o nosso país é semelhante ao Afeganistão. Ainda não tem o mesmo nível de violência, mas não estamos longe deles, dos habitantes de Afeganistão. E não falo só do problema da vingança. Há muitos outros tipos de pressões, perseguições no nosso país”, alertou.
“Nós temos esperança”
Na sua intervenção, o Arcebispo de Homs teve, no entanto, também, palavras de esperança. De uma esperança alicerçada na fé.
Nós temos esperança devido à nossa fé. E não me refiro à fé cristã, mas também à fé muçulmana. Realmente há uma esperança. A esperança vem da confiança. Se não tivermos confiança com a comunidade internacional, com o governo local, não teremos esperança. […] A nossa confiança é só uma confiança em Deus. E, por isso, o povo da Síria precisa de encontrar um local seguro, um local de paz. Se esta crise continuar, os cristãos continuarão a se dispersar no mundo, pois isso significa que a raiz do cristianismo que vem do Médio Oriente deixará de existir. Isso significa que a igreja já não estará conectada com a própria raiz. E isso é realmente importante.” D. Jacques Mourad
Na sua intervenção, o prelado teve ainda uma palavra especial de agradecimento para com os benfeitores e amigos da Fundação AIS espalhados pelo mundo. “Estamos gratos a vocês, queridos amigos e benfeitores da AIS, porque tornam possível aliviar o sofrimento dos cristãos necessitados e perseguidos na Síria e em todo o mundo. Que o Senhor abençoe o vosso trabalho, para que possam continuar a cumprir a vossa missão. Agradecemos a Deus pela existência da Igreja, que permanece como um lembrete para todos da ética da justiça e da dignidade humana como um valor supremo”, concluiu o arcebispo Jacques Mourad.
Prémio São João Paulo II
Dias antes da apresentação do Relatório da Fundação AIS, D. Jacques Mourad esteve também em destaque com a atribuição do “Prémio São João Paulo II”. Trata-se de um galardão “em reconhecimento aos méritos da sua vida, do seu testemunho de fé, amor cristão, diálogo inter-religioso e compromisso com a paz e a reconciliação”, referiu o Prefeito do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos na cerimónia de entrega do prémio que decorreu no Vaticano, e que contou com a participação de Andrea Riccardi, historiador e fundador da Comunidade de Santo’Egídio.
Citado pelo Vatican News, o Cardeal Koch agradeceu ao Arcebispo de Homs “pelo seu testemunho de vida e fé e lembrou as palavras de João Paulo II sobre a centralidade do diálogo ecuménico – que a Igreja deve respirar com dois pulmões, um oriental e um ocidental – uma convicção que caracterizou e continua a caracterizar o ministério do Arcebispo Mourad, que, sequestrado e torturado durante meses por terroristas do Daesh, não renunciou à sua fé e posteriormente tornou-se um apóstolo da reconciliação”.
D. Jacques Mourad agradeceu o prémio que estende ao trabalho espiritual, social e intelectual que a Igreja tem realizado na Síria. “Foi a Igreja”, disse, “que travou uma nobre batalha durante estes anos difíceis em toda a Síria, e hoje, especialmente na Síria, somos chamados, tanto cristãos como muçulmanos, a reconhecer e desenvolver os laços que nos unem”.
Paulo Aido e Xavier Burgos – Fundação AIS