Opinião: O Fim de Netanyahu ou o Início de uma Guerra Total?

Esta semana, o Qatar e o Egipto retomarão as negociações para um possível cessar-fogo em Gaza, iniciativa anunciada no início de Agosto, após receios de uma escalada na guerra no Médio Oriente, nomeadamente na sequência de uma possível investida militar do Irão contra Israel e respectivas consequências para a guerra em curso.

As primeiras reuniões tiveram lugar em Doha, no final da semana passada, e revelaram os primeiros passos efectivos para tentar colocar um fim às hostilidades entre Israel e o Eixo da Resistência, liderado pelo Irão. Tanto o regime Iraniano como o Hezbollah haviam prometido retaliações devastadoras contra o Estado Israelita após os assassínios do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerão e de Fuad Shukr, um alto comandante do Hezbollah, em Beirute.

Contudo, ambas as operações ainda não foram levadas a cabo, numa manobra estratégica orquestrada pelo Irão para colocar pressão sobre o executivo de Benjamin Netanyahu no sentido deste finalmente aceitar uma solução para o tão esperado cessar-fogo em Gaza – e por arrastamento, uma pausa nas agressões militares na fronteira entre o Líbano e Israel, que tem continuado quase ininterruptamente desde o dia 8 de Outubro de 2023.

Embora as primeiras impressões das reuniões ocorridas na semana passada no Qatar, que, para além do Egipto, envolveram também a participação dos EUA e de Israel, tenham indicado algum progresso, Netanyahu (que tem sistematicamente rejeitado todas as propostas de paz desde o início da guerra) exigiu alterações nos termos, fazendo com que o novo líder do Hamas, Yahya Sinwar, mostrasse cepticismo no desfecho pacífico deste processo.

Dados estes impasses, tanto o Egipto como o Qatar terão de contemplar alguns atrasos no desfecho das negociações e enfrentar ainda possíveis pressões por parte dos EUA, provenientes do apoio incondicional de Washington ao Primeiro-Ministro Israelita.

Esta segunda-feira, o Secretário de Estado Norte-Americano Antony Blinken terá uma reunião com Netanyahu, alegadamente para o persuadir a finalmente aceitar um cessar-fogo com o Hamas. Contudo, Blinken tem também apostado em reforçar o espólio bélico de Israel, tendo na semana passada autorizado a venda de 20 biliões de dólares em equipamento militar ao Estado Israelita – uma manobra que poderá indiciar objectivos opostos ao processo de paz.

Apesar do apoio incondicional dos Estados Unidos, confirmado pela Vice-Presidente Kamala Harris, que se tornou na candidata Democrata à Presidência desde a desistência de Joe Biden, Netanyahu encontra-se numa posição bastante delicada e com um futuro incerto pela frente.

Em mais de 10 meses, o Primeiro-Ministro Israelita não conseguiu derrotar o Hamas, foi incapaz de resgatar os reféns retidos em Gaza e não tem encontrado soluções para garantir condições para que mais 100 mil civis israelitas possam voltar às suas residências no Norte de Israel. Netanyahu tem também sofrido pressões internas consideráveis, com centenas de milhares de cidadãos israelitas regularmente a protestar nas ruas de Tel Aviv e a exigir a sua demissão.

Quase metade da população de Israel teme que o país mergulhe numa guerra civil, especialmente após os motins violentos à porta do campo militar de Sde Teiman, onde grupos de militantes de extrema-direita protestaram contra a detenção de oficiais do exército israelita que violaram sexualmente prisioneiros Palestinianos.

Economicamente, Israel está também a passar por uma das suas piores crises, com mais de 40 mil companhias a serem forçadas a encerrar os seus negócios e, devido à insegurança no país, o turismo tem estado em queda livre. Há cada vez menos investimentos internacionais no país e danos financeiros crescentes graças a movimentos como o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) que têm tido um impacto devastador na economia Israelita.

A reputação do Estado de Israel tem sido severamente afectada desde o início da invasão em Gaza devido aos inúmeros crimes de guerra e aos níveis de violência indiscriminada contra civis Palestinianos inocentes. Gaza conta com mais de 40 mil mortos confirmados, 2 milhões de refugiados violentamente forçados por Israel a fugir das suas resistências e registos de fome e surtos de doenças.

Netanyahu é visto internacionalmente como o maior responsável pelo genocídio em Gaza (especialmente graças à circulação constante de vídeos e fotografias dos crimes em Gaza através das redes sociais), com vários milhares de pessoas (inclusive judeus) a invadir as ruas de diversas cidades pelo mundo fora e a protestar contra o Primeiro-Ministro Israelita (frequentemente comparado a Adolf Hitler).

Esta frente estende-se ao plano legal, com o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Internacional de Justiça a acusar Netanyahu de crimes de guerra e genocídio e a exigir a sua detenção. Estas acusações são corroboradas por diversas organizações como a Amnistia Internacional, Human Rights Watch e a ONU, que têm condenado as acções criminosas do Estado de Israel contra civis inocentes.

Regionalmente, o Estado Israelita está cada vez mais isolado. Ainda no mês passado, oficiais da Jordânia acusaram Israel de ser um país perigoso para a estabilidade no Médio Oriente e uma entidade que poderá causar uma guerra total, caso continue a escalar o conflito.

No plano militar, e contra as recomendações da própria Mossad (que tentou persuadir Netanyahu a aceitar os termos de paz acordados numa reunião em Roma há 3 semanas atrás), o Primeiro-Ministro encontra-se também numa posição precária: apesar do apoio logístico dos EUA, Israel tem pelo menos três frentes de batalha (Irão, Hezbollah e os Houthis) que ameaçam causar danos devastadores a infraestruturas militares e civis em solo israelita caso haja uma guerra total.

Ainda na semana passada, o Hezbollah lançou um vídeo a exibir a existência de cidades subterrâneas dentro do Líbano com túneis que servem para circulação de veículos militares e com equipamento de ponta. Os Houthis, a partir do Iémen, têm continuado os seus ataques e a causar distúrbios nas rotas comerciais no Mar Vermelho (afectando também a economia dos Emirados Árabes Unidos). E o Irão, apesar de insistir que não deseja uma escalada no conflito, promete que, independentemente do desfecho das negociações de paz, irá efectuar uma retaliação militar contra Israel pelo assassínio de Haniyeh em Teerão no mês passado.

A iniciativa do Qatar e do Egipto em organizar a cimeira com o intuito de encontrar soluções definitivas para um processo de paz na região traduz-se numa acção desesperada para evitar o pior. Uma guerra total no Médio Oriente poderá representar uma catástrofe humanitária e económica sem precedentes para a qual ninguém está preparado.

No entanto, Netanyahu sabe que qualquer opção que passe por um cessar-fogo implicará o seu fim político; sem uma guerra na sua agenda, Netanyahu não terá mais para onde ir. A maioria do seu próprio povo deseja uma mudança urgente de regime. E os Tribunais Internacionais estarão à sua espera assim que a guerra chegar ao fim.

Será este o fim de Netanyahu ou o início de uma guerra total?

João Sousa

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