Um verdadeiro terramoto político abalou Bissau. A Plataforma Aliança Inclusiva (PAI – Terra Ranka), que venceu as legislativas de junho de 2023, foi impedida de concorrer às eleições gerais marcadas para 23 de novembro. A decisão não se deve a irregularidades nos documentos entregues, mas ao argumento de que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não dispõe de tempo suficiente para os apreciar.
Na noite de segunda-feira, 23 de setembro, três juízes conselheiros, incluindo o presidente do STJ da Guiné-Bissau, deliberaram que a coligação não poderá participar no escrutínio. A deliberação n.º 2/2025, aprovada por voto de qualidade do presidente, registou igualmente três votos contra. O plenário invocou a “impossibilidade objetiva” de analisar os dossiers apresentados. Na prática, os documentos da candidatura da PAI Terra Ranka não chegaram sequer a ser apreciados, por alegada falta de tempo.
A decisão gerou indignação no seio do próprio tribunal. Três juízes que votaram contra consideraram a medida incorreta e em violação dos prazos definidos pelo STJ, que apenas expiram a 25 de setembro. “Se o prazo de entrega ainda não terminou, como pode o plenário invocar falta de tempo para apreciar os documentos?”, questionaram. Acrescentaram ainda que, em nome do princípio da igualdade, não é admissível indeferir a candidatura sem notificar os mandatários e sem conceder as 72 horas legais para correções, prazo que, recordam, foi concedido recentemente à Plataforma Republicana “Nô Kumpu Guiné”.
A decisão que afastou a PAI Terra Ranka só foi possível devido ao voto de qualidade do presidente Arafan Mané, apoiado pelo vice-presidente do tribunal, João Mendes Pereira, antigo reitor da Faculdade de Direito de Bissau, e pela conselheira Cármen Lobo, que deslocou-se de Portugal para intervir exclusivamente nas questões eleitorais.
O país foi apanhado de surpresa. Espera-se que, ainda esta quarta-feira, a coordenação da coligação, liderada por Domingos Simões Pereira, se pronuncie oficialmente. Nas redes sociais, dirigentes da aliança acusam o poder de tentar forçar um cenário de instabilidade para abrir caminho a negociações que comprometam o processo eleitoral. “É absurdo negar a candidatura de uma coligação que venceu as eleições há dois anos, sem que tenha sofrido qualquer alteração na sua composição”, sublinham.
Segundo a própria deliberação do STJ, a PAI – Terra Ranka entregou os documentos a 19 de setembro, ou seja, oito dias antes do prazo final. A decisão de indeferimento da candidatura da Plataforma Republicana tinha sido comunicada no dia 18, tendo essa coligação beneficiado de 72 horas para sanar irregularidades e recebido a decisão final de elegibilidade apenas a 23 de setembro. Já a PAI Terra Ranka, apesar de ter entregado atempadamente, nunca recebeu qualquer notificação para suprir eventuais falhas.
No texto da deliberação, os juízes que aprovaram a exclusão escreveram que dispunham de 24 horas para analisar a candidatura e, em caso de irregularidade, notificar os requerentes, concedendo três dias para retificação. Esse procedimento, porém, não foi observado.
Os juízes vencidos denunciaram a existência de “dualidade de critérios” e de uma “grave violação de princípios fundamentais”, deixando em aberto um clima de tensão que ameaça marcar o arranque do processo eleitoral.