Guiné-Bissau: Tensão dispara e Sissoco Embaló já é referido como ‘Presidente cessante’

GB Sissoco Força Anti-Golpe

Guiné-Bissau está mergulhada numa das suas maiores crises políticas. A controvérsia sobre o fim do mandato presidencial de Umaro Sissoco Embaló tem aumentado de tom, e o risco de confrontação já não é excluído.

A tensão disparou após uma entrevista de Domingos Simões Pereira na qual manifestou-se disponível, na qualidade do presidente da ANP, para assumir a Presidência da República no dia em que terminar o mandato de Sissoco Embaló. Uma declaração que provocou uma multitude de reacções.

Constituída pelos partidos que em 2019 garantiram a candidatura de Umaro Sissoco Embaló, a Coligação API – Cabaz Garandi foi categórica no seu posicionamento, quando afirmou que neste momento “Sissoco Embaló é Presidente cessante” e a partir de 27 de Fevereiro será um “simples cidadão”.

Em conferência de imprensa, API Cabaz Garandi acusou Sissoco Embaló de “divisionista” e que “será o primeiro a provar o dissabor desta crise que a todo o custo quer instalar no país”, lançou Agostinho da Costa, Secretário Nacional da APU-PDGB e porta-voz da Coligação.

Do campo de Sissoco Embaló, as reacções têm sido parcas e subliminais com um aroma de ameaça de recurso à força. O Governo, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, avançou que a 28 de Fevereiro o Executivo irá apresentar ao chefe de Estado uma proposta para a marcação das eleições entre Outubro e Novembro de 2025. Uma proposta rejeitada pela oposição que lembrou que esta matéria não é de competência do ministro citado e os partidos políticos, por força da lei, têm de ser consultados.

Vinte e quatro horas depois da declaração de Domingos Simões Pereira, o Secretário de Estado da Ordem Pública, José Carlos Macedo, durante um comício, reagiu qualificando todas as ameaças da oposição ao regime como “fantochadas” e garantiu que depois de 27 de Fevereiro “Sissoco Embaló continuará no poder”.

“Mas como estamos aqui, vão todos acompanhar. Outra coisa pode falhar, mas o dia 27 de Fevereiro há de chegar e vocês não vão sentir o ruído deles”, sublinhou José Carlos Macedo acrescentado que “a partir de 25 de Fevereiro, as forças de defesa e segurança estarão em alerta”.

Umaro Sissoco Embaló ainda não se pronunciou sobre a disponibilidade manifesta por Simões Pereira. Regressou ao país a 29 de Janeiro, quando estava ao rubro o debate em torno da entrevista do Presidente da ANP, mas o chefe de Estado optou pelo silêncio, como meio de minimizar o impacto das declarações.

Juridicamente vive-se também uma batalha das interpretações e releituras da Lei nesta matéria. A 30 de Janeiro, durante conferência de imprensa, o Procurador-Geral da República (PGR), Bacar Biai disse que o mandato de Sissoco Embaló só termina em Setembro e que as eleições devem ter lugar em Novembro.

Essa interpretação do PGR foi contrariada em diferentes esferas judiciais. A jurista Gui Ndjai defende que a superficialidade que norteia a interpretação e a aplicação das normas no país é uma estratégia deliberada para fragilizar as instituições da República, corroer a confiança da população nessas mesmas instituições, pavimentando o caminho para um regime ditatorial de jure que nem máscara de legalidade se sente constrangido a usar.

Para Gui Ndjai, estamos em 2025, a um mês do fim do quinto ano da tomada de posse simbólica, mas efectiva, do actual Presidente da República, “agora – e só agora – ele parece reconhecer a razão de ser dos preceitos constitucionais, a rigidez do nosso processo eleitoral, especialmente para eleição presidencial, e a necessidade de respeito das instituições do Estado”, escreveu a jurista.

Contrariando o PGR, a jurista não tem dúvidas sobre a situação em que o país se encontra. “Se a CEDEAO e toda a Comunidade Internacional aguardavam um colapso absoluto, a Guiné-Bissau já atravessa o seu paroxismo político. Embora o país tenha enfrentado diversas crises institucionais e períodos de instabilidade político-governativa, nunca antes houve uma convergência de factores tão alarmante: uma vacatura presidencial iminente, por incumprimento deliberado do calendário eleitoral e um contexto no qual todas as instituições da República estão reféns de uma lógica de autopreservação política”, frisou Gui Ndjai.

Entretanto, já circula nos corredores que um Acórdão deverá ser tornado público nos próximos dias e que apontará Setembro como o final de mandato do Presidente da República. O referido Acórdão terá sido uma “encomenda” do actual poder para sustentar a alegada data apontada por Sissoco Embaló como válida.

“Diferentemente dos ciclos anteriores, a crise actual desenrola-se sem qualquer perspectiva de mediação eficaz (externa ou interna) ou de uma saída institucionalmente legítima. O país vê-se arrastado para um vácuo de poder, aprofundando a sua fragilidade política e institucional. A ruptura entre legalidade e governabilidade é facilitada pela deliberada confusão instalada nos processos de interpretação normativa e de interpretação política das leis, e da Constituição, sendo que sempre prevalece a interpretação conveniente àqueles que detêm o poder da força. Esses, estrategicamente, escolhem propagar discursos que mais lhes convém, esquecendo-se de que o modelo de Estado de Direito Democrático que escolhemos estabelece limites dentro dos seus próprios limites”, concluiu Gui N’Djai.

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