Ecos do Líbano: Viajantes portugueses aventuram-se pelo Líbano – Primeira Parte

“Belo ar, belos sítios, belas rotas, belos hotéis”, lê-se este promissor slogan numa antiga brochura turística libanesa sobre a terra dos cedros, nos saudosos tempos em que este país do Levante era conhecido pelo mundo fora como a ‘Suíça do Médio Oriente’. Nessa altura, conhecida pelas elites libanesas como a sua ‘belle époque’, o Líbano era um destino para turistas opulentos, intelectuais, artistas e boémios que encontravam nesta terra a promessa de uma experiência única e libertadora no Médio Oriente. “No Líbano podemos fazer ski nas montanhas de manhã e nadar no Mediterrâneo à tarde”, expressão que ainda hoje nos dizem os locais, com bastante orgulho.

Outros tempos, antes da Guerra Civil de 1975, invasão Israelita, ocupação Síria, assassinatos políticos, a guerra com Israel em 2006, múltiplas revoluções e uma explosão que devastou Beirute.

O que leva, então, alguém a visitar e até encantar-se por um país actualmente tão nas sombras daquilo que outrora tinha sido? Um nome manchado pela violência extrema de décadas e sempre num impasse de viver mais uma guerra ou um outro evento catastrófico.
A e-Global foi seguir os passos que Ricardo, Joana e José Luís, Ângela, Bruno e Daniela, e Catarina e Sónia decidiram dar e ouvir os seus testemunhos quando se aventuraram pelo Líbano adentro.

Hamra, Operação Wimpy e a paixão pela shisha

Começamos com o Ricardo. Confessa que o Líbano não estava no seu roteiro ou sequer entre os países no topo da sua lista. Mas os dias que tinha de férias coincidiam com uma viagem em grupo planeada para finais de Setembro e decidiu marcar passagem. Nunca tinha estado no Líbano e o único país do Médio Oriente que tinha visitado era a Jordânia. “Pouco sabia acerca do Líbano, para além das constantes guerras que tinha passado ao longo destes anos todos. Nem sabia muito bem se seria seguro visitar o Líbano nesta fase. Mas confiei e fui.”, diz Ricardo, médico português, que confessa que marcou esta viagem sem grandes expectativas porque “não era o destino que importava mais mas sim a experiência.”

Mas foi logo no primeiro dia, nos primeiros passos à saída do hotel em Beirute que Ricardo literalmente se apaixonou pelo Líbano. “Adoro fotografia de rua e arte urbana, e Hamra, o bairro onde fiquei inicialmente hospedado, ofereceu-me logo isso.” Hamra, apodado d’os Campos Elísios’ de Beirute, está repleto de murais alusivos à Revolução de 2019, decorados por artistas que usaram a sua imaginação para dar voz ao descontentamento dos libaneses nesse período conturbado.

Hamra foi também um ponto que acabou por ser fundamental para o início da evacuação das forças israelitas que estavam a ocupar a capital em 1982. E em circunstâncias inesperadas, quando o jovem Khaled Alwan assassinou um soldado Israelita no café Wimpy, galvanizando os locais a empenhar-se na resistência contra a ocupação sionista. Este episódio imortalizou não só Khaled, mas também o próprio café, que viu o seu nome registado no título ‘Operação Wimpy’.

E foi naquela rua que Ricardo acidentalmente descobriu o seu estaminé favorito para fumar shisha. “A minha viagem teve muita shisha e a preços bastante acessíveis. E foi engraçado precisamente ter descoberto aquele boteco numa rua tão histórica. E foi ali onde a shisha me soube melhor, no meio dos libaneses que não percebiam nada do que lhes dizia.”, remata entusiasticamente Ricardo.

O Líbano em família e uma corrida até às orações

A Joana e o José Luís vieram ao Líbano com os seus dois filhos e apesar dos desafios de viajar em família e num país que não conheciam, ficaram rendidos a esta jóia do Levante.
Joana faz uma longa e apaixonada descrição da experiência: “O Líbano muda-nos. É profundo, inquietante, fervilhante, imprevisível. É feito de História e histórias, de uma das melhores gastronomias do mundo, de um imenso mar e de montanhas impressionantes. Mas são as pessoas que fazem o Líbano. Os libaneses que conheci são hospitaleiros, de sorriso fácil, humildes e incrivelmente resilientes. Não só os que são reconhecidos como libaneses, mas também aqueles que no país se refugiaram – palestinianos, armenos, sírios. Quase todos passaram por provações a que nenhum ser humano deveria ser sujeito – no entanto, abrem-nos as portas das suas casas e recebem-nos com um carinho desmedido.
Já visitámos muitos países. Em todos fomos bem recebidos. Como família de 4, com crianças de 3 anos e 5 meses, o Líbano foi o 8°. Como família de 3, o 16°. Mas são os países do Médio Oriente que têm um lugar especial no nosso coração – é que o povo muçulmano adora crianças e demonstra-o em cada gesto. O Líbano está cheio de pessoas assim.

A viagem, que dificilmente poderia ter sido mais imersiva, foi repleta de experiências fascinantes e memoráveis. Consigo destacar uma que me tocou profundamente: a corrida e chegada ao castelo de Trípoli para testemunharmos o Azan. Apressámo-nos para chegar a tempo de ouvir o chamamento para o oração, por subidas íngremes, pisos irregulares e sob um calor escaldante. Chegámos a tempo, cansados e transpirados, mas tudo valeu a pena.

Que momento inesquecível! Das várias mesquitas da cidade, que podíamos avistar do castelo, surgiam e misturavam-se melodias, e não ouvíamos mais nada para além das orações. Foi um momento curto, mas profundamente emocionante, e que dificilmente alguma vez esquecerei.”

Sentir-se em casa

Tripoli, foi uma cidade que também cativou Ângela, viajante portuguesa bastante experiente e que também se encontrava no Líbano pela primeira vez na vida.

“Foi o meu primeiro país no Médio Oriente. E fez-me logo sentir em casa. Tinha ouvido muito falar do bem receber das pessoas nesta região e passar pelo Líbano levou-me a desmistificar alguns conceitos que temos deste lado do globo e ajudou-me a abrir as portas e o coração para o que é o Médio Oriente e o Levante. O bem receber nesse lado do mundo está a um patamar acima daquilo que eu já tinha vivido noutros sítios. E foi Tripoli que mais me marcou. É uma cidade que ainda mantém muito a sua personalidade e o seu carácter muito vincado. As pessoas são diferentes. Ainda que me tenham parecido um pouco reservadas, são expansivas na hospitalidade.” Ângela calcorreou a antiga capital do norte de alto a baixo e foi no souk que se estende ao longo do rio Abou Ali que deu de caras com um comerciante que vendia pão tradicional libanês. Ângela, que é uma apaixonada pela fotografia, queria fotografar a banca de pão.

“Inesperadamente, o senhor pediu-me para fotografar não só a banca mas também fazer-lhe um retrato. E no fim, ainda me ofereceu pão. Pode parecer uma coisa não muito significante, mas para mim marcou-me imenso porque acabou por personificar todos os actos de generosidade que eu testemunhei durante a minha viagem pelo Líbano. As pessoas são simpáticas, generosas, afáveis e Tripoli ainda tem estas características muito próprias. E faz-nos sentir a todos iguais e bem recebidos. E não olhar às diferenças, sejam elas religiosas, culturais ou étnicas. Senti-me em casa.”

João Sousa

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