Nigéria: “Quem vai à Igreja não sabe se voltará são e salvo”

Fez-se silêncio absoluto na Catedral de Almudena. O Padre Patrick Akpabio pediu, numa iniciativa da Fundação AIS de Espanha, um momento de recolhimento como homenagem aos milhares de mortos no seu país, a Nigéria, vítimas do terrorismo, de grupos radicais, de bandidos armados.

Os cristãos, diz, são uma das comunidades mais ameaçadas. Há uma “espiral de martírio”, com milhares de pessoas em fuga, aldeias e igrejas incendiadas, ataques deliberados contra sacerdotes, contra a Igreja. Mas, apesar de tudo isso, apesar do medo, o Padre Akpabio fala também de pessoas com uma coragem exemplar e diz que “o amor e a caridade são as armas mais poderosas do mundo, não as balas”.

“A Nigéria tornou-se uma terra onde o sangue do seu povo é derramado e misturado com o vinho da alegria. Na Nigéria, as balas juntam-se ao pão, a água às lágrimas e a alegria à dor. Não me orgulho de partilhar os aspetos negativos do meu país neste encontro de oração e comunhão, mas os ataques contra vida humana e a liberdade religiosa são terríveis. É por isso que devem ser divulgados, para encorajar a vossa fé contra a aridez e a indiferença”, disse o Padre Patrick Anthony Akpabio na Catedral de Almudena, em Madrid, logo depois de ter pedido um momento de silêncio, um momento de oração pelas “milhares de pessoas mortas na Nigéria”, vítimas da violência que parece não ter fim neste país africano.

O Padre Patrick nasceu no sul da Nigéria, em Ikot Ekpene, mas vive atualmente em Vitória, no País Basco. Ele foi um dos participantes, a 13 de Março, da Noite dos Testemunhos, uma iniciativa do secretariado espanhol da Fundação AIS. Explicar ao mundo que “a fé dos Cristãos na Nigéria está ameaçada por uma espiral de martírio”, foi o propósito da sua intervenção.

“Há muita insegurança, assassinatos, raptos, roubos, proliferação de seitas e grupos armados, tráfico de órgãos crescente e deslocação forçada de pessoas. Um dos fenómenos que mais afeta a Igreja é o brutal assassinato e rapto de padres. As consequências são traumáticas com a dispersão do povo de Deus. Muitas pessoas foram deslocadas, fugindo das suas casas por medo. As vítimas diretas e as suas famílias vivem com uma dor irreparável.”

GRUPOS RADICAIS EM CRESCIMENTO

Toda a sua intervenção foi assim. Objetiva, sem rodeios. Fazendo o retrato de um país onde os cristãos são uma comunidade religiosa ameaçada em várias frentes, pelo terrorismo, por grupos armados, por bandidos. O Padre Patrick deu alguns exemplos. Histórias de ataques que não foram sequer noticiados ou que foram reportados de forma discreta, sem o relevo que mereciam.

“Mencionarei os 300 cristãos mortos, em Dezembro do ano passado, em ataques a várias aldeias e o incêndio de igrejas em Mangu, em Janeiro do presente ano. A lista das vítimas de ataques é muito extensa. Estes ataques são atribuídos a grupos islâmicos radicais, membros do grupo étnico Fulani, que sempre foram pastores. Mas continuam a agir grupos jihadistas como o Boko Haram ou o Estado Islâmico da Província da África Ocidental. As correntes radicais e as armas estão a entrar rapidamente na Nigéria e a ganhar uma posição forte”, disse o sacerdote, lembrando o exemplo de uma jovem estudante, Deborah Samuel, “que foi apedrejada e queimada até à morte em Sokoto, por colegas da universidade”, por ter escrito uma mensagem no WhatsApp. Uma história que é retratada também no Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, da Fundação AIS, e que é revelador do clima de intolerância que os cristãos sofrem já em diversos ambientes, nomeadamente no mundo universitário.

Deborah Samuel Yakubu, recorde-se, era uma cristã de 22 anos de idade, estudante do segundo ano de Economia no Shehu Shagari College of Education, em Sokoto, quando foi acusada de ter enviado pela internet uma mensagem considerada blasfema no seu grupo de estudo académico. Quando voltou à escola, após as férias, a 12 de Maio de 2022, os colegas de turma organizaram-se para a “capturar”. Testemunhas descreveram que “a segurança da escola e a polícia tentaram resgatar a vítima, mas foram impedidas de o fazer pelos estudantes”.

“OS PADRES VIVEM EM PERIGO…”

Mas o relato do Padre Patrick continua. “Em Owo, na Diocese de Ondo, as vidas de 40 cristãos foram ceifadas no ataque terrorista à igreja, provocando também 80 feridos, durante a celebração da Missa na festa de Pentecostes de 2022. Eram pessoas que se levantaram nas suas casas, tomaram banho e o pequeno-almoço, e foram à igreja para serem mortas. O que é que aconteceu aos seus sonhos e aspirações? Um casal recém-casado foi à igreja no mesmo dia para dar graças e foi morto. Um médico e a sua mulher também estavam na igreja e foram mortos. A dor de um é a dor de todos.”

O relato está cheio de exemplos de violência, de um clima de hostilidade que está a atingir também o próprio clero. “Com a crescente perseguição, os padres vivem em perigo, porque não têm imunidade contra possíveis ataques e raptos. Cada padre é um alvo atractivo, somos uma espécie em vias de extinção. É um momento preocupante para nós”, disse, sublinhando que há um propósito em toda esta violência.

“A intenção é apagar a história de Cristo e o Seu poder da Nigéria”, explica. No entanto, diz ainda o sacerdote, apesar da violência, apesar das ameaças, a comunidade cristã tem reagido com coragem, dando uma resposta que pode até ser considerada como surpreendente.

“Nos lugares onde as igrejas são queimadas, os padres ainda reúnem as pessoas que restam sob as mangueiras para celebrar a Missa ao ar livre. Actualmente, não há nenhuma região da Nigéria onde a vida de fé não esteja em perigo. Quem vai à igreja não sabe se voltará são e salvo. Os que estão nas igrejas não sabem se sairão delas sãos e salvos. As nossas escolas e seminários cristãos não são poupados. As igrejas cristãs não têm polícia, nem armas ou milícias para combater a insegurança numa sociedade cuja segurança está comprometida”, afirmou o Padre Patrick Anthony Akpabiom.

“O BEM NÃO É VENCIDO PELAS TREVAS”

É neste ambiente carregado de violência, de ameaças, que a Igreja da Nigéria procura cumprir a sua missão no dia-a-dia. Uma Igreja que é pobre mas que não desiste dos seus objetivos. Que não desiste de estar junto dos que mais são atingidos pelo ambiente de terror que está a generalizar-se a todo o país.

“A Igreja não é indiferente à caridade pastoral e continua a pregar e a ensinar às pessoas os valores da paz, da vida em comunidade, promovendo o perdão, a harmonia, a unidade, a justiça e a proteção dos vulneráveis. Além disso, existem no país centros para as pessoas deslocadas à força devido aos ataques jihadistas. A Igreja apoia-as espiritual e moralmente. Por exemplo, na minha Diocese de Ikot Ekpene há tantas pessoas a chegar à região que o meu bispo continua a construir centros de reabilitação para os traumatizados”, descreveu o sacerdote, agradecendo, de seguida, toda a colaboração que a Fundação AIS tem vindo a dar à Igreja na Nigéria.

“A Igreja é pobre financeiramente e os vulneráveis são mais do que os recursos para os apoiar. É por isso que estamos gratos à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre pelo apoio financeiro para sustentar estes projetos, bem como para a formação dos seminaristas e o apoio à subsistência dos sacerdotes”, disse, terminando com um pedido de oração por toda a comunidade cristã na Nigéria. Um pedido de oração para que ninguém vacile na sua fé, apesar do ambiente de perseguição que se vive neste país de África.

“O amor e a caridade são as armas mais poderosas do mundo, não as balas. Perante os jihadistas, os raptos e a discriminação contra os Cristãos na Nigéria, apesar de a nossa dignidade ter sido subjugada e os nossos direitos religiosos terem sido roubados, usaremos a nossa fé, a nossa última força de vontade. Colocamos o nosso sangue à disposição do Reino de Deus para garantir que o bem não é vencido pelas trevas. Pessoalmente, o meu medo não é o Boko Haram. É falhar e abandonar Deus. Por isso, por favor, rezem por nós e dêem-nos o vosso amor e solidariedade”, disse ainda o Padre Patrick Anthony Akpabio, na Catedral de Almudena, em Madrid.

Paulo Aido – Fundação AIS

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